De acordo com a revista VEJA, “a população que se declara evangélica deve ultrapassar pela primeira vez o total de católicos no país a partir de 2032”. E houve um período, não muito tempo atrás, que a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias chegou a ser considerada a religião que mais crescia no Brasil e no mundo. Fundada pelo americano Joseph Smith Jr. em 1830, passou por profundas transformações até atingir o seu apogeu de hoje em dia, com “globalmente (…) mais de 17,2 milhões de membros (cerca de 6,8 milhões apenas nos EUA), mais de 99 mil missionários voluntários e 350 templos.com 150 milhões de adeptos”.

10 anos antes da religião ser oficialmente fundada, Smith recebeu uma visão “na qual Deus e Jesus Cristo lhe ordenaram que (…) restaurasse a verdadeira Igreja de Cristo”. Um anjo chamado Morôni lhe informou “onde estava enterrada uma coleção de placas de ouro gravada”. Nelas, estavam registrados os escritos de um general militar e historiador de nome Nefitas, conhecido também como o profeta Mórmon — “um registro de comunicação de Deus com os antigos habitantes das Américas (que contém) a plenitude do evangelho eterno”.

Com base nestas placas, Smith escreveu o Livro de Mórmon, considerado sagrado por essa religião. A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias visa restaurar os ensinamentos originais do Nosso Senhor. Mesmo assim, suas origens foram rodeadas de controvérsias. Uma delas foi a adoção de práticas poligâmicas.

Pela própria natureza fundamentalista, a religião professava que o Velho Testamento estava coalhado de exemplos: Jacó, Abraão, Moisés, entre outros. Portanto, por constar na Bíblia, poligamia era permitida. Outra explicação histórica e pragmática foi que, por conta da Guerra Civil Americana, havia um déficit de homens e um grande número de mulheres desamparadas passando necessidade. Esta prática, portanto, teria sido talvez uma tática de sobrevivência daquele período — sancionada pela religião para que seus fiéis não vivessem em pecado.

De qualquer maneira, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias aboliu oficialmente a poligamia em 1890. E excomunga quem ainda insiste na prática.

Acontece que, em alguns grotões mais isolados dos Estados Unidos, Mórmons ultrafundamentalistas ainda seguem a poligamia (ou melhor, a poliginia, que é a união de um homem com mais de uma mulher).

E como a televisão tem vivido atualmente uma febre (ou seria uma praga?) de reality shows, mais cedo ou mais tarde algum produtor teria uma brilhante ideia de fazer um programa sobre uma família poligâmica.

De fato, 4 Mulheres e 1 Marido (Sister Wives) estreou no canal americano TLC em 2010. Bateu recorde de audiência para uma pequena emissora que nem é canal aberto. O programa, já entrando na 19ª temporada, lida com o dia-a-dia do vendedor de anúncios Kody Brown, suas então quatro mulheres e seus agora 18 filhos. Eles faziam parte da Igreja da Irmandade Apostólica Unida (Apostolic United Brethren Church). A primeira temporada começou a ser exibida no Brasil no começo de 2011.

O título original em inglês, Mulheres-Irmãs, refere-se a um conceito prevalente dos Mórmons fundamentalistas onde as mulheres que vivem num “casamento plural” não só são casadas com o marido, mas também são eternamente unidas umas com as outras. Elas veem a união como uma questão coletiva. E regidas por regras.

O marido tem que ser justo com todas, sem exceções de favorecimento. Dorme com cada uma em dias específicos. No caso da família Brown, por exemplo, partiu das mulheres a decisão de adicionar a mais nova companheira. Esta prática é tratada por eles com uma reverência quase que espiritual. Como Kody consegue sustentar todo mundo é um verdadeiro enigma. Haja anúncio de publicidade para vender!

As agruras que a família enfrenta na rotina não são muito diferentes de uma tradicional família monogâmica. Há birras e ciúmes, mas são logo contornados. As esposas, por incrível que pareça, davam até a impressão de serem muito unidas.

Pois bem: o que um programa como este tem com um artigo da Coluna da Coluna?

  • Na 2ª temporada, o estressado patriarca resolveu levar a numerosa prole para passar uns dias na fazenda dos pais. Uma das filhas caiu do cavalo, machucou a bacia e não conseguia se mexer de dor. A enfermeira que a examinou descartou possibilidade de fratura. E o clã não teve dúvida: mandou-a imediatamente para um Quiropraxista. No final do programa, a menina aparece de volta mancando, mas pelo menos andando. O tratamento foi um sucesso. Felizmente a coluna não é “plural”.

  • Mas este percalço foi fichinha diante do que estava por vir. Algumas temporadas depois, uma das filhas então preadolescente foi diagnosticada com escoliose. A família tentou de tudo: passou por Quiropraxia e exercícios de reabilitação; e, uma vez que a escoliose atingiu 42°, acabou partindo mesmo para o uso de um colete.

    O tal colete “provocava dores horríveis”. Mas na época, seu uso contínuo, em conjunção dos ajustamentos e exercícios, aparentemente reduziram a escoliose para 35°. A família comemorou. No entanto a felicidade se provou momentânea. Após uma (então) recente visita ao médico, ela descobriu que seu colete não estava, no final das contas, reduzindo de fato a curvatura. Cirurgia foi novamente recomendada. Em um esforço para evitar a operação, os pais da menina a inscreveu num “programa de medicina alternativa no qual ela tenta diminuir gradualmente a curva da coluna vertebral por meio de uma série de exercícios diferentes”: o bootcamp de escoliose.

    O processo é árduo. “Em alguns dias, só quero fazer a cirurgia”, confessou a jovem na época. “Porque eu simplesmente não quero mais lidar com isso — eu só quero acabar logo com isso.” Apesar dos esforços, a escoliose acabou atingindo a temida marca dos 50°. E “em 2020, (a mãe) anunciou nas redes sociais que a filha ia fazer a cirurgia” — em plena pandemia. O pai protelou o quanto pôde. Não queria viajar para outro estado naquele período de isolamento social. Mas as dores falaram mais alto e a menina acabou fazendo mesmo o tal procedimento (que durou 12 horas).

    Agora é ver o que vai acontecer. A coluna obviamente não ficou “100% reta”. Os exercícios terão que continuar. Não se sabe se houve efetivamente um alívio das dores (que, também não se sabe se foi de fato causadas pela escoliose ou pelo uso do colete).

    Mais sobre essa tal curvatura lateral nos Artigo 4Artigo 5Artigo 6Artigo 28Artigo 51Artigo 129Artigo 133 e Artigo 206.

Escoliose por escoliose, a vida imita mesmo a arte. Lançada num período quando havia muito interesse por parte do público americano neste tipo de assunto, o reality show veio no encalço de Amor Imenso (Big Love), um seriado de sucesso da HBO que durou 5 temporadas, entre 2006 e 2011 que narrava as desventuras de uma família poligâmica estrelada pelo saudoso Bill Paxton (1955-2017).

De qualquer forma, com toda esta exposição por conta do sucesso do programa, Kody Brown não demorou a ser investigado pela polícia local (em Lehi, Utah). A família teve que se mudar 2 vezes. O maridão se afastou (ou foi afastado) da igreja. E os casamentos eventualmente não resistiram. Entre 2021, 2022 e 2023, 3 das 4 mulheres se separaram — incluindo a original. Sobrou a da união mais recente (que ocorreu na 1ª temporada) — justamente aquela que as 3 primeiras decidiram que o varão iria desposar. As últimas notícias relataram que a esposa que sobrou está se reaproximando da igreja e o marido “está preocupado que alguém vai dar em cima dela” em pleno culto (!).

Resumindo: atualmente ainda no ar, 4 Mulheres e 1 Marido é agora e por ora sobre um casamento monogâmico. E de quebra, com uma escoliose operada.