Antes de me tornar Quiropraxista, eu fui primeiro um paciente de Quiropraxia. E antes de ser paciente de Quiropraxia, eu fui primeiro (e ainda sou) o feliz proprietário de uma autêntica Escoliose Idiopática do Adolescente de “apenas” 33°. Último modelo, composta, de dupla convexidade — destroconvexa na torácica e sinistroconvexa na lombar — o Cadillac das curvas laterais da coluna.
A saga da minha escoliose já perdura por quase quatro décadas, o que me coloca numa situação única e singular para relatar quais os efeitos a Quiropraxia teve na curvatura lateral da minha coluna.
Corria o ano de 1983. João Baptista Figueiredo era o último presidente militar do Brasil. Ronald Reagan governava os Estados Unidos, Margaret Thatcher a Inglaterra, François Mitterrand a França. A Guerra Fria começava a perder gás. Morria naquele ano o craque bicampeão mundial Garrincha, a cantora Clara Nunes e a novelista Janete Clair. Thriller de Michael Jackson quebrava recordes nas paradas. Madonna e Cindy Lauper tocavam o tempo todo nas rádios. Guerra nas Estrelas — O Retorno de Jedi estreava nos cinemas.
Em 1983 eu era um adolescente de 13 anos, alto e meio desengonçado após um surto de crescimento muito grande dois anos antes. Um dia, ao fazer uma caminhada com a família, meus pais notaram que eu estava torto. Naquele momento, eles, médicos, diagnosticaram a escoliose. E, como todos os pais nessa situação, se sentiram culpados por não terem notado antes.
Sem perda de tempo, minha mãe me levou para uma consulta com um renomado ortopedista da época em Salvador. O médico prontamente me mostrou uma série de slides de pessoas com sérias deformidades causadas pela escoliose — uma autêntica galeria de horrores. Perto deles, o Corcunda de Notre-Dame parecia galã de novela das oito. Ele então placidamente me informou que, caso eu não usasse um colete 23 horas ao dia, eu ficaria igualzinho àqueles infelizes. Minha mãe e eu saímos arrasados e assustados do consultório. Mas logo de cara eu avisei a ela: colete eu não uso.
Eu, um moleque de 13 anos, magrelo, desengonçado, de óculos fundo-de-garrafa, com hormônios em ebulição, doido pra arrumar uma namoradinha — que devastação um trambolho de colete faria na minha já inexistente vida social? Não, não iria usar o colete. Tudo menos isso. Teríamos que investigar uma alternativa. Tinha que haver uma.
Foi aí que meus pais tiveram a indicação de um fisioterapeuta francês radicado no Brasil atuando em Salvador e que estava tendo bons resultados no tratamento da escoliose. Ele trabalhava com o Método Mezières. Era basicamente uma modalidade de reeducação muscular funcional, postural e global criada por uma fisioterapeuta chamada Françoise Mezières lá no finalzinho da década de 40. Na época que eu fiz o tratamento em Salvador ela já era uma enérgica senhorinha de 74 anos. Morreu aos 82 em 1991. Dizem que trabalhou diligentemente até o fim da vida.
Um parêntese: um dos discípulos de Madame Mezières foi o fisioterapeuta Phillipe Souchard. Ele expandiu o conceito e desenvolveu a Reeducação Postural Global anos depois. O R.P.G. encontrou um nicho enorme aqui no Brasil.
Morávamos em Feira de Santana, uma cidade de 700 mil habitantes (hoje) a 110 quilômetros de Salvador. Toda sexta eu saía da escola, caminhava até a rodoviária, apresentava minha autorização de viagem expedida pelo Juizado de Menores, e pegava um ônibus de Feira a Salvador para fazer meu Método Mezières às 16:00. Fiz isso quase toda semana — dos 14 aos 16 anos de idade. Raras ocasiões eu deixava de ir. Até que, aos 16 anos, constatou-se que eu havia atingido uma certa estabilização, meu pai pressionou e acabei sendo meio que liberado.
Coincidentemente foi justamente neste período que a Quiropraxia entrou na minha vida. Fui tratado por Quiropraxistas americanos dos 16 aos 17. Aos 18 anos, quando nossa família se mudou para os Estados Unidos, nunca mais parei. Talvez a minha experiência pessoal com escoliose teve algum peso na minha decisão de me tornar um Quiropraxista, quem sabe? De qualquer maneira, aqui estou.
Assim, enveredando pelos meandros da meia idade, continuo com uma escoliose para chamar de minha. Não faço exames de imagens desde os 22 anos, mas sei que é bem provável que ainda tenha meus 33 graus. O Método Mezières ajudou a trabalhar a musculatura posterior da coluna e estabilizar a escoliose. Sempre estive mais certo disso do que da contribuição da Quiropraxia. Até que…
Recentemente tive a oportunidade de assistir a mim mesmo aos 18 anos num vídeo de 1988. A escoliose ainda era bem visível. Resolvi comparar a uma foto minha mais recente andando sem camisa de costas na fazenda de meu tio. Quase não dá pra perceber as curvaturas laterais.
Deste fato, posso talvez postular uma hipótese. Como Quiropraxista, acredito firmemente que função é mais importante do que forma. Claro, a escoliose continua. Mas por conta de um regime de quase 40 anos de ajustamentos, eliminando subluxações, fixações e hipomobilidades — e por isso estimulando a musculatura mais intrínseca da coluna vertebral — talvez tudo isso tenha ajudado a minimizar a atrofia muscular. De qualquer modo, a aparência das minhas costas era uma aos 18 e outra aos 50. Mais importante, nunca senti dores de coluna que pudessem ser minimamente atribuídas à escoliose.
Seja lá o que for, ser o feliz proprietário de uma autêntica Escoliose Idiopática do Adolescente de “apenas” 33° nunca me limitou e não me limita em nada. Me coloca, sim, numa posição privilegiada para gerenciar um tratamento de escoliose nos meus pacientes com plena certeza e segurança. E com a serenidade de só quem passou por isso pode ter.