Após três anos de escavação, arqueólogos encontraram os restos mortais do rei Ricardo III em setembro de 2012. Mas foi somente em janeiro de 2013 (quatro meses depois), após cruzar exames de DNA com dois de seus descendentes vivos, confirmou-se pra valer que os ossos eram mesmo do último rei da dinastia Plantageneta.

Ricardo III reinou na Inglaterra entre 1483 e 1485. Foi um período conturbado. O país ainda fervia por causa da Guerra das Rosas — um sangrento conflito que durou quase 30 anos. A disputa pelo poder entre os Plantagenetas ceifou milhares de vidas. De um lado, a dinastia Lancaster, representada por uma rosa vermelha; do outro lado, a dos York, simbolizada por uma rosa branca — esta última o clã de Ricardo III.

George R.R. Martin inspirou-se em parte na Guerra das Rosas para escrever Guerra dos Tronos.

Eduardo IV, o filho mais velho do duque de York, tomou o poder em 1471. Morreu em 1483 e deixou seu irmão Ricardo como tutor do seu filho Eduardo V. O maninho então resolveu barbarizar: “declarou o casamento de Eduardo IV inválido, transformou o pequeno rei em herdeiro ilegítimo e o trancafiou, com outro sobrinho, na Torre de Londres. Os irmãos nunca mais foram vistos”. Tornou-se então Ricardo III.

A guerra voltou. Infelizmente seus dois anos de reinado representou o último capítulo da Guerra das Rosas. Um parente distante da dinastia Lancaster, Henry Tudor, derrotou-o na batalha de Bosworth Field. O rei morreu “abatido a golpes de alabarda e adagas”. Henry Tudor foi coroado como Henrique VII. Casou-se com Elizabeth de York, filha de Eduardo IV como um gesto de união e reconciliação entre os dois clãs.

Henrique VIII, o filho desta união, deixou sua marca na História anos depois, quando rompeu com a Igreja Católica para fundar a Igreja Anglicana — e assim tentar produzir um filho homem. Para isso, se casou seis vezes (e decapitou duas de suas esposas). Não conseguiu produzir um varão. Mas sua filha, Elizabeth I, governou com mão de ferro por mais de 40 anos e consolidou a Inglaterra como potência mundial.

Portanto, caros leitores, a importância histórica de Ricardo III pode também ser avaliada pela cadeia de eventos que se seguiram após sua violenta morte — o último rei inglês que morreu em batalha, por sinal. Bosworth Field fica perto de Leicester. O monarca foi enterrado num mosteiro sem honrarias nenhuma. Depois de 89 anos de busca, finalmente encontraram as ruinas do tal mosteiro debaixo de um estacionamento.

Ricardo III entrou para a História como um homem imoral e deformado. Assim foi descrito no livro História de Ricardo III, de Sir Thomas More, “santo da Igreja Católica, escritor, advogado e político destacado na dinastia Tudor” — e devidamente decapitado mais tarde no reinado de Henrique VIII. O dramaturgo William Shakespeare baseou-se largamente na obra de More para escrever Ricardo III, esculhambando ainda mais o monarca para assim fazer uma mediazinha com a rainha Elizabeth I.

Pela análise do esqueleto, Ricardo III não tinha nada de anormal. Era até um tipo bonito, com traços levemente afeminados — meio parecido com Lord Farquaad, o vilão nanico do primeiro Shrek (2001). O monarca, porém, tinha uma respeitável escoliose de mais de 30 graus na região torácica.

Curvas anteriores e posteriores são desejáveis na coluna vertebral: as lordoses e as cifoses. Elas servem para amortecer e flexibilizar. Mas uma curva lateral não deveria existir. A escoliose, sendo uma curva lateral, começa a se tornar um problema quando ultrapassa os 20 graus. A de Ricardo III, já muito pronunciada, causou-lhe uma não tão pequena deformidade na caixa torácica. E muito provavelmente um ombro mais alto do que o outro. Mas nada que compare ao sujeito corcunda imortalizado por Shakespeare. E um dos braços também não era nada atrofiado. O esqueleto não deixa a menor dúvida.

A escoliose idiopática adolescente começou a se desenvolver a partir dos dez anos de idade. Deixou o monarca mais baixo do que deveria ser. Se causou algum tipo de dor, é incerto. Mas em muitos casos, o problema é assintomático.

Escoliose ou não, Ricardo III morreu lutando como um guerreiro. Arqueólogos encontraram oito buracos no seu crânio causados por golpes de espada, bem como mais dois nas costelas e na pelve. Curiosamente, os ossos dos pés não foram encontrados.

(Fonte: VEJA 13/02/13; ÉPOCA 11/02/13; Current Archeology, fevereiro 2013)