John Hughes (1950-2009) tornou-se um mestre em dirigir comédias açucaradas para adolescentes na década de 80. Seus filmes, no auge da sua carreira, deram voz aos conflitos, agruras e angústias de toda uma geração. Alguns viraram clássicos adorados e frequentemente mencionados na cultura pop. Os adolescentes de Hughes não eram tão obcecados por sexo ou donos de uma libido tão sem limites retratados em filmes como Porky´s (1982), O Último Americano Virgem (The Last American Virgin, 1982) e Vingança dos Nerds (Revenge of the Nerds, 1984).

Não. Os filmes de Hughes (que também escrevia e produzia) eram sobre a vida em algum subúrbio do meio-oeste americano, sobre adolescentes inseguros com a própria aparência, insatisfeitos com a vida, em crise existencial — mas sem lá muita profundidade. Os adolescentes de Hughes são brancos; pertencem à classe média (ou alta); vestem-se bem (para os anos 80); e andam de carros tipo Porsche ou Rolls Royce.

Eram mesmo comediazinhas açucaradas para adolescentes. Mas eram também escritas com sensibilidade e dirigidas de uma maneira que não estereotipassem muito os jovens de um período verdadeiramente venerado pelos adolescentes brasileiros. Não à toa, Renato Russo, saudoso vocalista do grupo Legião Urbana, chamava este pessoal de “Geração Coca-Cola”. Quem hoje, beirando ou passando dos 40-50, não se lembra de Mulher Nota 1000 (Weird Science, 1985) e de Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off, 1986), repetidos à exaustão na Sessão da Tarde?

John Hughes lançou atrizes e atores que marcaram época: Judd Nelson, Ally Sheedy, Anthony Michael Hall e Molly Ringwald — que andam atualmente meio sumidos. Praticamente deslanchou a carreira de Matthew Broderick, Jon Cryer e Charlie Sheen. Estes dois, até certo tempo atrás estrelaram juntos uma série de sucesso: Dois Homens e Meio (Two and a Half Men). Hughes foi um diretor bastante prolífico, especialmente na metade da década de 80. Suas comédias eram sucesso de bilheteria. Seu maior êxito, no entanto, foi Esqueceram de Mim (Home Alone, 1990), escrito e produzido por ele — que, ironicamente, não era uma comédia adolescente. Este filme catapultou para o estrelato absoluto um menininho chamado Macaulay Culkin (que também anda sumido). Depois de 1991, John Hughes deixou de dirigir, concentrando-se em escrever e produzir filmes. A virada do milênio não foi muito boa para ele. Seus projetos não fizeram sucesso. Morreu de insuficiência cardíaca aos 59 anos.

A “patinha feia” Molly Ringwald foi uma espécie de musa do diretor, estrelando filmes como Gatinhas e Gatões (Sixteen Candles, 1984), O Clube dos Cinco (The Breakfast Club, 1985), e A Garota de Rosa-Shocking (Pretty in Pink, 1986). Gatinhas e Gatões marca a primeira parceria da atriz com o diretor. Este filme é passado durante um período de 24 horas, bem no dia que a adolescente Samantha Baker faz 16 anos. Sua família, ocupada com o casamento da filha mais velha, esquece completamente da data. Para piorar a fossa de Samantha, o carinha pelo qual ela está apaixonada nem sabe que ela existe. E ainda tem que aguentar a paquera desajeitada e insistente de um meninote que mal saiu da barra de saia da mãe. Mudará o baile da escola a vida da nossa heroína? Lembrar-se-á alguém do seu aniversário? Terá o meninote sucesso na sua empreitada?

Alguns atores (coadjuvantes dos coadjuvantes ou quase figurantes) alcançaram sucesso nos anos seguintes. Um dos amigos nerd do meninote (Anthony Michael Hall) é John Cusack, que firmou uma longa e consolidada carreira em Hollywood. Estrelou filmes como Os Imorais (The Grifters, 1990), Tiros na Broadway (Bullets Over Broadway, 1994), 1408 (2007) e  O Corvo (The Raven, 2012).

Sua irmã, Joan Cusack, duas vezes candidata ao Oscar® de Melhor Atriz Coadjuvante por Uma Secretária de Futuro (Working Girl, 1988) e Será que Ele É? (In & Out, 1997), faz uma pontinha rápida, mas hilária, como uma adolescente feinha e desajeitada que ainda por cima usa o Colete de Milwaukee para sua escoliose. O tal colete, já em relativo desuso hoje, mais parece um instrumento de tortura. Sua eficácia é controversa. É uma batalha a menina beber água do bebedouro, entornar uma lata de cerveja, dançar ou mesmo virar a cabeça. As cenas fazem-nos rir, mas o colete serve como uma metáfora do constrangimento da adolescência pelo ponto de vista de Hughes.

Nota: O excelente seriado Sex Education, atualmente na segunda temporada na Netflix, bebe diretamente da fonte dos filmes de John Hughes – mesmo passado na Inglaterra. Para os saudosos e a geração do novo milênio, vale a pena assistir.