O título deste artigo faz uma brincadeira com o meio esquecido clássico de 1965 Esses Homens Maravilhosos e Suas Máquinas Voadoras. Bem… Pelo menos eu tentei, né? 😬

Já se vão quase 3 décadas que começaram a pipocar pesquisas em cima de pesquisas sobre a importância dos músculos multífidos, não só como estabilizadores da coluna, mas como ferramenta imprescindível para prevenir e até prognosticar dores lombares.

Mas antes da gente começar esta discussão, convém revisitar esta fascinante musculatura.

Os multífidos são basicamente um grupo de músculos pequenos e triangulares que se estende do sacro até a segunda vértebra cervical. Situados “profundamente ao semiespinal e superficialmente aos rotadores”, formam com estes dois o “grupo transversoespinhal dos músculos profundos do dorso”. Deste seleto grupo, são os mais espessos —  “menores que os semiespinhais, mas maiores que os rotadores” — regionalmente divididos em multífidos cervicais, multífidos torácicos e multífidos lombares. São enervados pelos ramos mediais das raízes dorsais dos nervos espinhais da região.

Cada multífido conecta mais de 3 a 6 níveis vertebrais. “O grupo de músculos transversoespinais estende-se lateralmente a partir do processo transverso e insere-se medialmente no processo espinhoso, preenchendo o sulco em ambos os lados do processo espinhoso.” E é justamente na região lombar onde os multífidos, por oferta e demanda, encontram-se mais desenvolvidos. Nesta região, cada um desses músculos é longo e conta com vários pontos de origem:

  • A superfície posterior do sacro;

  • A espinha ilíaca póstero-superior;

  • Os processos mamilares das vértebras lombares;

  • Os processos transversos das vértebras torácicas.

A inserção é sempre a mesma: “a base do processo espinhoso de todas as vértebras de L5 a T8, 2 a 4 níveis acima da origem”. Também conecta-se ao “transverso abdominal através da fáscia toracolombar”.

Aqueles que fizeram o curso de LOGAN BASIC pelo IDQUIRO irão notar que sua origem e inserção fazem destes músculos extremamente suscetíveis ao ajustamento com esta técnica.

O fato é que o músculo multífido é um importantíssimo “estabilizador central local, desempenhando um papel importante na estabilidade estática e dinâmica da coluna vertebral” —  sobretudo na região lombar. Apesar de ser o mais espesso do seu grupo de transversoespinhais, é um músculo considerado fino, mas com alta densidade de fusos musculares. E por isso é mestre em proporcionar retroalimentação (feedback) e estímulos proprioceptivos, além de outras funções:

  • Extensão da coluna vertebral através de contração bilateral;

  • Rotação contralateral da coluna vertebral para o lado oposto da sua contração unilateral;

  • Estabilização das vértebras “à medida que a coluna se move”;

    “Acredita-se que o design exclusivo do multífido lhe confere força extra.”

  • Flexão lateral da coluna através de contrações unilaterais — só que neste caso, ipsilateral.

  • Estabilização durante “a rotação do tronco”;

    Isto ocorre quando há alguma flexão do tronco aos músculos abdominais se contrairem para produzir rotação do tronco. “Os músculos multífidos se opõem a essa flexão (…), mantendo uma rotação axial pura, atuando assim como estabilizadores (…)”.

  • Atividade contínua em posturas eretas, de acordo com evidências.

    “De fato, o multífido provavelmente está ativo em todas as atividades antigravitacionais.”

Outra curiosidade é a “relação Comprimento-Tensão: O músculo multífido possui uma área de seção transversal elevada”, e por isso “sua capacidade de geração de força é alta”. Possui também “um comprimento de fibra curto, de modo que sua excursão muscular é baixa”, que acordo com pesquisadores, que  “categorizaram os tipos de fibras multífidas por camadas”.

“A camada profunda abrange apenas 2 segmentos vertebrais (em oposição a até 4 nas outras camadas)”. Esta extensão mais curta faz com que, “quando o músculo se contrai, ele contribui para um movimento mais compressivo na articulação espinhal que afeta, em comparação com outros músculos extensores das costas e as camadas mais superficiais do multífido”. Com isso, “a camada mais profunda parece contribuir com mais força e estabilidade para a coluna do que as camadas superficiais”.

Portanto, “embora muito fino, o músculo multífido desempenha um papel importante na estabilização das articulações da coluna vertebral. — que, juntamente com a musculatura paravertebral, “são cruciais para a estabilização e o movimento vertebral”. Esta estabilidade (que causa uma certa “rigidez positiva”) faz “com que cada vértebra trabalhe com mais eficácia e reduzem a degeneração das estruturas articulares causada pelo atrito da atividade física normal”.

Mas há também outro lado desta moeda.

Toda essa musculatura está “propensa a desenvolver infiltração graxa (ver Artigo 276), fibrose e atrofia em muitas condições da coluna”.

“Os progenitores fibroadipogênicos, uma população residente de células-tronco musculares, são os principais contribuintes para a fibrose muscular e a infiltração graxa (IG). Muitos estudos relataram as associações entre a hérnia de disco dolorosa, a desnervação e a lesão muscular por desuso resultantes e o desenvolvimento de IG, fibrose e atrofia.”

Além disso, a disfunção no multífido pode ser exacerbada, paradoxalmente, por um mecanismo de defesa da coluna vertebral: a inibição da dor. “A disfunção frequentemente persiste mesmo após o desaparecimento da dor. Essa persistência pode ajudar a explicar as altas taxas de recorrência da lombalgia. A disfunção multifidus lombar persistente é diagnosticada pela substituição do multifidus por gordura.”

Então, como dito no primeiro parágrafo deste artigo, desde 1993 vem se tornando consenso que “a fraqueza do músculo multífido está associada à dor lombar” e “a um prognóstico mais desfavorável”:

  • “A gravidade da atrofia multífida na ressonância magnética está diretamente correlacionada à diminuição da capacidade de se inclinar para a frente e à dor nas costas.”

  • “A degeneração discal na ressonância magnética está associada a alterações ósseas e à atrofia multífida, indicando uma patologia de ‘órgão inteiro'”.

  • “A composição gordurosa dos músculos multífidos lombares na dor nas costas foi diretamente correlacionada à função física deficiente.”

Considerem os estudos abaixo:

  • Neste estudo, Alterações na Área de Secção Transversal do Múltiplo e do Psoas na Ciática Unilateral Causada por Hérnia de Disco Lombar,  incluiu-se “76 pacientes submetidos à microdiscectomia aberta para radiculopatia unilateral de L5 causada por hérnia de disco no nível L4-5”. Desses, “39 pacientes (51,3%) apresentaram duração dos sintomas de 1 mês ou menos (grupo A)”. E do outro lado, “37 (48,7%) apresentaram duração dos sintomas de 3 meses ou mais (grupo B)”. Através de ressonância magnética foram medidas as áreas de seção transversa (…) dos músculos multífido e psoas (…) na porção média do nível do disco L4-5″ e comparadas depois “entre os lados doente e normal em cada grupo”.

    Não se observou “diferenças demográficas entre os dois grupos”.

    Constataram que “houve diferença significativa na área seção transversa do músculo multífido entre os lados doente e normal (p<0,01) no grupo B. Em contraste, não foi encontrada assimetria significativa no músculo multífido no grupo A”.

    As medidas “do músculo psoas não foi afetada pela hérnia de disco em nenhum dos grupos”.

    Concluíram então que a duração dos sintomas de 3 meses ou mais parece ter um efeito detrimental no tônus dos multífidos.

  • Este estudo de 2017 vai mais além: eles analizaram “tamanho e atenuação” da musculatura paravertebral na tomografia computadorizada de idosos que sofreram fraturas de quadril e concluíram, que, ao que parece, tais achados estão associados às taxas de mortalidade posterior às fraturas.

    Acompanharam “274 pacientes com mais de 65 anos de idade com fraturas de quadril (…) por 10 anos. A área e a densidade muscular paravertebral em T12 foram medidas”. E descobriram que a “diminuição do tamanho e da densidade muscular em T12 em homens e mulheres estavam diretamente relacionados à diminuição da “taxa de sobrevida” destes pacientes.

    Um parêntese: Já que estamos neste assunto, esta pesquisa de 2022, concluiu que, quanto menos lipossubstituição a musculatura do quadril tiver, menor as chances de sofrer fratura do colo do fêmur. Melhor do que a área muscular, “o aumento da espessura do tecido mole trocantérico (…) está independentemente associado a um baixo risco de fratura”.

  • Tudo bem, as pesquisas acima tinham mais a ver com os paravertebrais e psoas do que com os multífidos propriamente dito. Mas este estudo de 2023 discute os efeitos da lipossubstituição dos multífidos na integridade óssea das vértebras e os riscos associados de fratura compressiva.

    Foram 120 participantes: 45 no grupo de controle e 75 no grupo com algum risco de fratura (osteoporose e osteopenia). Analizaram as condições dos multífidos e concluíram que “altas porcentagens de infiltração graxa do músculo multífido aumentam o risco de fraturas da coluna vertebral. Portanto, preservar a qualidade do músculo espinhal e a densidade óssea é essencial para prevenir fraturas compressivas por osteoporose”.

  • Não pensem por um segundo que enfraquecimento dos multífidos é um fenômeno exclusivamente relacionado à idade. Neste trabalho intitulado Tamanho do Multífido em Adolescentes com e sem Dor lombar por Meio de Ultrassonografia, foram analizados 40 jovens saudáveis e 40 jovens com lombalgia de idades entre 15 e 18 anos.

    Examinaram através de US “a área transversal do multífido” e encontraram “diferença significativa no tamanho entre os dois grupos”. Concluíram então que “a intensidade da dor e o índice de incapacidade funcional foram significativamente correlacionados com o tamanho muscular no grupo com lombalgia”.

Pois é. A fraqueza e atrofia do músculo multífido estão associadas à dor lombar crônica. Mas o que podemos fazer para melhorar esse quadro?

O primeiro passo é mobilização. Minimizar fixação ou diminuição de movimento através de ajustamentos específicos de Quiropraxia é imprescindível. E quanto mais específico o ajuste, melhor.

“Pontos-gatilho no multífido diminuem a eficiência da contração do transverso do abdome devido à diminuição da inibição recíproca. A punção a seco dos pontos-gatilho do multífido aumentou a espessura do tansversus abdominus durante a contração, sugerindo que (esta modalidade) pode ser usada para o tratamento da dor lombar.”

Uma vez vencida a primeira etapa, lembremos que “o músculo multífido é um importante estabilizador da coluna lombar. Ele atua em conjunto com os músculos transverso do abdome e do assoalho pélvico para a estabilidade da coluna”. É necessário reabilitar. Portanto, Pilates (ver Artigos 90189 e 277), natação (ver Artigo 281) e fisioterapia, como R.P.G. (ver Artigo 133) podem ser uma boa pedida — bem como outros “programas de estabilização do core“, que “são sugeridos para aumentar a área de seção transversal do multífido e diminuir a dor lombar”.

Porque, diante das posturas sedentárias que os tempos modernos nos impõem, é importante não deixar a gordura tomar conta — particularmente da nossa estimada musculatura posterior da coluna.