Como Quiropraxistas, tratamos disfunções articulares. Nos preocupamos primariamente com hipomobilidades, fixações — subluxações por assim dizer. Mesmo que haja um componente patológico, o objetivo principal é restaurar função e biomecânica articular. E quanto mais mecânica a causa, mais eficaz o tratamento de Quiropraxia.
Mas volta e meia chega no consultório um paciente com dores poliarticulares — nos joelhos, nos ombros, nos quadris, nos tornozelos, nos punhos. Aí já ficamos com a orelha em pé. Porque este tipo de problema pode ser sistêmico, com causa não-mecânica — e, portanto, que pode fugir da nossa alçada. São os tais “reumatismos”.
De acordo com o o dr. Cristiano Zerbini, reumatologista no Hospital Sírio-Libanês, o que o público entende como reumatismo, é, na verdade, “um termo geral para caracterizar cerca de 130 doenças que afetam, principalmente, as articulações (juntas), embora também possam afetar os sistemas respiratório, gastrointestinal e a pele, entre outras partes de nosso corpo.”
O número pode atingir 300, se computarmos as subdivisões. A Sociedade Brasileira de Reumatologia estima que haja cerca de 15 milhões de brasileiros sofrendo com algum tipo de doença reumática. É muita gente. Estas afecções “acometem o aparelho locomotor, ou seja, ossos, articulações, cartilagens, músculos, tendões e ligamentos” e podem ser confundidas com problemas neuromusculoesqueléticos — e, por tabelinha, pacientes com estes sintomas podem facilmente aparecer numa clínica de Quiropraxia (daí a necessidade de sabermos prontamente identificá-las). Algumas dessas doenças também podem comprometer outras partes do corpo humano como rins, coração e pulmão.
De acordo com o Ministério da saúde, a lista de doenças reumáticas é longa e inclui:
E esta última, depois desta longa introdução, é o foco no nosso artigo.
Com quase 3 décadas de experiência clínica, confesso um pouco envergonhado a minha ignorância sobre polimialgia reumática. Sim, vi centenas de casos de artrite reumatóide, espondilite anquilosante, e outras afecções do gênero. Mas nunca havia visto um único caso sobre esta doença inflamatória que acomete tipicamente indivíduos com mais de 50 anos — pelo menos que eu pudesse ter identificado.
Por ter uma incidência 2 vezes maior em mulheres do que homens, é frequentemente confundida com fibromialgia (cuja incidência nas mulheres é 7 vezes mais do que nos homens — e portanto, o sexo do paciente pode atrapalhar o diagnóstico). A Sociedade Brasileira de Reumatologia relata que “os sintomas são causadas por inflamação nas articulações profundas de ombro, pescoço e quadril” com dores primariamente nestas áreas. “A rigidez pode ser tão intensa que pode incapacitar o doente, Outros sintomas são: fadiga, perda de peso, febre baixa, e depressão.”
“A polimialgia reumática (PMR) é a inflamação da membrana que reveste as articulações, causando dor intensa e rigidez muscular no pescoço, nas costas, nos ombros e nos quadris” (…), “e seu diagnóstico é baseado no quadro clínico de dor em cinturas (pélvica e escapular), acompanhado do aumento de provas inflamatórias e de achados radiológicos sugestivos, como a bursite subacromial e trocantérica“. De acordo com o Ministério da Saúde, por ter uma alta ocorrência na dita meia-idade, “sugere que esteja de alguma forma relacionada com o processo de envelhecimento. Segundo dados do Sistema de Informação da Atenção Básica (SISAB), foram registrados mais de 1,4 mil atendimentos de pessoas com PMR na Atenção Primária a Saúde (APS) em 2021”.
A causa é desconhecida. Pode ocorrer repentinamente e se agravar com relativa rapidez. “O pescoço, as costas, os ombros e os quadris tornam-se rígidos e doloridos” (…) e podem “impactar na execução de tarefas diárias. Algumas pessoas acometidas pela doença podem apresentar sensação de ‘rigidez matinal’ (dificuldade em começar movimentos ao acordar) com uma duração superior a 45 minutos, além de dor e inchaço nas articulações das mãos e punhos, perda de apetite, perda de peso, cansaço maior que o habitual e febre baixa.”
O diagnóstico é primariamente clínico, baseado nos sintomas “e nos resultados dos exames de sangue.” — “feito a partir de uma avaliação clínica que inclui exame físico e análise do conjunto de sintomas, associadas a exames laboratoriais. Exames de imagem e eletromiografia eventualmente podem ser necessários. Por se tratar de uma doença que possui sintomas semelhantes a outras enfermidades, o diagnóstico diferencial é de extrema relevância. A maioria das pessoas melhora drasticamente com o uso do corticosteroide prednisona“.
Considere o caso deste funcionário público (na época com 54 anos). Era um paciente de longa data, mas que aparecia ocasionalmente com lombalgia e, às vezes, ciática. Fazia uma série de sessões, e, quando assintomático, meio que abandonava o tratamento (na fase mais importante, na minha opinião: a Fase de Manutenção). Mas sabia o caminho das pedras e voltava quando sentia, tipicamente alguns anos depois.
No entanto, a última vez que ele veio, antes da pandemia, os sintomas tinham mudado. Me procurou porque sentia uma dor pélvica, irradiando para os quadris. Diferente de antes. Na avaliação, constatei que estava extremamente rígido. Não consegui ajustar nada: cervical, torácica, lombar — absolutamente nada. Isso era atípico. Nunca tive dificuldade de ajustá-lo antes. Perguntei se havia alguma mudança na sua vida, talvez alguma situação de estresse extremo. Respondeu que não. Indiquei-o então a um fisioterapeuta que trabalhava comigo na época. Foi alongado durante 2 semanas. Quando retornou a mim, continuava extremamente rígido — exatamente como antes. Não houve nenhuma melhora clínica.
Passei então a suspeitar que havia algo sistêmico. Só não sabia o que era. Indiquei a um ortopedista e lhe instruí que fizesse exames de imagens e de sangue. Não me deu notícias depois disso. Com o corre-corre da vida, acabei me ocupando com outros pacientes e, depois de algum tempo, tirei-o da mente. Passaram-se alguns anos. Até que ele entrou em contato e agendou sua mãe para uma consulta. Ela se recuperava de um AVC e estava com dores paravertebrais. E no decorrer do tratamento dela, me contou sua interessante odisseia.
Seguindo minhas instruções, nosso funcionário público foi se consultar com um ortopedista e depois com um endocrinologista. O ortopedista pediu alguns exames, passou analgésicos e antiinflamatórios — que, ressalte-se, não surtiram efeito. O endocrinologista não sabia o que fazer. Nada parecia melhorar e o problema só fazia se agravar.
Ele então resolveu pesquisar na internet. Enxergou uma similaridade dos seus sintomas a algum tipo de polineuropatia. Entrementes, cada dia que passava, movimentar-se ficava progressivamente mais difícil. Àquela altura, já andava com certa dificuldade. Além da dor do quadril, doiam-lhe os ombros. Sendo uma pessoa sistemática, pesquisou com afinco um nome de um reumatologista que considerava confiável. Mas este profissional só tinha vaga para 3 meses. Convenceu a secretária a encaixá-lo se houvesse alguma desistência — e, por sorte, vagou um horário mais perto. Quando conseguiu o horário, as dores já se haviam tornado generalizadas. Doiam como navalha. Não conseguia dormir.
No dia da sua consulta, se locomovia com dificuldade, arrastando os pés e com joelho eretos — marcha esta não muito longe da do Monstro de Frankenstein. Da cintura para cima estava extremamente rígido e com dores intensas. O reumatologista então passou alguns exames de imagens e um calhamaço de exames laboratoriais. Levou mais de um mês para fazer tais exames.
Quando finalmente retornou ao reumatologista, já estava sem conseguir andar. Foi levado para a clínica. Até falar lhe custava. A ATM travava. Estava à mercê das dores, literalmente.
Após estudar os exames por cerca de 90 minutos, o médico falou que doenças reumáticas não são muito fáceis de diagnosticar. Elas se confundem muito entre si. Mas que tinha 90%-95% de certeza que se tratava de polimialgia reumática. Lhe receitou prednizona, uma medicação à base de corticóide como teste terapêutico. E lhe disse que, se sua suspeita estivesse correta, a polimialgia, sendo uma doença de “tiro curto”, no outro dia estaria andando.
Um parêntese: A expressão usada pelo reumatologista (“tiro curto”) é um eufemismo que refere-se ao fato de que polimialgia reumática ser uma daquelas doenças que aparece repentinamente, gera fortes crises, mas que costumam ter resolução completa — diferentemente das doenças reumáticas autoimunes (como o lúpus) ou degenerativas, que requerem tratamento para toda a vida.
Nosso protagonista foi para casa e tomou a medicação. Deitou-se doloridamente no sofá às 17:00 e adormeceu. Acordou às 22:00. Se espreguiçou instintivamente e se deu conta, admirado, que conseguia fazer este movimento depois de tanto tempo. Cautelosamente, tirou as pernas do sofá. Estavam funcionando. Se levantou. Conseguiu andar. Imaginem sua alegria! Foi como ter nascido de novo. Sentiu-se como o personagem de Robert De Niro em Tempo de Despertar.
O “Teste Terapêutico”, como lhe explicou o reumatologista, duraria 30 dias. Passou um mês tomando a medicação. Depois disso, o longo processo de desmame, em que as dosagens iam gradualmente diminuindo. Mas, no espaço de um ano, teve duas recaídas. O médico então receitou uma medicação usada para suprimir o sistema imunológico — usada tipicamente em transplantados. Foi somente a partir daí que as recaídas pararam de ocorrer. E, desde então, teve uma recuperação considerada excelente — porém com percalços e dificuldades.
Sim, outros desafios despontaram no horizonte — consequências diretas do uso de um medicamento tão invasivo quanto necessário. O processo de desmame da medicação foi terrível. Teve depressão como efeito do uso prolongado de corticóide. E uma miopatia braba, com profunda fadiga muscular. Foi um tormento que durou quase dois anos e dois meses até que consequisse se recuperar completamente. Mas sobreviveu para contar a história.
Duas lições para tirar desta experiência:
Pois é. Como podem ver, até numa profissão reconhecida e regularizada, ocorre este tipo de anomalia, de gente fazendo cursinhos e se autointitulando profissionais com formação supostamente autêntica. Não estamos sozinhos, não.