Assédio moral é uma quimera que pode tomar várias formas. Pode ser explícita ou implícita. Pode vir acompanhada de uma boa dose de preconceito. É um terrorismo psicológico que não apenas humilha a vítima, mas também a aliena, a isola e a apequena. É extremamente detrimental para a auto-estima de qualquer vivente.

Assédio moral é errado. É antiético. E faz mal à saúde. 

A busca incessante por metas e a obsessão agressiva por lucros estão fazendo multiplicar pelo país várias formas de assédio moral, principalmente nos bancos e nas grandes empresas. A pressão negativa que o empregado sofre por não conseguir cumprir seu papel diante de um ambiente de trabalho cada vez mais competitivo e hostil traz a tona esta nova forma de preconceito. Concentremo-nos, por ora, no exemplo dos bancos.  

Marcelo Finazzi, mestre em Administração e autor da dissertação Patologia da Solidão: o suicídio de bancários no contexto da nova organização do trabalho, publicou uma pesquisa na UnB em que, entre outras coisas, associa doenças do trabalho às transformações ocorridas no mercado financeiro a partir da década de 1990.  

O estudo defende a mudança do papel do bancário após 1995 com a implantação do Plano Real. Os bancos antes lucravam com a inflação – debelada hoje em dia. 430 mil bancários foram despedidos no Brasil desde então. Finazzi afirma que o restante passou “a ser vendedor e consultor. As cobranças se acentuaram. (…) As pessoas que antes faziam carreira nos bancos e se aposentavam nas empresas de deparam com um contexto em que seus empregos não estão mais garantidos”. O bancário foi praticamente convidado a se dono da própria carreira em nome do lucro. Com isto, o vínculo estabelecido entre as empresas e o trabalhador mudou bruscamente — quase como uma relação de submissão. Isto sem falar na redução de pessoal. 

Estudos internos de um grande banco indicam que, entre 1995 e 2008, “32% dos afastamentos de bancários decorreram de doenças do tecido músculo esquelético, como as Ler/Dorts, transtornos diretamente correlacionados com problemas da organização do trabalho”. A contínua ameaça de demissão, juntamente com as múltiplas formas de assédio moral, causa um ambiente de desconfiança, desesperança e incompreensão. 

A pesquisa conclui que “falta o cumprimento da legislação trabalhista, metas de produção condizentes com a capacidade física e psicológica dos funcionários, assim como o treinamento dos gestores para lidar com os conflitos”. A humanização das relações de trabalho contribui para promover melhor compreensão e menos preconceito. Inevitavelmente, o rendimento no trabalho aumentará. E a satisfação também. Faz sentido e parece fácil, mas não é o que vem acontecendo. 

Esta prática, infelizmente, não tem se limitado a somente bancos. Outras empresas abraçaram a institucionalização do assédio moral, devidamente disfaçada de programas de estímulos e motivações para alcançar metas: uma espécie de Gestão de Metas do mal. Já houve relatos em grandes cervejarias nacionais e até em nosso próprio quintal. Sim, a prática existe até em algumas redes de clínicas de Quiropraxia. 

Já o termo “lesão por esforço repetitivo” (LER) abrange uma miríade de problemas de natureza neuro-músculo-esquelética. Mas pelo fato deste tipo de lesão nem sempre ser causada somente por repetições de movimento, o acrônimo “DORT” (doenças ósteo-musculares relacionadas ao trabalho) passou a ser preferido. Tenditinite, bursite, tenossinovite, síndrome do túnel do carpo, cervicalgias e lombalgias são exemplos de algumas destas doenças causadas pela labuta do dia-a-dia. O Corpo no Trabalho (Editora Senac), do médico Primo A. Brandimiller, lista fatores genéticos, postura incorreta, falta de ergonomia, problemas degenerativos e hormonais como alguns fatores causadores deste mal do século XXI. Quando não tratado corretamente, pode evoluir para algo mais grave e mais elusivo como fibromialgia. E não é fácil de chegar a um diagnóstico adequado nos estágios iniciais.  

Alguns autores sugerem que DORT não é tão-somente um problema físico. Há um “tripé” que envolve componentes, não só físicos, mas químicos e psicológicos. Quando um ambiente de trabalho deixa de ser saudável, o empregado com lesão por esforço repetitivo é estigmatizado e vitimizado. Sua carreira é comprometida, e sua auto-estima é afetada. Se isto for feito de maneira sistemática e planejada, caracteriza-se então o assédio moral no trabalho. É a parte psicológica do DORT entrando em ação.  

É difícil para uma pessoa que nunca teve DORT entender o sofrimento do colega. O chefe nem sempre é compreensível. Muitos sofrem calados com medo de represálias no trabalho. Por isso, estes trabalhadores sentem também estresse, depressão, e dificuldades de relacionamento com os colegas, os amigos, e até com os familiares. Pode haver uma espécie de “terrorismo psicológico” por causa do problema. Trocadilhos infames como acusar o trabalhador de “LERdeza”, e a insistência deste em não faltar ao trabalho vão indubitavelmente agravar sua condição fragilizada. A vítima se vê num mato sem cachorro: ou continua sofrendo com a dor e as humilhações, ou se demite, ou então se aposenta por invalidez. Com um provento bem menor, é claro.   

Trata-se de um ciclo vicioso. Do problema advém as perseguições. Ou o próprio assédio moral pode ser responsável pelo eventual desenvolvimento da DORT. Esta via dupla causa efeitos de ordem física e define a predisposição à dor e à fadiga muscular.  

Além de ser um possível agravante para DORT, o assédio moral no trabalho é coisa séria. Não é simplesmente gestos de maus-tratos ou  atos de agressividade e mal-educação esporádicas. Vai muito além de uma simples descarga de estresse ou um problema de convivência. Assédio moral é definido como uma situação de perseguição e humilhação proposital e repetitiva, cuja “finalidade quase sempre é compelir a vítima a sair”, atesta Roberto Bo Goldkorn, autor de Dormindo com o Inimigo e Assédio por Sedução (Editora Bertrand Brasil). O objetivo é desestabilizar o empregado. Goldkorn chega ao ponto de afirmar que mais de 60% das doenças conhecidas são criadas pelo estresse resultante do assédio moral. 

Em Assédio por Sedução, o autor faz uma crítica velada a neurolinguística — ferramenta muito usada no nosso meio para captar pacientes — que, dependendo da situação, pode ser empregada tanto proativamente quanto negativamente.

Mulheres são as maiores vítimas de assédio moral, seguidas dos homossexuais. Mas, “pessoas com doenças crônicas ou deficiências físicas também são alvo fácil, assim como funcionários acima do peso”, diz o advogado paulistano Luiz Carlos Moro, que tem se especializado em ações deste tipo, em especial entre funcionários públicos, de onde vem mais da metade dos casos. “A pressão é maior porque, ao contrário da iniciativa privada, não há como demitir” (ÉPOCA, 22/09/2008). 

Ainda bem que hoje em dia já exista um movimento que já faz não ser tão socialmente aceitável, por exemplo, ridicularizar uma pessoa gorda ou humilhar alguém que sofra de Ler/DORT ou dores de coluna no ambiente de trabalho. Mas, infelizmente, ainda acontece. E as redes sociais podem contribuir bastante para intensificar o problema, que pode levar ao isolamento e até à execrações por parte dos colegas e dos superiores.

Os primeiros sintomas são dores generalizadas no corpo, seguidas de distúrbios do sono, palpitações e tremores. Depois vêm diminuição da libido, distúrbios digestivos e depressão. A situação não é tão rara quanto se pensa. 4% dos trabalhadores italianos e 10% dos trabalhadores franceses e suecos são afetados pelo assédio moral, segundo um estudo realizado em 2004 pela Organização Internacional do Trabalho na Europa. Pesquisa feita entre 2006 e 2007 pelo Health and Safety Executive (a secretaria de proteção à saúde do trabalhador no Reino Unido) concluiu que 520 mil britânicos ficaram doentes por causa do estresse no trabalho (ÉPOCA, 22/09/2008).  

Países como Alemanha, Argentina, Bélgica, Canadá, França, Noruega e Suécia já possuem legislação específica para punir o asssédio. Nos Estados Unidos, os casos de assédio são julgados de acordo com a legislação de danos morais. Há leis à espera de aprovação na Espanha, Itália e Japão.

Até pouco tempo atrás, não se considerava assédio moral crime no Brasil. Apenas um ato ilícito. Mas “em março de 2019, a Câmara Federal aprovou o Projeto de Lei (PL) Nº 4742/2001, que tipifica o assédio moral no trabalho como crime, estabelecendo pena de detenção de um a dois anos, além de multa”. Difícil mesmo é provar que determinados problemas psicológicos são originados no ambiente de trabalho. Mas é necessário para que se justifique qualquer processo judicial por assédio moral. 

Já no Conselho Federal de Medicina, a recomendação da Resolução 1.488/98 é para o médico do trabalho fazer uma relação direta entre o transtorno da saúde físico-mental e a atividade do trabalhador para que possa ser caracterizado o assédio. Mas nem sempre isto acontece.

Paradoxalmente, causa-nos uma certa apreensão já existir há alguns anos no Brasil apólices de seguro que cobre os prejuízos decorrentes de ações indenizatórias relativas a assédio moral e sexual e discriminação no local de trabalho. Estaremos seguindo a mesma rota dos Estados Unidos? 

Punir o agressor deveria ser mais importante do que estimular uma espécie de indústria da indenização. O seguro não foi visto de forma positiva pelos especialistas da área trabalhista. Para eles, é muito melhor investir em trabalhos internos de conscientização para prevenir casos de assédio do que tentar pagar pelos erros depois do ocorrido. “A prevenção ao problema deveria ser o mais importante”, afirma Adélia Domingues, procuradora aposentada do Ministério Público do Trabalho em São Paulo.  

A boa notícia é que algumas companhias têm investido em consultorias e palestras que abordam o tema numa tentativa de inibir o assédio moral.  

Mas precisamos de mais campanhas de conscientização por parte das empresas, dos médicos do trabalho e até do INSS. Não é interessante para o trabalhador se aposentar prematuramente por invalidez e sofrer um corte nos seus proventos. Nem é viável sobrecarregar o INSS com tais benefícios que podem ser prevenidos. E as empresas vão ter certamente algum tipo de prejuízo com o inevitável litígio.

Melhor (e mais barato) seria cortar logo o mal pela raiz: tolerância zero com o assédio moral! É melhor e não faz mal.