Nota: As pessoas descritas neste artigo são pacientes reais. Os nomes foram trocados para preservar a privacidade dos envolvidos.

Dona Júlia foi uma paciente nossa uns 20 anos atrás. Queixava-se de dores constantes e intensas na região toracolombar. Tudo começou uns dois anos antes durante uma viagem para a capital com seu sobrinho. Numa rodovia federal, o carro descia uma ladeira em alta velocidade. No final desta ladeira tinha uma ponte. No começo da ponte havia um quebra-molas. O sobrinho esqueceu-se da tal lombada e mal teve tempo de frear. O veículo meio que voou e, ao atingir o solo, provocou dores lancinantes na coluna de dona Júlia. Por algum motivo, resolveram continuar a viagem assim mesmo. Lá, foi tirada uma radiografia que nada acusou. E assim dona Júlia curtiu dores por dois anos.

No exame, constatamos que o local da dor estava bem acima da área retratada na radiografia inicial. Por isso, solicitamos outra mais abrangente. E nesta chapa ficou evidente que havia uma vértebra lombar superior achatada. Este é um exemplo de fratura compressiva do corpo vertebral (FCCV). O episódio do carro somado à osteoporose de dona Júlia (uma senhora de quase 70 anos) causou este tipo de lesão. Durante o tratamento, conseguimos minimizar as dores.

Estima-se que cerca de 25 milhões de pessoas sofram de osteoporose somente nos Estados Unidos. No Brasil, 15 milhões. Esta doença sistêmica de metabolismo ósseo gradualmente enfraquece os ossos, e torna-os suscetíveis a fraturas espontâneas e até triviais. Os corpos das vértebras da coluna são mais afetados por sustentarem até 75% da sua carga axial (de cima para baixo). Se a carga for maior do que a enfraquecida resistência óssea, o corpo vertebral se achatará. Esta resultante fratura compressiva provoca muita dor e causa cifose, afetando assim perpetuamente a biomecânica da coluna.

A osteoporose primária é responsável por 85% deste tipo de fratura — os 15% restantes são causadas pela osteoporose secundária e processos neoplásicos. São as chamadas fraturas patológicas. O número de casos chama a atenção e é endêmico: 700.000 nos EUA e perto de 500.000 no Brasil.

A maior parte das FCCV resolve-se com mais ou menos três meses. Porém, cerca de um terço delas tornam-se cronicamente dolorosas, como foi o caso de dona Júlia. Felizmente tais lesões são consideradas estáveis e raramente provocam lesão medular ou neural. Dores à parte, não apresentam perigo de vida. É claro que, ao diminuir a capacidade física e a função pulmonar devido à cifose, a qualidade de vida e a própria sobrevivência são comprometidas ao longo dos anos. Não deixa de ser um estorvo.

Passar em alta velocidade numa lombada pode tranquilamente causar uma fratura compressiva em quem já padece de algum enfraquecimento ósseo por osteopenia ou osteoporose. Mas um acidente de carro, dependendo do vetor de impacto, tem o potencial de achatar uma vértebra de até o mais saudável e bravio dos cristãos.

Tal qual dona Júlia, há mais ou menos três anos, seu Haroldo veio se consultar conosco com queixa de dores intensas na região toracolombar. Ele, um homem na casa dos cinquenta, sofreu um capotamento 20 dias antes. As dores apareceram imediatamente. Uma radiografia foi tirada no pronto-socorro e nada constatou. Mas as dores persistiam. Até respirar doía.

Um parêntese e uma dica: por causa do edema agudo, nem sempre a fratura compressiva pode ser visualizada inicialmente numa radiografia. É necessário esperar alguns dias para o inchaço diminuir e fazer outro exame de imagem.

Dito e certo, uma segunda radiografia constatou o achatamento de T12. Uma vez fechado o diagnóstico, ficou mais fácil instruir seu Haroldo como proceder nas próximas semanas. Foi-lhe recomendado o uso (temporário, diga-se) de uma cinta lombar. Havendo tolerância, uma massagem discreta e até um ajustamento light e suave podem ajudar um pouco. Acupuntura também — bem como gelo e calor. Mas é mesmo o tempo que vai ser o grande determinante na melhora deste caso. Seu Haroldo, ciente do processo, seguiu em frente e acabou melhorando.

A depender da área da coluna, a qualidade duvidosa de um exame de imagem pode esconder uma fratura compressiva.

No começo deste ano, seu Eustáquio, um paciente antigo de uns 40 anos, apareceu com queixas de fortes dores na região torácica superior. Amante de trilhas, ele estava a explorar as belezas do nosso lindo litoral. Acelerando em direção ao mar, não percebeu o barranco de quase dois metros que separava a restinga da praia. A moto estatelou-se de bico na areia dura e seu condutor foi arremessado de cabeça (felizmente usava um capacete). Tal qual dona Júlia e seu Haroldo, o impacto causou dores lancinantes em seu Eustáquio, que prontamente tirou o capacete e começou a se alongar (!) numa tentativa vã de aliviar as dores — tudo devidamente registrado em vídeo pela câmara da moto e dos colegas. A cena tinha até um certo ar de comicidade, se não fosse uma situação potencialmente perigosa. Teria sido um bom material para o youtube, TikTok ou pegadinhas do Faustão.

Outro parêntese e outra dica: se acaso o dileto leitor tiver a infelicidade de cair de cabeça e sentir dores intensas, pelamordedeus, NÃO SE MEXA! Espere o SAMU! Os paramédicos saberão estabilizá-lo apropriadamente até os exames de imagem descartarem qualquer envolvimento medular que possa causar paraplegia ou até tetraplegia! Lembre-se de Marcelo Rubens Paiva em Feliz Ano Velho.

Tal qual seu Haroldo, nosso incauto herói apareceu na clínica com uma radiografia tirada no pronto-socorro no mesmo dia do acidente. A qualidade, porém, era muito ruim. Parecia haver algo em T3. Uma ressonância foi solicitada, e nela constatou-se a fratura compressiva — felizmente sem nenhum envolvimento medular. E tal qual seu Haroldo, seu Eustáquio recebeu as devidas instruções. Ciente do processo, seguiu em frente e melhorou, eventualmente.

Fraturas compressivas, apesar de relativamente inofensivas na sua maioria, vão invariavelmente afetar a biomecânica de seu dono. Haverá, inevitavelmente, pelo menos algum tipo de desconforto por um tempo considerável, senão indeterminado.

Entra em cena dona Amélia (na época com 58 primaveras) que adora passar o inverno na Flórida, como é de costume todo ano. Vai visitar sua filha e rever seus netinhos. Ao fazer um passeio numa das praias de lá, e pular singelamente de uma pedra para outra, ela escorregou e se lançou bruscamente para trás. Não chegou a cair, mas também (como dona Júlia, seu Haroldo e seu Eustáquio) sentiu dores lancinantes na região torácica. Levada para um hospital local, os médicos constataram rapidamente a fratura compressiva em T6.

Diferentemente dos três primeiros pacientes, os cirurgiões de Miami realizaram um então inovador procedimento que, segundo as próprias palavras de dona Amélia, “tirou a dor com a mão”. Basicamente, lhe foi injetado um cimento medicinal acrílico (polimetimetacrilato) no interior do corpo vertebral para estabilizar a vértebra fraturada, aliviar as dores, e reduzir a deformidade vertebral. Este procedimento se chama vertebroplastia percutânea e tem o potencial de ser minimamente invasivo e altamente eficaz.

Se antes da aplicação do cimento, injetarem e inflarem um balão para aumentar a altura do corpo vertebral, o procedimento é também conhecido como cifoplastia.

A taxa de sucesso tende a ser de 90% a 95% com melhora da dor e restauração da capacidade funcional. Não seria necessário se entupir de medicação ou correr riscos com cirurgia.

Tradicionalmente, o acesso cirúrgico à coluna vertebral, por sua localização central no tronco, tem que ser grande — e representa um grande desafio para o sucesso terapêutico. Já tratamento com manipulação vertebral (que seria feito somente, no mínimo, seis semanas após o trauma) não iria talvez conseguir um resultado definitivo devido à mudança morfológica na biomecânica.

A vertebroplastia resolveria estes dois dilemas. Praticamente não ofereceria riscos cirúrgicos e restauraria, ainda que em parte, a altura dos corpos vertebrais. Com melhor biomecânica, a coluna tenderia a responder melhor ao tratamento com Quiropraxia — como de fato aconteceu com dona Amélia.

A técnica começou a ser usada na França em 1984 para estabilizar as vértebras acometidas por neoplasias como hemangiomas. Logo perceberam o potencial para tratar fraturas compressivas. A vertebroplastia foi introduzida nos Estados Unidos em 1994 e reconhecida pela FDA (a ANVISA deles) em 2000. Foi novidade para nós na época de dona Amélia, uns doze anos atrás. Hoje é relativamente bem conhecido no Brasil.

Podem haver duas complicações com a vertebroplastia: a primeira é o cimento “vazar”, atingir áreas adjacentes ao corpo vertebral (como o disco, raízes nervosas e a medula) e causar complicações neurológicas; a segunda complicação é a rigidez do cimento, que, numa coluna com osteoporose, pode acabar causando fraturas compressivas por estresse nos corpos vertebrais dos segmentos acima e abaixo do previamente lesionado.

Incidentalmente, tanto dona Amélia, como dona Julia, seu Haroldo e seu Eustáquio tiveram recuperação semelhante a longo prazo. Todos eventualmente ficaram com relativa assintomatologia.

Moral da história é que nem tudo que reluz é ouro. E que o tempo, sábio, cura tudo — é só ter paciência e persistência.