“Observe bem a coluna na busca da causa da doença”, costumava dizer o grande Hipócrates (460 a.C – 370 a.C.). Mas considerando o componente muscular e seus efeitos na coluna, a frase do Pai da Medicina bem que poderia ter sido “observe bem a musculatura na busca da causa de problemas de coluna”. Sim, a musculatura tem grande influência na coluna vertebral. Não é à toa que é miopatologia é um dos cinco componentes do complexo de subluxação. Os primeiros Quiropraxistas tiveram essa sacada ainda nos primórdios da profissão. Ainda assim, houve um período em que os efeitos da musculatura sobre a coluna não foram dados a devida importância. A teoria do começo do século XX de que a musculatura tem muito a ver com dores de coluna voltou com força total. O consenso de hoje é na verdade uma volta às origens.

Nós passamos muito tempo sentados trabalhando ou até assistindo televisão hoje em dia. Sedentarismo causa disfunção postural. Este progresso, iniciado após a Revolução Industrial (vide Artigo 19), cobrou seu preço. E a nossa coluna está pagando a fatura.

Considere um caixa bancário que senta por 08 horas estressado e numa postura incorreta. De um lado, o gerente cobrando resultados, sistematicamente delegando e o acumulando de funções. De outro lado, os clientes irritados com longas filas, metas para cumprir, o eterno medo das demissões em massa. A mistura de estresse com má postura é juntar a proverbial fome com a vontade de comer. A questão não é SE, mas QUANDO irão ocorrer as dores de coluna.

Esta combinação enrijece a musculatura e provoca contração dos pequenos vasos sanguíneos contidos nas fibras musculares. A circulação é afetada, e o suprimento de oxigênio é diminuído — causando uma espécie de isquemia. Os resíduos do trabalho muscular, normalmente eliminados pela corrente sanguínea (ácido lático, prostaglandinas E, histamina, polipeptídeos, potássio, etc.), se acumulam na musculatura e provocam sensação de cansaço, peso e até dor. Estes resíduos, lançados na corrente sanguínea após um ajustamento de Quiropraxia, podem, às vezes, causar uma leve e momentânea dor de cabeça. Algumas horas após uma sessão de massoterapia, o paciente pode expelir uma urina carregada e com cheiro forte por causa da eliminação destes “lixos metabólicos”.

Esta isquemia adquire contornos mais sérios quando o soro do sangue fica contido na musculatura após ser “expulso” pela compressão das artérias e capilares. Juntos com os sais minerais, os glóbulos brancos, ou leucócitos, também ficam contidos, e provocam uma reação local — uma espécie de inflamação. Este aumento de líquido chama-se edema.

Com o tempo, algumas fibras musculares “morrem” e são reconhecidos pelos leucócitos como corpos estranhos. Isto resulta numa reação fibrosa — uma espécie de cicatrização causada pelo processo inflamatório complexo. A conseqüência disto é encurtamento muscular, perda da eficiência do músculo, limitação da função do tendão, e restrição dos movimentos da articulação. Esta inflamação é chamada de miosite.

A coluna é composta de 06 camadas musculares (veja mais no Artigo 114). Um músculo tenso em contato com a fascia de outro músculo tenso forma uma fibrosite e ajuda no surgimento de nódulos — os trigger points. O músculo perde parte de sua capacidade funcional. Seus movimentos ficam limitados e isto compromete a sustentação da coluna, o que acaba por aumentar as dores nesta.

Voltando ao nosso caixa bancário, é fácil constatar que a posição estática (especialmente com má postura), adicionada ao estresse, mais cedo ou mais tarde vai afetar sua musculatura e provocar dores de coluna. Estabelece-se então um ciclo vicioso. A dor de coluna vai causar mais tensão muscular, que gerará mais processo inflamatório, que provocará mais reação fibrosa, e produzirá mais dores. Este processo, ao tornar-se crônico, pode provocar uma diminuição no limiar de dor da pessoa, fazendo-o mais suscetível à ela. Pode até modificar a “memória”das fibras nervosas (neurônios), que passam a transmitir sensações de dor mesmo sem ter dor. Aí, um problema de postura vira um processo de dores miofasciais ou de até fibromialgia.

Melhor seria prevenir este processo todo antes de acontecer. Mudanças ergonômicas no trabalho (ver Artigos 1, 2, 3, 170, e 198), maior consciência postural e exercícios físicos para extravasar o estresse ajudam, e muito, para minimizar o problema.

E concluímos aqui com outra sensacional frase de efeito do bom e velho Hipócrates: “A falta de atividade física destrói a boa condição de qualquer ser humano, enquanto o movimento e o exercício físico metódico o salva e o preserva”.

Aí o Pai da Medicina falou pouco e disse tudo.