De um ponto de vista ergonômico, a cadeira foi a pior invenção para a coluna do ser humano. Antes, nossos antepassados ficavam de cócoras em redor do fogo contando causos. Esta posição traciona a coluna lombar e alonga a musculatura paravertebral e da parte de trás da coxa — muito benéfica biomecanicamente, por sinal. Mas o hábito de acocorar-se acabou praticamente extinto. Algumas tribos indígenas ainda o fazem, bem como humildes lavradores do campo. Não por acaso, esses grupos sofrem proporcionalmente menos de dores de coluna do que nós.

O ato de sentar por si só impõe mais carga na região lombar. Sua musculatura e seus ligamentos têm que trabalhar mais para sustentá-la. O pescoço e os ombros sofrem com a tensão adquirida. Ao computarmos vibração nesta equação (quando dirigimos, por exemplo), os efeitos nocivos são potencializados.

Por isso, gerações depois de inventada a cadeira, o próximo passo agora seria criar a cadeira ergonomicamente ideal. Vários tentaram. Alguns falharam. Outros obtiveram relativo sucesso. O problema das cadeiras ergométricas é que elas são feitas em série. Nós não. Uma cadeira confortável para fulano pode não ser do agrado de sicrano (mais sobre ergonomia no Artigo 170).

Tendo esta perspectiva em vista, a fabricante de carros Audi resolveu investir pesado na busca pela cadeira perfeita. “Feita com o mesmo material ultraleve dos carros (de corrida) alemães (…), a R18 Ultra Chair foi projetada considerando o jeito como as pessoas sentam. Seus criadores levaram um protótipo da cadeira para a Feira Internacional de Móveis de Milão, em abril de 2012, na Itália, e convidaram cerca de 1.500 pessoas a sentar-se. Usando a mesma tecnologia que testa os carros de corrida, eles montaram um banco de dados de posturas”. E foi a partir dessas informações que os projetistas e designers chegaram a um outro protótipo, que foi apresentado em dezembro daquele ano no Design Miami.  “Pela primeira vez essa tecnologia foi usada para um item mobiliário e nos permitiu descrever as forças de brincar em uma cadeira”, explicou o designer Clemens Weisshaar na época.

O passar dos anos não foram muito felizes para este designer alemão. Não se sabe direito o que se passou na cabeça dele, mas em novembro de 2021, ele matou o filhinho de 3 anos, ateou fogo no carro e se matou logo em seguida. Trágico.

A grande sacada desta cadeira em particular, é que ela é “equipada com centenas de pequenos sensores que medem a pressão do corpo”. Os pontos de maior pressão são representados pelas cores vermelho e laranja. Os de menores pressões, verde e azul. Pressupõe-se que, quanto mais suaves os pontos de pressão, melhor para a coluna.

“A cadeira da Audi pesa 2 quilos e é feita com materiais do carro de corrida R18 TDI. O encosto veio da asa traseira do carro. O assento, da cabine do piloto. E os pés da cadeira são feitos do mesmo material da estrutura metálica ultraleve do modelo campeão”. O preço deste tesouro deve ser simplesmente proibitivo.

Mas como passamos, em média, 8,9 horas sentados por dia, o assunto exige reflexão.

Cadeiras ergométricas meio que viraram uma espécie de coadjuvante de luxo durante o processo do mensalão. Não fizeram tanto sucesso quanto o julgamento, mas estiveram no centro das atenções. Tudo isso por causa das dores de coluna do então Ministro Joaquim Barbosa. O relator da Ação Penal 470 instalou uma dessas cadeiras em pleno plenário. E ele ficava o tempo todo trocando de lugar. Ora atrás da cadeira tradicional, uma “poltrona amarela de espaldar alto, igual a de todos, secundada por um (pequeno degrau) de feltro que serve para apoiar os sapatos”; ora deitado sobre “uma cadeira ergométrica azul, de espaldar inclinado, sempre combinada com uma banqueta em que ele estira os pés”.

O incessante troca-troca “dos dois conjuntos (era) feita pelo capinha Fábio de Almeida” — uma espécie de ajudante cujas funções (incluiam) transmitir recados, levar papéis e puxar gentilmente as cadeiras. “Almeida (pegava) no pesado”. Após um discreto comando do ministro, “o capinha (vinha, levava) a cadeira para a parede (…), e o degrauzinho para baixo da bancada em que (ficavam) as pastas com os processos. E então (trazia) primeiro a banqueta, que (ia) para baixo da mesa, depois a cadeira ergométrica”. Tudo bem rápido. A ÉPOCA (13/08/2012) calculou que, “entre a segunda-feira e a quinta-feira, a média de troca de instalações e saídas e voltas do plenário atingiu 15 movimentos”.

Joaquim Barbosa foi considerado na época o ministro que ficava “mais tempo fora do plenário, assistindo à sessão pela TV em cadeiras mais confortáveis para a coluna, ou até fazendo fisioterapia”. Seu trabalho foi hercúleo, sua responsabilidade, enorme (e sua dor também). O final todos sabemos: Barbosa teve que se aposentar devido à sua coluna (ver Artigo 158) e o Mensalão acabou não dando lá em muita coisa no final das contas.

O Nubank, que havia adotado o home office como padrão durante a pandemia, resolveu enviar cadeiras ergonômicas aos seus funcionários “para garantir o conforto — e a produtividade (…). Já foram enviadas cerca de 500 unidades, e a expectativa é enviar mais mil nos próximos dias” (isso em abril de 2020).

Não de sabe se o banco ou o ex-Ministro do STF adotou os modelos R18 Ultra Chair da Audi — ou se as tais cadeiras sairam da fase “protótipo” e foram, de fato, produzidas em massa.