Até conseguir ser nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa teve que ralar muito. O mais velho de oito filhos, seu pai era pedreiro e sua mãe dona-de-casa. A família não tinha muita condição financeira. Barbosa foi então trabalhar em Brasília aos 16 anos. Estudou em escolas públicas à noite. Com muito sacrifício se formou — primeiro com bacharelato em Direito pela Universidade de Brasília, depois com mestrado e doutorado pela Universidade de Paris. As adversidades foram muitas, mas conquistadas uma a uma.
Prestou concurso público para procurador da República, e daí não parou mais. Galgou os cargos jurídicos até ser nomeado pelo Presidente Lula para o STF em 2003. Professor concursado da Universidade de Estado do Rio de Janeiro, lecionou também nos Estados Unidos. É fluente em francês, inglês e alemão.
Sua origem humilde lhe conferiu certa fama, consolidada pelo seu papel como relator da denúncia contra os acusados do mensalão. Chegaram até brevemente a cogitá-lo como possível candidato a presidência.
Ele chegou mais perto em 2018. Alcançou 10% das intenções de voto sem nunca ter anunciado a candidatura. Na verdade, “Barbosa sempre se esquivava de se colocar nessa posição. (…) ‘Seria uma aventura muito grande eu me lançar na política, pelo meu temperamento, pelo meu isolamento pessoal, pelo meu estilo de vida’”, chegou a dizer em uma entrevista.
Mas Joaquim Barbosa não chegou ao cargo jurídico mais alto do país à toa. O homem fala o que pensa e não tem papas na língua. Mais de uma vez confrontou publicamente seus colegas. Colecionou, assim, alguns desafetos ao longo do curso de seu mandato.
De todos os obstáculos que superou, justamente uma simples lombalgia crônica pôde ter sido o estopim da sua aposentadoria precoce em 2014. O ministro vinha tratando esta afecção há muito tempo. Tentou várias terapias e fez até Quiropraxia (desconhece-se até que ponto levou o tratamento à risca). Mas a dor insistia em voltar a ponto de obrigá-lo a ficar em pé a maior parte do tempo durante o período do julgamento do mensalão em 2007.
A lombalgia de Joaquim Barbosa impedia-o de ficar muito tempo em uma só posição. “Não consigo passar mais do que 20 minutos diretos sentado ou em pé”, afirmava. Inviabilizava-o de ficar longas horas despachando. E a gente via mesmo isso nas imagens do julgamento do mensalão.
“No início (de 2010), sob a justificativa de buscar um tratamento definitivo, Barbosa avisou que ficaria afastado do Supremo por cerca de dois meses, entre abril e junho” (ÉPOCA, 16/08/2010). Renovou então sua licença por mais dois meses. “Desde que suas dores pioraram, Joaquim tem alternado longos períodos de afastamento com breves participações no STF” (VEJA, 18/08/2010).
O problema é que o ministro foi visto na mesma época numa festa de aniversário e num bar de Brasília, flagradas pelo jornal O Estado de São Paulo. A repercussão foi imensa e deu motivo para seus detratores caírem de pau. A VEJA relata que um de seus colegas no STF saiu-se com o seguinte comentário: “comenta-se nos corredores do tribunal que ele é presença cativa em eventos sociais e até joga futebol nos fins de semana. Esta não é, de forma alguma, uma conduta adequada”.
Dizem inclusive que um dos fatores também determinantes para a sua saída do STF foi as ameaças, a exposição excessiva e as agressões na internet (e até em lugares públicos). Como gato escaldado tem medo de água fria, isso deve ter pesado na sua decisão de não se candidatar a presidência em 2018. Isso e a coluna, talvez?
Voltando ao disse-me-disse da época dos afastamentos, venhamos e convenhamos: jogar futebol com uma lombalgia deste quilate? Muito improvável.
O que não faz nenhum sentido é um homem que trabalhou tanto para chegar neste estágio de sua vida resolver fazer corpo mole por causa de sua coluna. Se ele se afastava do trabalho é porque devia estar realmente incomodado. Custou caro ter desafetos no STF.
Este tipo de comentário poderia ter sido mencionado em qualquer local de trabalho do país. As pessoas com problemas de coluna são alvos fáceis. Dor é uma coisa subjetiva. Mas só quem tem este tipo de afecção sabe quão limitante ele pode ser. Difícil é a dor ser quantificada. Surpreende o círculo de fofocas partir de uma instância tão alta e respeitada do país. Lazer é, sim, recomendado para amainar as dores.
O problema é que o ministro provavelmente perseguia o “Santo Graal” da coluna: uma cura definitiva. “Volto quando estiver 100% curado”, chegou a dizer (não sem uma certa inocência). E é aí onde mora o perigo. Em toda probabilidade, ele só iria conseguir controlar o problema — e não curá-lo de fato.
Os comentários, ainda que perniciosos, refletiam um problema maior: a questão institucional. A liturgia do cargo poderia levar Joaquim Barbosa a se afastar definitivamente. E acabou o afastando, aos 59 anos de idade. Um melancólico desfecho para uma vida de lutas. Um anticlímax. Um grande jurista o Brasil deixou de ter.
Talvez a nossa história subsequente a 2014 tivesse tomado outro rumo se Joaquim Barbosa tivesse saído por aposentadoria compulsória (aos 70 ou 75 anos, em 2024 ou 2029 — dependendo da lei em voga). Ou não. Será que sem as dores lombares tivesse isso tudo tido um desfecho diferente?