Terça-feira, 10 de junho de 2025.

Foi uma semana pesada para mim. Neste dia estava atendendo em outra cidade — geralmente a cada 15 dias, mas este mês só seria 1 vez. A agenda estava lotada. Olhando rapidamente no whatsapp, percebi uma movimentação elevada no grupo Quiropraxia Brasil. Não tive tempo de ler.

Estava também em véspera de viagem, prestes a servir como tradutor em mais um evento do IDQUIRO em São Paulo. Houve um problema com o computador da palestrante e ela só pôde me entregar a apresentação do PowerPoint com quase 300 slides 3 dias antes da partida. Ainda por cima, iria emendar logo em seguida com uma palestra e um curso no Congreso Latinoamérica 2025 da Universidad Estatal del Valle de Toluca (UNEVT), no México. A clínica estava bombando — em pleno alvoroço pré-viagem. Meu dia começava às 4:00 da manhã e terminava às 22:00, entre atendimentos, preparações, e traduções. Resolvi que ia ver que bafafá foi aquele no grupo quando estivesse no avião.

Entretanto, uns dois dias depois, lá para quinta-feira, a pessoa que cuida do Instagram do IDQUIRO me mandou uma mensagem que uma postagem feita em julho de 2024 havia repentinamente apresentado uma subida exponencial de likes — um aumento de mais de 2.000%. Achei estranho e resolvi investigar. Tratava-se de um gráfico que eu “surrupiei” do site do Palmer College of Chiropractic, minha alma máter. Este gráfico compara estatisticamente os “riscos” de um ajustamento com cirurgia de coluna e prescrição de medicamentos — sobretudo analgésicos e anti-inflamatórios (ver mais sobre este assunto nos artigos 63103161211249256260 e 267).

Vejam abaixo:

Presumi então que este engajamento todo teve algo a ver com o movimento do grupo de Quiropraxia do whatsapp. Estava correto. Nossos colegas estavam indignados com uma matéria publicada na revista americana People com o singelo título: “Quiropraxista rompe artéria de mulher ao estalar o pescoço dela“. Lindo, não?

Só perde para outra pérola do “sensacionalismo verdade” (que é um oxímoro, ressalte-se), uma “reportagem” com outro singelo título: “Homem fica cego e quase morre ao tentar fazer Quiropraxia em si mesmo“ (ver artigo 152).

Este artigo da People foi postado numa famosa página do Instagram relacionada à nossa profissão. A indignação dos colegas foi também pela proverbial lenha que os responsáveis pela tal postagem inadvertidamente jogaram na fogueira — provavelmente alimentando ainda mais o engajamento.

Mas agora que a poeira abaixou, olhemos com calma na tal reportagem. A revista People (People Magazine em inglês) é uma publicação semanal de entretenimento. Costuma trazer matérias relacionadas a celebridades, ou de interesse humano. Mas ultimamente tem publicado alguns absurdos que viram coqueluches nos clicks da vida. E que viralizam na internet — nem que seja por 15 minutos, como bem dizia o saudoso Andy Warhol.

Foi o seguinte: uma paciente de 41 anos começou a fazer sessões de Quiropraxia por dores nas costas após sofrer cirurgia para remoção de implantes mamários. “Meus músculos ficaram muito tensos. Foi uma cirurgia enorme, os músculos ficaram tensos, foi muito doloroso”, relatou ao jornal The Daily Mail — este, sim, de conteúdo primariamente sensacionalista. De acordo com esta publicação, ela foi ajustada 3 vezes sem nenhum problema. E estava sentindo alívio. Mas na 4ª sessão, um outro Quiropraxista a ajustou. “Assim que aconteceu, eu senti que algo estava errado. Você ouve um estalo de qualquer maneira quando faz um ajuste, mas eu sabia que algo tinha dado errado”, explicou a paciente. “Senti uma dor no pescoço. Cheguei em casa e senti que ia vomitar.”

A dor persistiu por alguns dias. Algumas semanas após a consulta, relatou que “estava vendo coisas e escurecendo a visão”. (…) O marido insistiu que ela fosse ao pronto-socorro, onde uma tomografia computadorizada diagnosticou-a com dissecção da artéria vertebral. É uma ruptura na artéria que percorre a coluna e, como explica a Cleveland Clinic, ‘pode ​​afetar o fluxo sanguíneo, colocando você em risco de complicações fatais'”.

“Eu soube imediatamente que era do Quiropraxista”, diz ela. “Foi daí que toda a dor começou.” Pronto. O palco estava armado.

Este artigo da ChiroFutures (uma companhia de Seguros) meio que refuta essa afirmação: “se ela realmente tivesse sofrido uma dissecção arterial traumática no momento do ajuste, provavelmente teria apresentado sinais neurológicos claros — dor de cabeça, náusea, diplopia, instabilidade da marcha — imediatamente, e não semanas depois. O início tardio dos sintomas, por si só, já coloca em questão a causalidade”. E “correlação não é sinônimo de causalidade, principalmente quando os sintomas aparecem uma semana depois.”


Mas chances há. Nas palavras do nosso Fernando Pompermayer, co-fundador do Instituto de Neurociência Aplicada à Clínica (INAC), “eu (…) costumo citar um artigo com mais de 20 anos, do Haldeman, que mostra uma possibilidade remota desses eventos adversos, mas não diz que eles são impossíveis. Segundo esse artigo (realizado no Canadá — portanto avaliando os dados e os Quiros de lá), a chance de um Quiropraxista graduado causar uma dissecção arterial é de aproximadamente 1 para cada 8.06 milhões de consultas, ou 1 para cada 5.8 milhões de ajustes cervicais. (…) Um estudo de caso com revisão da literatura (que inclusive cita esse estudo do Haldeman) mostra nosso pesadelo. Uma paciente que faleceu, supostamente, após uma dissecção, ‘causada’ por um ajuste cervical.”

“Sou frequentemente criticado por Quiropraxistas por defender que o risco existe. É baixo, verdade, mas existe. As isquemias nem sempre são por dissecção da artéria, é importante lembrar. Se defendemos que o ajuste causa estímulos no SNC e usamos a literatura, como exemplo as pesquisas da Havick (Heidi Haavik) para afirmar isso, acho ingênuo imaginar que os efeitos são sempre positivos. Se houver predisposição genética ou ambiental, má formações, fatores de risco como comorbidades e hábitos inadequados, além de assimetria/alterações de função em áreas específicas, como alguns núcleos no tronco cerebral, talvez, por uma resposta simpática exagerada possa ocorrer alguma alteração significativa no comportamento dos vasos sanguíneos, levando a algum dano. Algum possível mecanismo ainda não foi descrito, portanto, “causa e efeito” não pode ser imputada.”

“Fato é que existe uma associação temporal muito forte na literatura. Inúmeros estudos de caso publicados, com as mais diversas técnicas utilizadas por quiropraxistas (não apenas as “manipulações” ou “ajustes” que soam aquele estalinho). Embora associação temporal não implique causalidade, quando envolve sequelas graves, ou ainda morte, tem que no mínimo ser levada em consideração. Isso sem falar nos casos que não são publicados, ou não vem à tona, mas como mencionei juntamente com o Rael (Rosa) em uma aula recente sobre a segurança do ajuste, esses relatos (de Quiropraxistas graduados) chegam até nós, por lecionarmos o tema, com frequência, por todo país.”

“Acho que saber avaliar é o que nos difere como profissão. Se na faculdade não aprendemos suficiente, precisamos aprender posteriormente e rever o currículo para incluir disciplinas que possam abordar o tema. (…) A meu ver, o fato de poder acontecer lavando o cabelo, espirrando ou girando para estacionar o carro, não impossibilita que o ajuste possa estar envolvido, embora, seja difícil atribuir a ‘culpa’ ao ajuste. (…) Poderíamos divagar sobre várias hipóteses, incluindo um acidente já em curso em um paciente com cefaleia aguda, PA elevadíssima que não foi verificada, fumante, obeso, múltiplos antecedentes vasculares e por aí vai.”

Por outro lado, há também barreiras anatômicas à dissecção. De acordo com um famoso estudo de Herzog et. al. — apresentado pelo próprio no VI Congresso da ABQ de Florianópolis — as artérias vertebrais teriam que atingir 39% de deformação para que então ocorrer algum tipo de falha mecânica, ruptura ou dissecção. E que um ajuste de Quiropraxia não chega nem remotamente perto de atingir isso. Neste outro estudo, a maior deformação medida “nos valores mais extremos mensurados em todos os tipos de thrusts em todos os níveis da coluna cervical” foi de 14,6% — nem metade do que seria necessário para ruptura. Herzog também foi o co-autor deste estudo que compara efeitos de movimento passivo cervical e ajustamentos na artéria vertebral:

“No teste de amplitude de movimento, as maiores tensões médias da artéria vertebral no nível C0-C1 foram de 6,9% para flexão-rotação ipsilateral, no nível C1-C2, de 4,3% para rotação contralateral, e no nível C2-C3, de 3,7% para flexão-rotação contralateral.”

“Para a manipulação vertebral de Quiropraxia, as tensões máximas médias nos níveis C0-C1, C1-C2 e C2-C3 foram de 1,3%, 0,1% e 1,0%, respectivamente. As tensões médias máximas da artéria vertebral na fase pré-manipulativa foram de 0,5%, e as tensões máximas correspondentes da artéria vertebral durante o impulso manipulativo foram de 1,1%.”

É ou não é uma improbabilidade estatística?

Mas prevenir é sempre melhor que remediar. O artigo da ChiroFutures começa dizendo “mais um dia, mais uma notícia de grande impacto na mídia que sensacionaliza um evento complexo de saúde, ignorando fatos, cronogramas e nuances clínicas. Mas, em vez de simplesmente revirar os olhos diante da mais recente tentativa de transformar a Quiropraxia em bode expiatório, este caso deveria servir de alerta: é hora de aprimorar seus protocolos de triagem, reforçar sua documentação e proteger suas bases de responsabilidade profissional — porque a narrativa jamais o favorecerá”.

Soa familiar? Não com as mesmas palavras, mas Pompermayer alertou exatamente sobre isso (em negrito) alguns parágrafos acima…

O artigo prossegue com dicas de como se proteger, com o acrônimo CYA (Cover Your Assessment) — Cubra Sua Avaliação. Por meio de Triagem, Documentação e Encaminhamento em caso de dúvida. “Para (assim) evitar virar a próxima manchete”:

  • “Trate cada primeiro ajuste com um olhar renovado, mesmo que o paciente já tenha sido atendido antes.”

  • “Não pegue atalhos na consulta. Pergunte sobre cirurgias, medicamentos, estado hormonal, histórico de COVID e sintomas incomuns.”

  • Triagem: Pressão arterial, sopros, nervos cranianos, teste de Romberg, padrões de marcha e cefaleia.”

  • Documente todos os achados, mesmo os ‘normais'”.

  • Encaminhe imediatamente se houver qualquer sugestão de risco de dissecção.”

O artigo conclui com a frase “se a sua documentação não mostrar que você pensou em dissecção, é melhor ignorá-la.”

Voltando ao gráfico acima do Palmer College que postei no Instagram, eu havia escrito que as possibilidades abaixo seriam, por mais improváveis que sejam, mais prováveis de ocorrer do que um ajuste de Quiropraxia dar errado:

  • Ser atingido por um raio (1 em 136.011);

  • Sofrer acidente aéreo (1 em 1,2 milhões);

  • Ganhar na Lotofácil (1 em 3.268 milhões);

  • Ficar cego após cirurgia a laser (1 em 5 milhões);

  • Sofrer ataque de tubarão (1 em 3.748 milhões);

  • Ganhar um Oscar™ (1 em 11.500).

Como na postagem do Insta, todos estes acontecimentos volta e meia aparecem no noticiário. Mas a verdade é que são uma improbabilidade estatística muito grande. É quase impossível acontecer. Nem por isso as pessoas ficam em casa na chuva, deixam de voar ou evitam a praia.

É só ver o estudos: os números não mentem. Quiropraxia é segura, sempre foi. Basta olhar as estatísticas.

E quanto às notícias que volta e meia pipocam por aí? Ora, o que faz estardalhaço hoje, é facilmente esquecido amanhã. Melhor ignorar (mas estar preparado para contra-argumentar se necessário).

Todos esses que aí estão
Atravancando meu caminho,
Eles passarão…
Eu passarinho!

          Mario Quintana