No que diz respeito as dores de origem neuromusculoesquelética, medicação tem sua hora e o seu lugar — se o indivíduo conseguir algum tipo de alívio durante uma crise aguda, por exemplo. Analgésicos e antiinflamatórios, em casos específicos, podem ser cruciais para camuflar a dor até que o corpo esteja pronto para debelar a crise.

O que não pode é usar medicação como muleta. Se o corpo simplesmente não responder ao medicamento, seu uso durante uma crise será em vão. Neste caso, o gelo poderia ser mais indicado. Isso sem falar no uso crônico e indiscriminado dos antiinflamatórios e analgésicos. O hábito faz o monge e esse tipo de hábito é bem mais comum do que se pensa, caros leitores. E nem chegamos ainda a falar do infeliz e arraigado costume brasileiro de automedicar-se.

Porque dor, por incrível que pareça, obedece a certos parâmetros. Nosso corpo possui as ferramentas para debelá-la. Mas, para que o corpo consiga inibir a dor, é preciso primeiro senti-la. Usar medicação crônica e indiscriminadamente atrapalha o processo.

Então, em 1965, um neurocientista britânico e um psicólogo canadense uniram suas forças e publicaram um trabalho intitulado Teoria do Portão (ou de Controle) da Dor. Trata-se de mais ou menos o seguinte: dor aguda é transmitida por fibras finas dos neurônios de um dado lugar do corpo. Tais fibras penetram nos cornos posteriores da medula espinhal, ativam as células de transmissão que, por sua vez, enviam sinais para o cérebro. Esta atividade pode ser inibida pelas fibras grossas. Basicamente, o corpo cria possibilidades de modular, regular e inibir a dor antes mesmo de ser percebida.

Num dos episódios do seriado House, o protagonista homônimo é um gênio da medicina viciado em analgésicos. Seu melhor amigo o desafia ficar uma semana sem tomar medicamento. Teimoso, o doutor topa. E sofre os diabos com uma severa crise de abstinência. Para obter alívio sem perder a aposta, ele dá uma martelada no seu próprio dedo, fraturando-o. É uma perversa (e correta) interpretação da Teoria do Portão da Dor.

Mas existem outras maneiras bem menos radicais de procurar alívio. Manipulação vertebral é uma delas. Um bom programa de exercícios é outra. Um interessante estudo publicado em 2012 analisou qualitativamente os efeitos dos dois e comparou-os ao uso de medicação. Participantes foram divididos em três grupos e preencheram um formulário relativo à dor.  Eis algumas das suas conclusões:

  • Depois de reavaliações com 12, 26 e 52 semanas, o grupo que se submeteu a manipulação vertebral e o grupo que foi instruído a realizar exercícios em casa obtiveram alívio na proporção de 50% e 75%, respectivamente, quando comparados ao grupo de medicação;

  • Foram medidos movimentos cervicais depois de 4 e 12 semanas e o grupo do exercício obteve maior amplitude;

  • 40% do grupo da manipulação e 46% do grupo do exercício relataram efeitos colaterais neuromusculoesqueléticos. Do grupo da medicação, 60%;

  • O grupo da manipulação pontuou mais do que o grupo da medicação em termos de melhora geral, satisfação do participante e funções físicas;

  • O mesmo também pontuou mais do que o grupo do exercício em termos de “satisfação a curto e longo prazo”.

É bom ressaltar que o grupo da medicação, mesmo com resultados menos drásticos, também obteve melhora. E que o grupo da manipulação não foi exclusivo da Quiropraxia. Estes foram tratados também por osteopatas e (com menos especificidade) por fisioterapeutas.

Preocupante mesmo é o grupo da medicação ter relatado ingerir doses mais altas de analgésicos e antiinflamatórios depois do estudo. Ou seja, perpetua-se o ciclo vicioso.

Manipulação responsável e exercícios dirigidos ajudam o corpo a secretar endorfinas e encefalina (os chamados neurotransmissores narcóticos) que irão inibir as dores — sem sobrecarregar o estômago, os rins e o fígado pelo uso corriqueiro de medicações. Isso, sim, é viver a vida de maneira mais natural sem precisar dessas tais muletas.