NOTA: Este artigo foi escrito originalmente em 2013. Infelizmente o assunto ainda se mantém atual. A diferença é que os números devem indubitavelmente ter piorado sensivelmente desde então…

No comecinho de julho de 2013, enquanto o Brasil ainda amargava a ressaca das revoltas do Movimento Passe Livre e saboreava o então gostinho da vitória na Copa das Confederações (antes de tomar 7×1 na Copa do Mundo do ano seguinte), uma notícia espalhava-se como fogo de palha nos Estados Unidos: o aumento absurdo de mortes por consumo exagerado de analgésicos.

O Centro de Controle de Doenças americano (CDC) veio a público declarar que “em 2010, mais de 6.600 mulheres morreram de overdose de analgésicos (…)”. Esta quantidade de mortes (48.000 entre 1999 e 2010, de acordo com o Vital Sign) é “quatro vezes mais alta do que (as) que morreram de overdose de cocaína e heroína” no mesmo período. Mesmo sendo a maior parte das mortes acidental, a faixa etária mais afetada eram mulheres entre 45 e 54 anos de idade. A pior parte: eram medicações prescritas por médicos. “Mães, esposas, irmãs e filhas estão morrendo de overdose numa quantidade que nunca vimos antes”, disse o Dr. Tom Frieden, diretor do CDC.

O alto percentual chamou a atenção da instituição. “Entre 1999 e 2010, a proporção de mortes por overdose de analgésicos cresceu 400 % entre as mulheres.” Os homens também foram afetados, numa proporção também assustadora (mas um pouco menos dramática) de 265%. (Fonte: Yahoo News, 02/07/2013)

Se a gente for considerar a estatística de quem sobreviveu, os números são bem maiores: 200.000 mulheres baixaram no pronto-socorro somente em 2010 por abuso de analgésicos.

Dados mais atuais do CDC mostram que “o número de overdose por medicamentos aumentou quase 5% de 2018 para 2019 e quadruplicou desde 1999. (…) De 1999–2019, quase 500.000 pessoas morreram de uma overdose envolvendo qualquer tipo de opioide, incluindo opioides receitados e ilícitos”. Pensem aí por alguns segundos: esses dados são de nada menos que uma agência governamental americana!

A faixa etária mais comum entre as mulheres (45 a 54 anos de idade) coincide, mais ou menos, com a da fibromialgia (35 a 50). É neste período de vida que as dores se instalam e se tornam crônicas. Preocupações com a casa, a família, a criação dos filhos e com o trabalho; o advento da menopausa; tudo isso tem sua parcela de culpa.

O CDC avisa que as mulheres são mais afetadas pelos analgésicos pelo fato das pesquisas (não diz quais) apontarem que o sexo feminino como mais suscetível a sentir dores crônicas e enxaquecas. As mulheres também tendem a se cuidar mais. Visitam os médicos com mais frequência. Por isso acabam tomando mais medicações por receita. E por irem mais ao médicos, aparecem mais nas estatísticas, vale ressaltar.

Outro fator que prejudica a mulherada é que elas tipicamente pesam menos do que os homens. A mesma dose do analgésico no homem faz mais efeito na mulher. O efeito da medicação é potencializado. E pode causar dependência bem mais rapidamente do que no sexo masculino.

O problema é justamente esta determinada classe de analgésicos: os opioides. De acordo com Beth Darnall, PhD, professora na Divisão de Medicação de Dor da Universidade Stanford, a prática de receitá-los virou moda. “O aumento de mortes não-intencionais por opioides relacionadas à metadona (…), bem como perigosas misturas de opioides e  benzodiazepinas (remédios para dormir ou contra ansiedade) sugerem uma necessidade de maior conscientização dos profissionais que as prescrevem”.

O CDC quer mais. Pretende pressionar a Agência de Drogas e Alimentos do governo dos Estados Unidos (FDA) para restringir o uso dos opioides somente para casos de “dor severa” (até onde sabemos não conseguiram ainda). Este imbróglio é palco de um debate que já vem acontecendo há algum tempo nas terras do Tio Sam.

“(Opioides) são medicações perigosas. Deveriam ser reservadas para situações como dor causada por câncer”, opina Dr. Frieden. “Em outras situações, o risco passa por cima dos benefícios”. Para o diretor do CDC, este tipo de medicação é receitado mais do que deveria. (Fonte: American News Report, 02/07/2013)

Medicação para dor, caros leitores, deveria ser tomada ocasionalmente e sob prescrição médica. Não se pode tomar medicação a rodo, como se fosse água, achando a coisa mais natural do mundo. Porque não é.

Será que tudo isso é um reflexo da vida que vivemos? O jornal The New York Times fez naquele período uma reportagem sobre o aumento de responsabilidades vivido pela mulher americana. Que se entupir de analgésicos causa uma “sensação de dormência em suas vidas”. Que as fazem sentir “fortes, produtivas e bonitas”. Será que isso seria o reflexo de um problema social mais sério e profundo nos Estados Unidos? E aqui no Brasil, com o indelével hábito da população de automedicar-se, estaríamos afundando na mesma barca?

Um parêntese: pode-se imaginar como o problema deve ter assumido uma proporção ainda mais gigantesca durante a pandemia…

De todo o jeito, naquela semana de 2013, todos os canais de TV dos Estados Unidos noticiaram ad nauseam (alarmismo atrai telespectador e dá ibope). A indignação era geral. O país ficou em polvorosa. Depois, como de costume nesses tempos que vivemos, o assunto morreu na praia depois de uns dois ou três dias. Passou seus 15 minutos de fama, como dizia Andy Warhol.

Mas seria melhor mesmo simplesmente ignorar e esquecer? O assunto pede reflexão… E como pede!