A mí me encantan las películas mexicanas. Acho que comigo começou lá pela virada do milênio, quando ouvi falar de dois filmes que fizeram um rebuliço danado no circuito alternativo: Amores Perros (2000) e Y Tu Mamá También (2001) dos hoje em dia altamente oscarizados Alejandro Iñárritu e Alfonso Cuarón, respectivamente.
Juntamente com Guillermo del Toro, arremataram boa parte dos Oscars™ de Melhor Filme, Diretor, Roteiro Original e Edição nos últimos 10 anos.
Me apaixonei imediatamente. E não parei de assistir e de apreciar a 7ª arte mexicana desde então. São filmes inventivos e originais como:
Acharam a premissa deste último filme bizarra demais? Bem, neste caso, a vida pode até não imitar a arte (apesar de já ter meio que imitado), mas volta e meia têm pipocado certas “notícias” na internet que, mesmo absurdas, acabam causando um rebuliço danado na nossa pequena comunidade de Quiropraxistas sérios e formados.
E é por isso que a introdução deste artigo foi longa desta maneira: é melhor apreciar filmes de um país que sabe fazê-los do que acompanhar o festival de bobagens que são manchete hoje em dia.
Como, por exemplo, do australiano que “quase morreu e ficou cego após estalar o pescoço realizando uma sessão de quiropraxia (!) em si mesmo, dentro de casa (…)”.
Mantenham em mente que esta notícia foi publicada pelo tabloide americano New York Post. Andy Wilson, 53, conheceu “diferentes Quiropraxistas ao longo dos anos”. E, num determinado momento de sua vida, decidiu “economizar o dinheiro das sessões” e se automanipular. “Eu relaxava meus músculos e torcia a cabeça de um lado para o outro. Era um hábito inconsciente como estalar os dedos, fazia isso pelo menos uma ou duas vezes por dia”, relata. Por 31 anos. Multiplique 2x ao dia por 365 dias durante 31 anos e chegaremos a estarrecedora quantia de 22.630 automanipulações.
Lembrando que o New York Post é de cunho sensacionalista e que seu presidente, Rupert Murdoch, não goza da mais ilibada reputação.
Pois é. A “reportagem” não afirma se os sintomas começaram depois de um desses autoestalos, mas vamos presumir que sim. Wilson sentiu-se “extremamente desorientado e enjoado”, vomitou muito, perdeu a coordenação, sentiu uma “pressão na cabeça” e, “na metade dos dois olhos” ficou temporariamente sem visão. “Na verdade, eu estava tendo um derrame. A combinação dos estalos no pescoço e minha lesão nas costas causou um acúmulo de cálcio na coluna. Isso fez com que minha artéria direita se rompesse, resultando em três coágulos cerebrais e um derrame na região occipital do meu cérebro”, teoriza o australiano. A tal artéria que se rompeu foi a carótida direita.
Esta matéria é absurda em tantos níveis que só vale a pena mencionar alguns:
Dito isso, é até compreensível a notícia ter sido publicada por um tabloide sensacionalista sem tanto compromisso com a verdade. Mas o que surpreende é uma revista séria como IstoéDinheiro republicar uma baboseira dessas.
Alguns anos atrás foi a vez de Natalie Kunick, uma jovem de então 23 anos de idade do Reino Unido “quando decidiu estalar o pescoço” ao assistir um filme. Uns 15 minutos depois, após levantar-se para ir ao banheiro, caiu no chão. Não “sentia a perna esquerda”. Foi constatado que Natalie havia “sofrido um enfarto”. “Os especialistas me disseram, depois que cheguei ao hospital, que, ao estalar o pescoço, minha artéria vertebral se rompeu. Há uma chance em 1 milhão disso acontecer”, explicou a jovem. Pelo menos publicou-se a estatística.
E a possibilidade de haver algum problema após um ajustamento de Quiropraxia é extremamente raro, mas pode acontecer. O que se discute é qual o exato mecanismo que isso acontece, uma vez que anatomicamente seria altamente improvável — senão impossível. É mais fácil ter um problema neurológico espirrando do que sendo ajustado por um Quiropraxista formado, sério e cuidadoso (ressalte-se). O espirro não foi a causa, mas o catalista. O que dizer sobre o ajuste?
Houve dois casos famosos nos últimos anos em que um ajustamento supostamente causou morte:
Agora, por mais trágico que esses dois casos sejam, é mais fácil ganhar na Loteria do que ter algum problema por um ajustamento de Quiropraxia. E talvez porque são tão raros, a imprensa bota a boca no trombone e faz um alarde horrososo. Já o paciente que morre na sala de cirurgia, por ser bem mais frequente, não costuma ser notícia. Um estudo relata que, somente num hospital regional na Irlanda, num total of 62.085 pacientes que sofreram cirurgia entre 2000 e 2011, houve 578 óbitos. De fato, 4.2 milhões de pessoas por ano morrem durante cirurgia ou nos primeiros 30 dias pós-cirúrgico — de um universo de 300 milhões de cirurgias anuais. Ai da Quiropraxia se ela tivesse este tipo de estatística!
Me recordo de um caso trágico: um paciente de 60 anos (com aparência de 40, diga-se) que sofria de dores neurogências no pescoço e nos braços. De acordo com ele, as dores tiveram início durante o saque num jogo de vôlei (outra estatística improvável). Ele aparecia de vez em quando, sempre com dor. Nada passava. Fazia todo tipo de tratamento e nada. Mas excetuando-se a dor, era um cara atlético e saudável. No desespero, (contra minha recomendação, porque não havia nada no pescoço que justificasse), resolveu fazer uma cirurgia. Morreu na sala de operação.
Claro, supõe-se que haja um fator de risco cada vez que o paciente fica sob efeito de anestesia geral. Mas é um risco tido como aceitável. E, apesar dos óbitos, o número de cirurgia em que o paciente sobrevive é vastamente superior.
Raramente acontece, mas há também casos bizarros no pós-cirúrgico.
Em 2023, após sofrer operação de hérnia de disco no Texas, EUA, uma ex-cantora de 39 anos acordou sentindo que havia “algo errado com sua fala”. O tom de voz ficou alto demais — e com sotaque! “Nós chamamos de ‘voz russa da Minnie Mouse’, porque eu soava como um personagem de desenho animado o tempo todo”, explicou ao jornal Metro, do Reino Unido. “Ao longo do tempo, o sotaque russo foi substituído pelo britânico, ucraniano e, mais recentemente, australiano” (!). A ex-cantora relata ter sofrido situações de xenofobia por causa disso. “(…) era engraçado no início, mas agora é diferente”, desabafa. Trata-se da Síndrome do Sotaque Estrangeiro, “um distúrbio raro com pouco mais de 100 casos relatados em todo o mundo”.
Meu saudoso pai já dizia: “maninho, este mundo tem cada habitante…” Só falta agora alguém aparecer com um Ponto G no trajeto do nervo ciático.