A mí me encantan las películas mexicanas. Acho que comigo começou lá pela virada do milênio, quando ouvi falar de dois filmes que fizeram um rebuliço danado no circuito alternativo: Amores Perros (2000) e Y Tu Mamá También (2001) dos hoje em dia altamente oscarizados Alejandro Iñárritu e Alfonso Cuarón, respectivamente.

Juntamente com Guillermo del Toro, arremataram boa parte dos Oscars™ de Melhor Filme, Diretor, Roteiro Original e Edição nos últimos 10 anos.

Me apaixonei imediatamente. E não parei de assistir e de apreciar a 7ª arte mexicana desde então. São filmes inventivos e originais como:

  • Me Estás Matando, Susana (2016) é sobre um sujeito inconsequente e infiel que vai atrás da sua namorada quando ela o abandona. Interpretado pelo excelente Gael García Bernal (protagonista, aliás dos dois filmes do primeiro parágrafo), o sem-noção vai bater no meio-oeste americano em pleno inverno atrás da menina — se metendo em várias encrencas no processo.

    Este filme traz um tom nostálgico para mim por causa dos oito anos que passei estudando nos Estados Unidos (primeiro o High School, depois Comunicações, e finalmente Quiropraxia no Palmer College of Chiropractic) — e sei muito bem como é o inverno no meio-oeste.

  • Chilangolandia (2021) e Matando Cabos (2004) trilham pelo estilo Guy Ritchie com estórias paralelas de crimes e trapalhadas que se convergem eventualmente.

    Matando Cabos inclusive conta com a atuação de um Tony Dalton novinho, excelente intérprete do antológico vilão Lalo Salamanca de Better Call Saul.

  • La Jaula de Oro (2013) é sobre três jovens que arriscam suas vidas atravessando o país como clandestinos num trem para eventualmente (e ilegalmente) cruzar a fronteira dos Estados Unidos.

    Na minha primeira visita ao México para dar um curso em 2018, tive a honra de entabular uma amizade com o Quiropraxista do diretor deste filme. Na época do tratamento, o diretor estava finalizando a obra e não sabia que destino dar a um dos personagens. O Quiropraxista sugeriu um final, o diretor acatou — e acabou creditando seu nome como consultor nos créditos finais.

  • Asesino en Serio (2002) é sobre um policial que investiga uma série de mortes de mulheres. Ele começa a suspeitar que se trata de assassinato quando percebe que há um modus operandi: todas morreram durante um orgasmo violento (!) que causou derrame massivo e enfarto fulminante. E, uma vez descoberto o que causou as mortes, o detetive usa este tal conhecimento numa busca hitchcockiana de vingança.

    Esse último filme tem indiretamente a ver com o que a gente faz. Sem querer revelar muitos spoilers, é estabelecido que o assassino, numa excursão antropológica, encontrou inscrições aztecas indicando um novo Ponto G na região (pasmem!) entre o piriforme e a tuberosidade isquiádica — precisamente no trajeto do nervo ciático (isso é inclusive mencionado numa cena)! Usando deste inusitado conhecimento, ele pedia a mulherada para ficar de bruços com um travesseiro debaixo da pelve (tal qual blocos de SOT), manipulava a tal região, e elas então gozavam até morrer – com um sorriso nos lábios e quase na posição que Napoleão perdeu a guerra.

Acharam a premissa deste último filme bizarra demais? Bem, neste caso, a vida pode até não imitar a arte (apesar de já ter meio que imitado), mas volta e meia têm pipocado certas “notícias” na internet que, mesmo absurdas, acabam causando um rebuliço danado na nossa pequena comunidade de Quiropraxistas sérios e formados.

E é por isso que a introdução deste artigo foi longa desta maneira: é melhor apreciar filmes de um país que sabe fazê-los do que acompanhar o festival de bobagens que são manchete hoje em dia.

Como, por exemplo, do australiano que “quase morreu e ficou cego após estalar o pescoço realizando uma sessão de quiropraxia (!) em si mesmo, dentro de casa (…)”.

Mantenham em mente que esta notícia foi publicada pelo tabloide americano New York Post. Andy Wilson, 53, conheceu “diferentes Quiropraxistas ao longo dos anos”. E, num determinado momento de sua vida, decidiu “economizar o dinheiro das sessões” e se automanipular. “Eu relaxava meus músculos e torcia a cabeça de um lado para o outro. Era um hábito inconsciente como estalar os dedos, fazia isso pelo menos uma ou duas vezes por dia”, relata. Por 31 anos. Multiplique 2x ao dia por 365 dias durante 31 anos e chegaremos a estarrecedora quantia de 22.630 automanipulações.

Lembrando que o New York Post é de cunho sensacionalista e que seu presidente, Rupert Murdoch, não goza da mais ilibada reputação.

Pois é. A “reportagem” não afirma se os sintomas começaram depois de um desses autoestalos, mas vamos presumir que sim. Wilson sentiu-se “extremamente desorientado e enjoado”, vomitou muito, perdeu a coordenação, sentiu uma “pressão na cabeça” e, “na metade dos dois olhos” ficou temporariamente sem visão. “Na verdade, eu estava tendo um derrame. A combinação dos estalos no pescoço e minha lesão nas costas causou um acúmulo de cálcio na coluna. Isso fez com que minha artéria direita se rompesse, resultando em três coágulos cerebrais e um derrame na região occipital do meu cérebro”, teoriza o australiano. A tal artéria que se rompeu foi a carótida direita.

Esta matéria é absurda em tantos níveis que só vale a pena mencionar alguns:

  • Primeiro, quem foi o desavisado que meteu isso na cabeça do tal australiano? Automanipulação, de fato, é um hábito nocivo. Diminui o limiar da dor pelas frequentes secreções de endorfinas durante os estalos. E, como quase todo mundo que têm este hábito desafortunado, nosso herói sofre de “dor crônica nas costas desde criança”, de acordo com o New York Post. Além disso, pode haver, sim, hipertrofia das articulações interfacetárias (ver  Artigo 65). Mas daí a dizer que foi isso que criou “um acúmulo de cálcio na coluna” (bicos-de-papagaio?) que, ainda por cima, “rompesse” a artéria carótida — aí já é viajar demais. Porque isso é fisicamente e anatomicamente impossível.

    O sábio Guilherme de Ockham dizia, ainda na Idade Média, que a explicação mais simples é provavelmente a mais correta. Então, o que mais provavelmente aconteceu foi que uma pessoa de 53 anos, ainda por cima com histórico “de abuso por drogas ou álcool”, teria algum tipo de aterosclerose. E, mais cedo ou mais tarde, uma dessas placas teria se desalojado, causando o derrame. Talvez o movimento excessivo e frequente no pescoço tenha precipitado isso, mas são só conjecturas. De todo modo, a equipe médica sabiamente o alertou para parar com este hábito. 

  • Segundo, que o título “Homem fica cego e quase morre ao tentar fazer quiropraxia em si mesmo“, mesmo incorreto, irresponsável e leviano, é também chamativo — e o objetivo do tabloide é vender suas edições (seja o conteúdo da “reportagem” verdade ou não).

    O tratamento de Quiropraxia é extremamente específico, com ajustamentos precisos de alta velocidade e curta amplitude. Estalar a coluna não é Quiropraxia. Ajustar a coluna com um objetivo definido, com um número de sessões definido e com um objetivo terapêutico definido — isso sim é Quiropraxia. Simplesmente não existe um leigo que consiga “fazer quiropraxia em si mesmo”. Ele só estará estalando a coluna aleatoriamente e com amplitude (e frequência) excessiva, afetando vértebras com hipermobilidade compensatória — porque as que estão causando o problemas, essas só se resolvem com um ajuste cuja linha-de-correção seja diametricamente oposta à da fixação.

Dito isso, é até compreensível a notícia ter sido publicada por um tabloide sensacionalista sem tanto compromisso com a verdade. Mas o que surpreende é uma revista séria como IstoéDinheiro republicar uma baboseira dessas.

Alguns anos atrás foi a vez de Natalie Kunick, uma jovem de então 23 anos de idade do Reino Unido “quando decidiu estalar o pescoço” ao assistir um filme. Uns 15 minutos depois, após levantar-se para ir ao banheiro, caiu no chão. Não “sentia a perna esquerda”. Foi constatado que Natalie havia “sofrido um enfarto”. “Os especialistas me disseram, depois que cheguei ao hospital, que, ao estalar o pescoço, minha artéria vertebral se rompeu. Há uma chance em 1 milhão disso acontecer”, explicou a jovem. Pelo menos publicou-se a estatística.

E a possibilidade de haver algum problema após um ajustamento de Quiropraxia é extremamente raro, mas pode acontecer. O que se discute é qual o exato mecanismo que isso acontece, uma vez que anatomicamente seria altamente improvável — senão impossível. É mais fácil ter um problema neurológico espirrando do que sendo ajustado por um Quiropraxista formado, sério e cuidadoso (ressalte-se). O espirro não foi a causa, mas o catalista. O que dizer sobre o ajuste?

Houve dois casos famosos nos últimos anos em que um ajustamento supostamente causou morte:

  • Em 2016, a modelo da Playboy Katie May, então conhecida como “Rainha do Snapchat”, postou no Twitter que “estava com um nervo comprimido no pescoço e que seria atendida por um quiroprático”. Não se sabe quanto tempo depois do ajustamento, May teve um acidente vascular cerebral e morreu. O médico legista do condado de Los Angeles teve seus 15 minutos de fama quando afirmou categoricamente que a causa da morte da modelo foi por “manipulação do pescoço” por seu Quiropraxista. Anatomicamente improvável — senão impossível.

  • Já este caso é mais bizarro, mas pode bem ser assustadoramente real. Em 2017 uma Quiropraxista de 16 anos de clínica formada no Canadá supostamente quebrou o pescoço de um paciente de 80 anos usando técnicas tidas como gentis, como Ativador e Drop. O senhor tinha estenose com dores nas pernas. Havia sofrido uma cirurgia por causa disso, com implantação de “hastes de metal (…) nas vértebras lombares” e era paciente costumaz. Mas naquele dia algo deu errado. O paciente não sentia os braços. Uma ambulância foi chamada e o paciente morreu no dia seguinte. A tomografia cervical correu o mundo. Suas vértebras tinham simplesmente se esfacelado. Parecia até um episódio de Além da Imaginação.

Agora, por mais trágico que esses dois casos sejam, é mais fácil ganhar na Loteria do que ter algum problema por um ajustamento de Quiropraxia. E talvez porque são tão raros, a imprensa bota a boca no trombone e faz um alarde horrososo. Já o paciente que morre na sala de cirurgia, por ser bem mais frequente, não costuma ser notícia. Um estudo relata que, somente num hospital regional na Irlanda, num total of 62.085 pacientes que sofreram cirurgia entre 2000 e 2011, houve 578 óbitos. De fato, 4.2 milhões de pessoas por ano morrem durante cirurgia ou nos primeiros 30 dias pós-cirúrgico — de um universo de 300 milhões de cirurgias anuais. Ai da Quiropraxia se ela tivesse este tipo de estatística!

Me recordo de um caso trágico: um paciente de 60 anos (com aparência de 40, diga-se) que sofria de dores neurogências no pescoço e nos braços. De acordo com ele, as dores tiveram início durante o saque num jogo de vôlei (outra estatística improvável). Ele aparecia de vez em quando, sempre com dor. Nada passava. Fazia todo tipo de tratamento e nada. Mas excetuando-se a dor, era um cara atlético e saudável. No desespero, (contra minha recomendação, porque não havia nada no pescoço que justificasse), resolveu fazer uma cirurgia. Morreu na sala de operação.

Claro, supõe-se que haja um fator de risco cada vez que o paciente fica sob efeito de anestesia geral. Mas é um risco tido como aceitável. E, apesar dos óbitos, o número de cirurgia em que o paciente sobrevive é vastamente superior.

Raramente acontece, mas há também casos bizarros no pós-cirúrgico.

Em 2023, após sofrer operação de hérnia de disco no Texas, EUA, uma ex-cantora de 39 anos acordou sentindo que havia “algo errado com sua fala”. O tom de voz ficou alto demais — e com sotaque! “Nós chamamos de ‘voz russa da Minnie Mouse’, porque eu soava como um personagem de desenho animado o tempo todo”, explicou ao jornal Metro, do Reino Unido. “Ao longo do tempo, o sotaque russo foi substituído pelo britânico, ucraniano e, mais recentemente, australiano” (!). A ex-cantora relata ter sofrido situações de xenofobia por causa disso. “(…) era engraçado no início, mas agora é diferente”, desabafa. Trata-se da Síndrome do Sotaque Estrangeiro, “um distúrbio raro com pouco mais de 100 casos relatados em todo o mundo”.

Meu saudoso pai já dizia: “maninho, este mundo tem cada habitante…” Só falta agora alguém aparecer com um Ponto G no trajeto do nervo ciático.