Temos uma incrível capacidade fisiológica para armazenar gordura no corpo. É um mecanismo de sobrevivência. Na fartura, ingerimos mais comida. Acumulamos gordura para que, em períodos de escassez, possamos transformá-la em energia.

Houve um tempo em que obesidade era vista como sinal de opulência — resultado direto de excessos gastronômicos de só por quem podia pagar por suntuosos banquetes. Só que hoje em dia alimento é o que não falta, né? Inclusive alimentos industrializados, baratos, de pouca nutrição e muita caloria. Portanto, observa-se não com pouca frequência na sociedade moderna a figura paradoxa do gordo pobre. Pois é. O mundo não é mais aquele. Mas a nossa fisiologia ainda é. Como conseqüência, nunca houve tantos obesos no mundo.

E claro, com excesso de peso, multiplicam-se casos de hipertensão, diabetes, derrame e doenças vesiculares. O obeso poderá vir a sofrer de gota (aumento de ácido úrico — ver Artigo 110), dislipidemia (aumento de colesterol, triglicérides, LDL, VLDL e diminuição de HDL — nos exames laboratoriais), esteatose hepática (gordura no fígado), e uma miríade de outras doenças relacionadas direta ou indiretamente à obesidade, inclusive osteoartrose.

Poderia o excesso de peso contribuir também para um aumento de dores de coluna? Lógica ditaria que sim. Entretanto, não é bem o que observamos durante todos esses anos de experiência clínica. Na verdade, lombalgias são disfunções democráticas. Não há segmento populacional que seja imune à elas. Dores de coluna não fazem distinção de raça, credo, idade e posição social. Nem peso.

Problemas na região lombar estão mais relacionados à perda ou excesso da curva fisiológica (lordose) do que qualquer outro fator. Mas com as articulações do joelho, a coisa aí muda de figura. Um obeso grave vai ter, sim, comprometimento articular. Os joelhos e os quadris serão indubitavelmente sobrecarregados.

A equação básica para perder peso é simples: temos que gastar mais calorias do que consumimos. Ou seja, temos que fechar a boca e nos exercitar mais. Este seria o jeito mais natural. E demorado. Infelizmente, vivemos numa época imediatista em que tudo tem que ser ligeiro. Então, para emagrecer, tome inibidores de apetite e cirurgia bariátrica.

Nem todo mundo, porém, consegue perder peso com dieta e exercícios. É um pouco mais complicada esta equação. Obesidade pode ser determinada por questões genéticas, biológicas, econômicas, sociais e culturais. Às vezes, o uso de medicação pode ser, sim e relutantemente, uma saída — talvez a única (e é, pelo menos, menos invasiva do que cirurgia).

Mas se correr o bicho pega e ficar o bicho come. Já se vai mais de uma década desde que a revista ÉPOCA (18/07/2011) noticiou a decisão da ANVISA de suspender o comércio de qualquer medicação que contenha a substância sibutramina. “A droga atua no cérebro e aumenta a sensação de saciedade”.

“A justificativa (…) a favor da proibição é um estudo de seis anos realizado pelo próprio fabricante (o laboratório Abbott) com 10 mil pacientes, a pedido da Agência Européia de Medicamentos (Emea). Foram incluídos apenas obesos acima de 55 anos, com diabetes e histórico de problemas cardiovasculares. (…) No grupo que tomou sibutramina, o índice (de infarto, AVC ou outros problemas cardiovasculares) foi de 11,6% (10% no grupo de placebo). Ou seja, o risco aumentou 16%”. Não houve mortes.

A ANVISA não pretendia parar por aí. Ela planejava banir “outros inibidores de apetite conhecidos pelo nome de ‘anorexígenos anfetamínicos’. Restaria nas farmácias apenas o orlistat, conhecido pela marca Xenical. Ele não atua no cérebro e tem um efeito emagrecedor menor”. Mas causa um terrível desarranjo intestinal.

Por isso, alguns médicos não concordam com a decisão da ANVISA. “70% (dos pacientes obesos) não emagrecem sem remédio”, alerta o endocrinologista Alfredo Halpern, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). O temor é que haja um aumento de cirurgia e de uso indevido de medicamentos cujo efeito colateral é perda de apetite, como alguns anticonvulsivantes e antidepressivos.

Grande parte dos especialistas, porém, concorda que “emagrecimento só é duradouro se for gradativo e acompanhado de reeducação alimentar”. O ideal, em termos de emagrecimento, seria perder peso aos poucos — uma média de dois a três quilos por mês. A coluna teria assim tempo para adaptar-se. Com a sibutramina, uma pessoa pode perder 30 quilos no mesmo período. Mas aí acontece um paradoxo interessante: agravam-se as dores de coluna por não conseguir adaptar a musculatura àquele novo peso. Já vimos este tipo de situação acontecer no nosso consultório um sem-número de vezes — principalmente com cirurgia bariátrica, onde a perda de peso tende a ser mais dramática.

Certa ocasião, por exemplo, tivemos uma paciente morbidamente obesa e com crônicas dores de coluna que se submeteu a uma cirurgia de redução de estômago. O resultado foi dramático: ela perdeu cerca de 50 quilos em três ou quatro meses. Pensávamos na época que a perda de peso acarretaria numa diminuição igualmente drástica das suas dores lombares. Ledo engano. As dores aumentaram.

A razão para isso foi que a musculatura da região lombar da paciente, já mal preparada para sustentar sua coluna com aquele biótipo, estava ainda mais despreparada para lidar com aquela enorme perda de peso em tão pouco tempo. Em suma: não houve tempo de preparar a coluna a tempo para lidar com a mudança tão rápida de biótipo. O resultado foi um aumento das dores. Algumas sessões de Quiropraxia e exercícios de reabilitação mais tarde minimizaram o problema.

Especificamente neste exemplo, a cirurgia bariátrica teria sido necessária. A paciente estava acima de 160 quilos e com um metro e sessenta de altura. Mas o ato de comer é complicado, às vezes. E pode envolver bem mais do que simplesmente reduzir o volume do estômago. Ela acabou ganhando quase todo o peso de volta com o decorrer dos anos, infelizmente.

Foi justamente nessa enxurrada de cirurgias bariátricas que acabaram descobrindo algo interessante: “transformações endócrinas importantes” nos pacientes que se submetiam a um procedimento específico durante a cirurgia bariátrica — “uma melhora muito rápida nos níveis de açúcar na maioria das pessoas com diabetes, a ponto de muitas vezes não ser mais preciso usar antidiabéticos após a cirurgia”.  Mapeado e definido o exato procedimento cirúrgico, este tipo de cirurgia metabólica, apesar de marginalizada e muito controversa no início, foi finalmente regulamentada pelo CRM em 2017 (ver Artigo 74).

Há casos, no entanto, de cirurgias desnecessárias. Com fins estéticos. E procuradas por pessoas que querem emagrecer da maneira mais fácil (como se por uma cirurgia fosse tão simples assim).

“O Conselho Federal de Medicina (CFM), através da resolução 1.766/05, atualizada pela 1.942/10 regulamentou a prática. Entre as condições apontadas para indicação deste tratamento, está o índice de Massa Corporal (IMC) acima de 40 kg/m² ou maior que 35 kg/m² e com doenças associadas que ameacem a vida, tais como diabetes tipo 2, apneia do sono, hipertensão arterial, dislipidemia, doença coronariana, osteoartrites, etc. Deve haver também tratamento clínico prévio insatisfatório de, pelo menos, dois anos; a ausência de quadros psicóticos ou demenciais graves ou moderados; entre outras condições” (vida & éticaRevista do Cremeb, ano 3 – nº 11/2012).

Prestaram atenção nesta última frase? O problema pode não estar cá no meio, mas lá em cima. A pessoa que deseja fazer uma cirurgia bariátrica deve ter acompanhamento clínico e psicológico ANTES do procedimento. Será que têm sido assim na prática? “De 2003 a 2011, o número anual quadruplicou — saltou de 18 mil para 77 mil procedimentos, segundo (…) o Ministério da Saúde”. Tem gente que anda grampeando o estômago tão corriqueiramente quanto a uma ida ao mercado.

Temos observado na nossa clínica um aumento desta tendência. Pessoas obesas, mas não “morbidamente obesas”, correndo para fazer a cirurgia. E pessoas que (pasme!) ganham peso propositalmente para alcançarem o IMC mínimo necessário e assim ficarem “aptos” para o procedimento. Vejam só a ironia: gente que ganha peso desmedidamente para perder peso desmedidamente. Pronto. Virou festa.

O gastroenterologista Jecé Brandão (Conselheiro do Cremeb e representante da Bahia no CFM) alerta: ainda que a cirurgia bariátrica ajude na autoestima do paciente, não necessariamente o deixará mais saudável. “O fato do emagrecimento rápido — muitos indivíduos chegam a perder mais de 70 quilos em poucos meses — às vezes não deixa o paciente saudável, pois o resultado é a substituição de uma doença grave por outras que podem surgir devido à redução de absorção de nutrientes necessários, (como) vitaminas, que eram feitas através da alimentação regular.” A relação custo-benefício do que a pessoa perde e do que a pessoa ganha com uma cirurgia bariátrica tem que ser bem medida e bem pesada. Estética não pode fazer parte dessa equação. Quem vai se submeter a este tipo de procedimento tem que ter uma “conscientização de que seu organismo será mutilado e necessita de tratamento e acompanhamento periódico pelo resto da vida e, para não haver o reaparecimento da obesidade, exige-se uma reeducação de hábitos, principalmente alimentares”, complementa o doutor Brandão.

Isto sem falar que “médicos que realizarem o processo cirúrgico com este intuito (estético), comprovada a denúncia, poderão responder pelo ato no Cremeb e/ou na justiça comum”. Doutor Jecé Brandão não tem meias palavras ao tratar deste assunto. “(O procedimento cirúrgico) por estética (…) é ilegal, antiético e transgride os limites da profissão”, ressalva o gastroenterologista. E sem falar que pode ocasionar em dores de coluna sem necessidade nenhuma. A cirurgia deve ser feita, mas só para quem realmente precisa.