Quase todo mundo sofre ou já sofreu de lombalgia. 80% da população para ser mais exato — estatística esta que volta e meia aparece nos artigos d’A Coluna da Coluna — já que boa parte deles discorre sobre problemas neuromusculoesqueléticos. Esta informação os diletos leitores estão carecas de saber, bem como sobre os perigos da automedicação.
Mas o que muitos pacientes (e alguns clínicos) não se dão conta, é que DESTES 80%, aproximadamente 30% a 40% apresentam hérnia de disco com pouquíssimos resquícios de dor. Ou seja, este percentual convive bem com a coluna que tem. A dor lombar como patologia aparentemente acomete mesmo somente 2% a 3% das pessoas.
O problema é que dores lombares podem significar um prelúdio para uma coisa mais séria, como, por exemplo novamente, uma hérnia de disco. E muitas pessoas preferem não dar atenção aos sintomas iniciais. Entopem-se de medicamentos, muitas vezes por conta própria, e mascaram um problema que vai, indubitavelmente, cobrar a fatura mais tarde (ver Artigos 63, 103, 161, 211 e 249).
Michael Jackson passou por isto. Discutido no Artigo 193 , o Rei do Pop fazia uso excessivo de tais analgésicos e anti-inflamatórios até sofrer uma overdose e morrer.
Temática semelhante foi explorada num filme hoje meio esquecido: Vício Frenético (Bad Lieutenant – Port of Call: New Orleans, Estados Unidos, 2009). Um autêntico soco no estômago, foi dirigido pelo consagrado e premiado cineasta alemão Werner Herzog, responsável pelos cult clássicos Aguirre, a Cólera dos Deuses (1972), a 2ª versão de Nosferatu (1979) e Fitzcarraldo (1982).
Vício Frenético é um daqueles filmes de origem duvidosa estrelado por Nicolas Cage, que interpreta o policial Terence McDonagh. Este sargento, atuando em plena Nova Orleans durante o Furacão Katrina, teve que salvar um preso de um xadrez inundado. E, com isso, acabou lesionando a coluna. Este ato de bravura rendeu-lhe uma promoção a tenente e uma bruta lombalgia crônica. O nosso herói (ou anti-herói?) passou então a ingerir indiscriminadamente qualquer analgésico que pudesse por as mãos. Isto o tornou dependente e abriu a janela para uma espiral de loucura envolvendo maconha, cocaína, heroína e, no fundo do poço, crack. Tudo isso enquanto investigava uma chacina.
Voltando à vida real, seria difícil acontecer um declínio assim com tamanha facilidade. Mas lembrem-se que Michael Jackson já não está mais entre nós. Mais produtivo seria investigar a causa destas dores, que podem estar ligadas, mais do que hérnias de disco, a potenciais distúrbios cinesiológicos ainda mais anteriores.
Segundo dados do IBGE, este problema atinge 5,4 milhões de brasileiros (4,8% dos homens e 2,5% das mulheres acima dos 35 anos de idade). A hérnia, como novamente os diletos leitores estão carecas de saber, é consequência “natural” do desgaste dos discos. Estas estruturas localizadas entre as vértebras agem como amortecedores e minimizam o impacto entre elas. Quando ocorre a hérnia, um “calombo” se forma e supostamente comprime as raízes nervosas do segmento afetado. E em 76% dos casos há histórico de dor lombar que antecede uma década. Isto significa que, para cada hérnia de disco, há, em média, uma bagagem de dez anos de dores lombares.
Helder Montenegro, fisioterapeuta, osteopata e fundador do Instituto de Tratamento da Coluna Vertebral (ITC), explica que “a idade média para o aparecimento da primeira crise de dor é de aproximadamente 37 anos (…). Por causa da correria do dia a dia, má postura e sedentarismo, muitos brasileiros não se preocupam em fazer atividades físicas e cuidar da postura. Quando a crise aparece, muitos só enxergam a cirurgia como opção. No entanto, muitas pesquisas têm apontado tratamento convencional e exercícios físicos com solução para 90% dos casos”.
De fato, uma pesquisa publicada em 2009 na revista científica BMJ Clinical Evidence reafirmava naquela época que apenas 10% das hérnias de disco têm realmente indicação cirúrgica. Outra pesquisa mais recente concluiu que, “embora a cirurgia às vezes seja a opção final, os pacientes frequentemente apresentam danos neurológicos e desconforto persistente.”
É de bom senso observar cautela antes de entrar no bisturi. E sucesso com tratamentos conservadores pode significar uma boa notícia para um problema de natureza multifatorial e que induz indivíduos economicamente ativos a se aposentarem prematuramente. Sim, porque as ditas hérnias de disco tornaram-se a primeira causa de pagamento de auxílio-doença e a terceira causa de aposentadoria por invalidez.
Com causas frequente e essencialmente biomecânicas, definitivamente este tipo de problema não é nada que não possa ser tratado à médio prazo com algumas sessões de musculação acompanhada, Pilates, fisioterapia, hidroginástica e Quiropraxia.
Simples assim. Para que depois não se torne complicado.