Nova Iorque, 04 de dezembro de 2024. A conferência anual de investidores da UnitedHealthcare (a maior companhia de planos de saúde dos Estados Unidos) estava marcada para acontecer no Hilton Hotel, entre 54th Street e 6th Avenue. Às 6:44 da manhã, o CEO Brian Thompson, no momento que chegava para o evento, foi morto a tiros na calçada em frente ao hotel, em plena luz do dia.
O nome da vítima era pouco conhecido pelo público até então. Aos 50 anos, tendo galgado os devidos degraus corporativos, foi alçado ao cargo de CEO em 2021. “Liderou uma empresa que forcece cobertura de saúde a mais de 49 milhões de americanos — mais do que a população da Espanha. A United é a maior fornecedora de planos Medicare Advantage” (uma vertente privatizada de um programa do governo estadunidense para pessoas de mais de 65 anos de idade) e que “também vende seguros individuais e administra cobertura de seguro saúde para milhares de empregadores e programas Medicaid financiados pelo estado e pelo governo federal.” Levava uma vida discreta, longe dos holofotes. Isso até ser assassinado.
O atirador, até então desconhecido e usando uma máscara azul hospitalar, fugiu de bicicleta (!) atravessando o Central Park, depois pegando um taxi e aparentemente um ônibus para fora da cidade. Deflagrou-se uma verdadeira caça ao criminoso de proporções monumentais que culminou 5 dias depois com a prisão de Luigi Nicholas Mangione, 26 anos, num McDonald’s em Altoona, Pennsylvania, a 375 quilômetros do local do crime.
Tudo indica que Mangione seja, de fato, o autor dos disparos. A arma encontrada com ele no momento da prisão “correspondia aos cartuchos encontrados no local do tiroteio no centro de Manhattan, disse a comissária de polícia de Nova York, Jessica Tisch. (…) suas impressões digitais também correspondiam às impressões em uma garrafa de água e uma embalagem de barra de proteína encontradas perto da cena do crime. A polícia disse acreditar que o atirador as comprou num Starbucks próximo enquanto esperava seu alvo.
A questão agora não era mais “quem” e sim “por que”.
Os cartuchos encontrados pela polícia na frente do hotel tinham as palavras “atrasar“, “negar” e “depor” escritas com marcador permanente. Sendo estes jargões comumente usados pelos planos de saúde para atravancar pedidos, os investigadores concluíram que o episódio foi alguma retaliação à indústria de seguros.
É de dar vergonha os EUA ser “o único país desenvolvido que não tem cuidado universal de saúde“. Quase todo baseado em planos privados, “o serviço acaba sendo oferecido por empresas, que frequentemente recusam cobertura de cirurgias, medicamentos ou mesmo anestesia. Publicado em julho deste ano, um levantamento do Centro Nacional de Saúde dos EUA aponta que 25 milhões de americanos, sendo 2,8 milhões de crianças, não tinham acesso pleno à saúde em 2023.”
Pois é. O caso já é atípico por si só. Afinal de contas, não é todo dia que um figurão é assassinado em plena luz do dia nos Estados Unidos. Mas surpreendente mesmo foi o apoio popular que Luigi Mangione vem recebendo. “Um site de crowdfunding arrecadou mais de US$ 50 mil para seu fundo de defesa de mais de 1.500 doadores, relata a ABC News“. Até um outdoor apareceu com a frase “Liberte Luigi Mangione / Ele é um Herói”.
Tudo isso, na opinião deste que vos escreve, reflete a profunda insatisfação do americano médio com os mandos e desmandos das grandes corporações em relação a tudo: moradia, alimentação e seguramente planos de saúde (que é um horror por lá — ver Artigo 235). E que pode ter culminado com a eleição do segundo mandato (não consecutivo) de Donald Trump. Sinal dos tempos…
Outro fator surpreendente foi a susposta razão que motivou o crime: a anterolistese do suposto assassino.
Sim. Sendo um “engenheiro de dados, formado pela Universidade da Pensilvânia e oriundo de uma família rica de Baltimore“, o que pode ter levado uma pessoa com este tipo de perfil “a supostamente atirar em Thompson a sangue frio”?
Bem, de acordo com os investigadores, ele teria passado por uma “cirurgia traumática na coluna (…) que mudou sua vida. (…) Em uma entrevista à CNN, um ex-colega de quarto, do Havaí, (…) relatou reclamações do suspeito em relação aos seus problemas na coluna. Ele afirmou que a situação era tão ‘traumática e difícil’ que uma aula básica de surf fez Mangione ficar na cama por uma semana.” Outro amigo relatou que “o suspeito havia parado de entrar em contato com os familiares após ser submetido a uma cirurgia nas costas.” De acordo com a comissária Tisch, o “suspeito teria escrito (um) ‘manifesto’ contra seguradoras de saúde. O documento escrito à mão criticava as empresas por colocarem o lucro acima do cuidado com os clientes. Ele apontava sua motivação e interesses (…)”. O New York Times noticiou que também havia “um caderno com anotações que detalhavam o planejamento do assassinato, segundo fontes policiais (…)”.
Como Quiropraxista aficionado por imagens, o que pude constatar na radiografia publicada pela imprensa foi a implantação de 04 parafusos para supostamente “estabilizar” o que parece ser uma anterolistese grau I em L5: dois na 5ª vértebra lombar e dois no 1º segmento do sacro. Desconheço o estado clínico e sintomatógico do suspeito, mas este tipo de cirurgia, na maioria da vezes, é desnecessária. A listese neste segmento, do tipo ístmica, é geralmente estável e se caracteriza pela separação do pars (causada por fratura por estresse ainda na preadolescência). Em quase 3 décadas de clínica, já tratei centenas (senão milhares) de pacientes com graus variados de anterolistese em L5 — inclusive alguns prestes a fazer cirurgia. Exceto por um trágico caso envolvendo um trauma com rara fratura pedicular neste particular segmento (ver novamente artigo 235), nunca houve necessidade cirúrgica nos demais pacientes que ocorriam de ter anterolisteses — reiterando novamente meu desconhecimento do quadro clínico pré-cirúrgico de Mangione.
Mas daí a uma cirurgia malsucedida de anterolistese ser o estopim para uma pessoa meticulosamente premeditar e executar um crime desta magnitude são outros quinhentos. E desconhece-se, até o presente momento, se houve de fato algum problema pontual com a cobertura do plano de saúde em relação a esta cirurgia em particular. Ou se as inevitáveis doses cavalares de medicação para as dores crônicas e/ou pós-cirúrgicas causaram alguma mudança psicológica no suspeito (confiram artigos 149 e 235).
Seja lá como for, os desdobramentos deste estranho caso ainda vão levar tempo para fazer algum sentido (ver artigos de temática semelhante: 115 e 225).