Para os leitores mais sensíveis: este artigo contém linguagem que alguns podem considerar descritiva e explícita em demasiado. Melhor não continuar lendo se for este o caso.
Estima-se que 1% da população mundial tenha tendências psicopatas. Este tipo de pessoa não se importa com o sofrimento que inflinge aos outros. A psicóloga Susan Andrews (ÉPOCA, 05/10/2007) escreveu na sua então coluna: “imagens cerebrais de psicopatas mostram que experiências emocionais não ativam seus cérebros límbicos emocionais, como nas pessoas normais”.
Se esta estatística dos 1% for aplicada aos profissionais de saúde, então, dos milhões de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e Quiropraxistas deste mundo afora, podem haver milhares de psicopatas que trabalham sob a proteção de um diploma. Sim, caros leitores, eles estão entre nós. É meio amedrontador, não é?
Claro, nem todo psicopata é assassino. E nem todo assassino é psicopata. Mas psicopatia é o que não falta por aí. É uma minoria barulhenta — quando os casos vêm à tona.
Mas voltando ao assunto de assassinato, a reportagem de capa da revista ÉPOCA (14/09/2009) retratou a vida pós-prisão do hoje falecido médico Farah Jorge Farah. Para quem não acompanhou este sórdido episódio, Farah era cirurgião plástico e teve um caso com uma de suas pacientes. O médico alegou que a vítima não se conformava com o fim do romance e vinha lhe ameaçando. Em janeiro de 2003, para resolver o problema de vez, Farah marcou um encontro tarde da noite com ela na sua clínica. Lá, ele dopou-a, esquartejou-a (ainda viva), embalou os pedaços em sacos plásticos e jogou-os no fundo de seu automóvel. O médico diz não se lembrar do ocorrido. Foi condenado a 13 anos de prisão. Mas obteve sua liberdade em 2007 graças à um habeas corpus. Mas após decisão do STJ em 2017 “que determinou seu retorno à prisão, a polícia foi à casa (de Farah) para prendê-lo. Ao chegar ao local a polícia encontrou o ex-médico morto. A perícia confirmou que a causa da morte foi suicídio, após o corte nas veias femorais (…)” e “informou que ele vestia roupas femininas e escutava música fúnebre”.
O ensaio de Susan Andrews mencionado no início deste artigo traça um paralelo entre o caso do cirurgião plástico e psicopatia. E por ser um grupo ainda muito pequeno aqui no Brasil, não temos notícias de casos assim entre os nossos. Mas nos Estados Unidos, com mais de 70.000 Quiropraxistas, mais cedo ou mais tarde (mesmo passados quase 40 anos), infelizmente surgiu uma tragédia.
Um caso relativamente parecido com o de Farah ocorreu nos EUA em 1983 na pequena cidade de Davenport — berço da primeira universidade de Quiropraxia do mundo, o Palmer College of Chiropractic (minha alma mater). Somada a mais quatro cidades (Quad-Cities) — na verdade cinco (mas isso já é outra história) — Davenport faz parte de um centro urbano de quase 400.000 habitantes. Divididas pelo Rio Mississippi, Davenport e Bettendorf estão no lado do Estado de Iowa; Moline, East Moline e Rock Island no lado do Estado de Illinois.
O acidente geográfico é parecido com Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), divididas pelo Rio São Francisco (tão imponente quanto o Mississippi).
Aconteceu assim: a polícia local buscava Joyce Klindt havia mais ou menos um mês. Casada com um Quiropraxista de sucesso, James Klindt, ambos com trinta e poucos anos, tinham um filho, e viviam numa residência apelidada “o Castelo”. Pareciam ter uma vida feliz.
Mas entre quatro paredes, o casal brigava muito. E um dia Joyce sumiu. Sua família deu queixa de seu desaparecimento. Klindt alegou que sua mulher o deixou. Até que, em 16 de abril de 1983, dois pescadores encontraram um torso feminino flutuando no Mississippi. Começava aí a elucidação de um crime que sacudiu esta então pacata cidadezinha. O tipo sanguíneo da vítima era o mesmo do torso. Mas o que confirmou de vez a identificação foram testes enzimáticos complexos (os precursores dos de DNA). O restante de Joyce jamais foi encontrado.
James Klindt foi preso e condenado a 50 anos de prisão em 1984. Foi considerado o Julgamento do Século em Davenport. Não se tem notícia de nenhum caso local com tamanha repercussão. A imprensa deitou e rolou. O caso Klindt rendeu até livros (um deles eu li).
O ex-Quiropraxista alegou inocência até 1992, quando, da sua cela, confessou. Na sua versão, após uma homérica briga doméstica, Joyce pegou uma arma para matá-lo. Ele, fugindo dela, e arrodeando uma mesa de sinuca, agarrou uma bola de bilhar e arremessou-a para trás sem olhar. A bola atingiu a testa da vítima (!!), matando-a na hora. E o que Klindt fez? Esquartejou a esposa, embalou os pedaços em sacos plásticos e jogou-os no fundo do seu automóvel. Parece familiar? A única diferença é que Farah Jorge Farah não teve a presença de espírito de jogar a vítima no Tietê. Klindt jogou a sua no rio Mississippi.
Alguns dizem que a confissão de Klindt foi feita com o propósito de ganhar a liberdade condicional — que aconteceu em 2004, após cumprir 20 anos da pena. Depois disso, chegou a ser preso por porte de drogas e morreu em 2010 em consequência de uma queda nebulosa e não muito bem explicada. O caso é comentado até hoje na região. Ficou para sempre no imaginário popular dos habitantes dos Quad-Cities.
Com seus respectivos registros profissionais cassados, o ex-Quiropraxista aprendeu a cozinhar na prisão e abriu uma barraca de comida mexicana em Davenport com o colorido nome de “Eats and Sweets“; o ex-cirurgião plástico “chegou a ingressar no curso de filosofia da Universidade Federal de São Paulo e Universidade Paulista”. Não parece que a História anda em círculos?
Em tempo: o filho único do fatídico casal foi contemporâneo meu na universidade em que eu estudava Comunicações e pré-Quiropraxia. Era discreto, e até onde eu sei, ninguém o incomodava falando do pai. Parecia um bom estudante, coitado.