“Viver é como andar de bicicleta. É preciso estar em constante movimento para manter o equilíbrio.”
Albert Einstein
Então. No final de 2011, este que vos escreve realizou um antigo sonho de consumo: comprou uma bicicleta. Mas não qualquer bicicleta. Teria que ser um tipo específico e não facilmente encontrado: uma Barra Forte. Os leitores de mais de 50 anos de idade irão reconhecer essa bicicleta, saída diretamente de suas infâncias.
Lembram-se? É aquela com quadro em aço carbono, super-resistente, com uma roda no meio. A que tem um bagageiro com 50 cm de comprimento, que mais parece uma ratoeira. É pesada pra chuchu e só tem uma velocidade. Mas é estável e uma delícia para andar. Parece até que a gente vira menino de novo.
O modelo original (chamado mais corretamente de Barra Circular) foi lançado pela Monark em 1960 e seu design pouco mudou ao longo dos anos. Em 1977, sua então concorrente, a Caloi, lançou a Barra Forte, uma pesada bicicleta, de 26 kg. Ambos os modelos são reconhecidos pela robustez — projetados “para suprir a necessidade de transportar indivíduos e cargas volumosas. Sua concepção visa facilitar o deslocamento de trabalhadores, permitindo-lhes levar consigo crianças e parceiras no ‘quadro’, além de caixas pesadas de ferramentas, aguentando cargas superiores a 100kg”. Ou seja, sob medida para carregar um peso pesado como eu.
Após retomar o hábito ciclístico, triste foi constatar que a Ilhéus da época era quase completamente destituída de ciclovias. Isso mudou um pouco com a inauguração de uma ponte estaiada em 2020. Foi a partir daí que a cidade implantou um cinturão de ciclovias e ciclofaixas. Ficou melhor e mais seguro andar de bicicleta — mas ainda assim longe do ideal.
E já se vão 13 anos pedalando cada vez mais e dirigindo cada vez menos… Em setembro de 2021, cheguei a publicar uma foto no Instagram fazendo uma posição de “ajuste” no selim da minha magrelinha — além de postar uma ode ao “Jipe das bicicletas”:
“Eu queria uma bicicleta robusta, que aguentasse meus 113 quilos. E havia também uma certa nostalgia pela Monark Barra Forte que tinha quando criança e adolescente. O design é tão eficaz que mudou pouquíssimo desde 1972. Apesar da fama de pesada, ela é surpreendentemente leve para mim.
A barra forte é meu meio de transporte da casa para a clínica e da clínica para casa. Às vezes levo-a num passeiozinho pela areia da praia, na costa ilheense. Muitas vezes vou ao centro da cidade com ela. Só leva 15 minutinhos — sem a inconveniência de procurar lugar pra estacionar e ter que lidar com flanelinhas.
Da bicicleta original que adquiri (…), só sobrou mesmo o quadro. Tudo foi sendo trocado ao longo dos anos, pelo desgaste normal do uso ou pelo salitre — até o bagageiro. O quadro azul enferrujado foi inteiramente restaurado e pintado de preto possante.
Gosto tanto de usá-la que, às vezes, chego a sonhar que estou pedalando…”
Sim, ciclismo é mesmo o bicho! Porque, afinal de contas, nesses tempos de consciência ambiental, a bicicleta até que vem bem a calhar. Ela não polui, é um ótimo exercício cardiovascular e pode ser uma excelente alternativa para driblar o constante engarrafamento que assola nossas metrópoles.
A bicicleta só não é muito boa para a coluna vertebral — principalmente para quem já sofre nesta área. “Um dos principais problemas enfrentados por quem pratica ciclismo são as lesões musculares na região lombar, que pode causar dores na coluna e no pescoço, além de muito desconforto”, segundo o site da Race Consultoria Esportiva.
Pedalar impõe uma posição de flexão para a coluna lombar. Se não houver uma boa musculatura para se contrapor à essa posição antiergonômica, a coluna vai chiar. O ciclista deve possuir uma boa tonicidade, sobretudo nos músculos paravertebrais. E estar em dias com o seu transverso abdominal. Este músculo profundo localizado abaixo do reto abdominal age como uma cinta natural e estabiliza nossa coluna lombar (ver Artigos 90, 113, 174, 189 e 207).
Andar de bicicleta em paralelepípedos impõe pressão até nas mais felizardas das colunas. E pode predispô-la a danos. Para minimizar os riscos, basta dar preferência a superfícies planas como ruas asfaltadas sem buracos — artigos em falta na nossa malfadada cidade. Por essas e por outras é que a ciclovia (e não ciclofaixa) se faz necessária. É mais segura do que arriscar o pescoço em avenidas movimentadas.
Portanto, não há uma posição ergonomicamente feliz para andar de bicicleta. Há, no entanto, algumas dicas para tornar o ciclismo pelo menos ergonomicamente viável. Só que essas dicas variam de pessoa a pessoa. “É possível trabalhar com pontos iniciais comuns a todos os praticantes, mas a flexibilidade de cada um vai definir qual a altura e o posicionamento ideais para se pedalar com qualidade”, afirma Rogério Camargo, professor de educação física e especialista em Ciência da Biomecânica (Bike Fit). “O selim muito alto, por exemplo, compromete a eficiência da pedalada, além de estender demais os joelhos. Se estiver baixo, prejudica a rótula e não produz a energia ideal”.
Pedalar com boa postura é outro desafio. A coluna deveria permanecer ereta, mas efetivamente mantê-la são outros quinhentos. “Quem pedala nas ruas tem uma grande dificuldade para manter-se totalmente ereto, porque o risco de cair aumenta”, explica Camargo.
A postura típica do ciclista profissional foi satirizada no simpático desenho indicado ao Oscar ® As Bicicletas de Belleville (Les triplettes de Belleville), de 2003. No filme, Madame Souza estimula seu tímido neto a pedalar. O rapaz toma gosto pela coisa e se torna obcecado pelo ciclismo. Totalmente desproporcional, sua postura é composta de uma coluna lombar completamente arqueada, com panturrilhas e coxas gigantescas. Vovó tem que massagear as costas e alongar as pernas do netinho para que ele possa dormir sossegado. O desenho, claro, exagera. Mas é uma bela fábula.
Se uma boa postura para um ciclista é utópica, Rogério Camargo oferece uma opção mais segura para aqueles com dores de coluna. “As bicicletas ergométricas possibilitam ajustes individuais e permitem um melhor alinhamento da coluna”. Nem de longe, no entanto, se comparam às delícias de pedalar por lazer e curtindo a natureza.