Eis que, 29 depois de fazer uma comédia meio boba e esquecível, Adam Sandler resolve fazer uma continuação.
Um Maluco no Golfe 2 (Happy Gilmore 2, 2025) continua a saga de um sujeito jogador de hockey tosco e descontrolado, que, no filme original, resolve migrar para o golfe e descobre um talento excepcional para o esporte. Na continuação, após ganhar inúmeros campeonatos, causa um desafortunado trágico acidente e cai na cachaça. Mas a necessidade financeira fala mais alto e resolve retornar ao golfe. A grande questão é que o esporte mudou ao longo dos anos. A audiência caiu e um grupo novo chamado de Maxi Golf pretende reinventar o esporte para ficar mais palatável à nova geração — mesmo que com isso descaracterize-o totalmente. Cabe agora a um ex-jogador de hockey the havia subvertido o golfe tradicional tentar paradoxalmente “salvar” o esporte das garras do Maxi Golf num campeonato em que está em jogo o próprio futuro do golfe.
Não vai ser tarefa fácil. Os adversários “Maxi golfers” têm uma carta na manga: para obterem uma vantagem física no jogo, todos passaram por modificações no ligamento iliolombar (tiveram os ditos-cujos cortados cirurgicamente). Esse procedimento permitiria que eles tivessem maior amplitude de movimento no quadril, maior rotação do tronco, torque e velocidade no taco, aumentando, e muito, a distância de tacada, rebatendo assim a bola mais longe do tee — e tornando-os adversários formidáveis e praticamente invencíveis.
Há até uma rápida cena mostrando o ligamento iliolombar (pasmem!) visibilíssimo numa radiografia — como se fosse um osso!
Mas é possível isso? Bem, pra começo de conversa, geralmente não seria visível um ligamento saudável neste tipo de exame de imagem. Só se houvesse algum tipo de calcificação (“ossificação (desse ligamento) pode estar associada a espondiloartropatias soronegativas e hiperostose esquelética idiopática difusa (DISH)“).
Quanto ao ligamento iliolombar em si, embora no filme “isso seja uma subtrama engraçada, o conceito não tem base na realidade anatômica ou biomecânica. Na verdade, ele deturpa completamente o papel e a função deste importante ligamento. Até porque a tal “‘cirurgia para aumentar a flexibilidade’ não é apenas uma falácia, mas também potencialmente prejudicial”. E se existisse de fato, um procedimento cirúrgico que visasse remover ou cortar este ligamento seria obviamente considerado irrealista e perigoso devido à complexa rede de tecidos conectivos na região (há até um vídeo no YouTube detalhando isso).
Besteirois á parte, esta comédia pelo menos proporciona-nos um grande mote: falar um pouco sobre o ligamento iliolombar — “uma faixa forte de tecido conjuntivo que se estende do processo transverso de L5 (em mais de 96% dos casos) até a asa ilíaca posterior e a crista do ílio” e que faz parte de um seleto grupo de ligamentos vertebropélvicos, que, além dele, incluem:
Todos estes ligamentos supracitados ajudam a estabilizar a coluna lombossacral na pelve. Já os ligamentos iliolombares, por unirem a 4ª e a 5ª vértebras lombares (L4 e L5) à crista do osso ilíaco na parte posterior da pelve, são cruciais na sustentação da coluna lombar inferior:
Em suma: sem o ligamento iliolombar simplesmente não haveria estabilidade nesta região. Qualquer tipo de dano a este ligamento pode causar dor lombar e instabilidade, não um aumento de flexibilidade. A perda dessa estrutura de suporte por remoção, como visto no filme, seria (conforme explicado em algumas postagens do Instagram) o equivalente a “remover os freios para ir mais rápido”. Ou seja, não dá pra se virar sem esta importante estrutura (ou melhor, dá pra se virar até demais — o que não seria nada bom).
Anatomicamente falando, “a porção do ligamento iliolombar originária do processo transverso L-5 é composta por duas bandas (anterior e posterior)”:
Porque “lesões nessa área (são) bastante comuns entre certos atletas devido à quantidade de movimentos frenéticos da coluna envolvidos em muitos esportes, (e) podem evoluir para dor na articulação sacroilíaca e problemas associados”. Isso tem nome: síndrome do ligamento iliolombar.
“Também conhecida como síndrome da dor da crista ilíaca, envolve inflamação ou ruptura do ligamento iliolombar. A lesão do tecido mole na inserção ilíaca do ligamento pode ser decorrente de trauma direto, uma queda na qual o ligamento é puxado no local de inserção da crista ilíaca ou uma lesão por levantamento. A dor pode ser exacerbada por atividade física que envolva a coluna, por exemplo, torcer ou dobrar, e longos períodos sentado também podem causar dor. Essa dor geralmente é crônica ou recorrente, dor lombar unilateral com um ponto sensível na crista ilíaca posterior. O paciente aponta para o ponto mais doloroso, que é lateral às facetas mais medianas, e a dor é exacerbada com a permanência prolongada sentada ou em pé.”
Quando um paciente entra no consultório se queixando de dor lombar, o Quiropraxista, heuristicamente (ver Artigo 181), irá inicialmente presumir que os sintomas estariam relacionados a transtornos discais, alguma disfunção articular, muscular ou até artrite. Mas o ligamento iliolombar pode muito bem estar envolvido. Por desempenhar “um papel crucial na estabilização da região lombar” e evitar movimentos excessivos, “é provável que a disposição espacial do ligamento iliolombar influencie seu papel antitorsional” (nunca devemos perder de vista esta função).
E é justamente devido à sua localização e função que esse ligamento fica sob constante tensão, tornando-o suscetível. (…) “quando lesionado ou enfraquecido, pode levar a dor crônica (…) e até mesmo a condições mal diagnosticadas” porque já não consegue mais “fornecer suporte adequado, causando desconforto e instabilidade a longo prazo”. Portanto, cabe ao Quiropraxista atento entender a função deste pequeno, mas poderoso ligamento, “seus sintomas e os tratamentos disponíveis (que) pode mudar a vida de quem sofre de dor lombar persistente”.
Além dos sintomas citados acima, há também:
Então, quais são as causas comuns que levam as pessoas a lesionarem o ligamento iliolombar?
É uma afecçãozinha difícil de diagnosticar. “(…) exames de imagem padrão, como raios-X e ressonâncias magnéticas, muitas vezes não conseguem detectar danos nos ligamentos”.
“Muitas pessoas acreditam que, se uma ressonância magnética for normal, a dor nas costas não deve ser grave. No entanto, muitas lesões de tecidos moles, incluindo lesões ligamentares, não aparecem nas ressonâncias magnéticas” ou em exames convencionais. Uma imagem “normal não significa que não haja um problema subjacente. (…) Muitos pacientes que sofrem de lesões do ligamento iliolombar recebem radiografias ou ressonâncias magnéticas que parecem normais, levando a diagnósticos equivocados e tratamentos ineficazes”. Portanto, “um exame clínico completo é necessário”.
Um clínico pode chegar a um diagnóstico adequado por simplesmente pressionar o ligamento para reproduzir a dor. Pode também avaliar os padrões de movimento para avaliar a estabilidade da região lombar e pélvica. Um médico, em alguns casos, pode fazer uso da chamada “injeção diagnóstica”: “injetar uma pequena quantidade de anestésico próximo ao ligamento pode ajudar a determinar se ele é a fonte da dor. Um clínico experiente (seja Quiropraxista, ortopedista e fisioterapeuta) que entenda a biomecânica da região lombar, pode fazer um diagnóstico preciso e recomendar opções de tratamento adequadas”.
Apesar de ser relativamente difícil de diagnosticar, não é tão difícil assim tratar — só tem que ter um certo traquejo. Não é passível de cirurgia. “Tratamentos não cirúrgicos eficazes concentram-se na estabilização da região lombar e na promoção da cura”:
“Para indivíduos que não encontram alívio suficiente com tratamentos conservadores, a medicina regenerativa oferece soluções poderosas. A proloterapia envolve uma série de injeções de dextrose que estimulam a cicatrização e fortalecem o ligamento. A terapia com Plasma Rico em Plaquetas (PRP) utiliza os próprios fatores de crescimento do paciente para reparar danos nos ligamentos e melhorar a função. Esses tratamentos estimulam a cicatrização natural e ajudam a restaurar a força dos ligamentos sem os riscos associados a esteroides ou cirurgia. Ao contrário dos métodos temporários de alívio da dor, a medicina regenerativa visa tratar a causa subjacente da instabilidade e da dor.”
“Outro equívoco comum é que apenas o alongamento resolverá o problema. Embora manter a flexibilidade seja importante, alongar excessivamente um ligamento já enfraquecido pode piorar a instabilidade. Em vez disso, exercícios de fortalecimento são mais benéficos. Algumas pessoas presumem que uma injeção de esteroides resolverá a dor, mas os esteroides fornecem apenas um alívio temporário e podem enfraquecer os ligamentos com o tempo.”
Mas… E a Quiropraxia? Pode ajudar?
Veja bem… Lembre-se que o ligamento iliolombar ajuda a estabilizar as vértebras lombares inferiores. Efetivamente ajustar L4 e/ou L5 talvez atrapalhe o processo de recuperação. Um bom plano de estabilização com manobras mais gentis podem ser de melhor valia.
E é por essas e outras que, em casos de dor lombar crônica e misteriosa, talvez seja importante considerar o papel do ligamento iliolombar. “Essa estrutura, muitas vezes negligenciada, desempenha um papel vital na estabilização da coluna e, quando lesionada, pode causar dor e disfunção significativas.”
Tratar conservadoramente é a solução. Cirurgia, como dito antes, não é indicada — muito menos para aumentar a circunferência do tronco e velocidade da tacada dos jogadores de golfe como visto em certos besteirois americanos.