Às vezes a gente gosta de assistir aquelas comédias bobinhas, água-com-açúcar mesmo. São filmes tidos como medíocres, esquecíveis até — mas que cumprem uma função especial de entreter sem ter que pensar muito sobre isso.

Considerem estas duas comédias abaixo, de 2009 e 2010, respectivamente. O tempo se encarregou de apagá-las da nossa memória. Também pudera: não foram absolutos sucessos de bilheteria. O que levaram-nas a ser mencionadas neste artigo é que, em uma delas, há um personagem Quiropraxista que se vê numa situação pouco edificante em pleno primeiro encontro; e na outra, um personagem cujo ator fracassa miseravelmente na tentativa de imitar uma crise de lombalgia.

  • Novidades no Amor (The Rebound, 2009) ambiciona ser um pouco mais do que aquela típica comediazinha xôxa de Hollywood. Mas acaba tornando-se justamente isto. A “novidade” é que o filme relata o romance entre uma mulher de 40 anos com dois filhos e um rapazinho de 24.

    Sandy (a deslumbrante e hoje meio sumida Catherine Zeta-Jones, de Zorro e ganhadora do Oscar™ de Melhor Atriz Coadjuvante por Chicago) é uma mulher supostamente bem-casada vivendo sua vidinha suburbana. Até descobrir que seu marido (Sam Robards) estava tendo um caso. Então nossa heroína faz as malas, leva seus dois filhos para Nova Iorque, aluga um apartamento acima de um Café onde trabalha Aram Finkelstein (o hoje também sumido Justin Bartha, da franquia Se Beber, Não Case), descola um emprego logo de cara, e vai tocando sua vida.

    Aram, por outro lado, não sabe o que fazer da sua. Passou por um divórcio recente: casara-se com uma francesa que só tinha interesse no visto de trabalho, e ainda por cima recebeu um corno monumental dela com um cara que fingia ser seu irmão. É formado, mas não exerce a profissão. E ainda por cima tem que aguentar a encheção de saco dos pais (Joanna Gleason e Art Garfunkel — sim, o mesmo da antiga dupla Simon & Garfunkel).

    Sandy é convencida por uma amiga que deveria começar a namorar de novo. Mas ela precisa de alguém que tome conta das crianças. E, depois de encher Aram de porrada durante uma aula de defesa pessoal, ela se convence que pode confiar nele o suficiente para ficar com os meninos.

    Chegamos então na parte escatológica do filme — e a que tem a ver com o tópico deste artigo. O primeiro encontro de Sandy é com um (ai!) Quiropraxista (John Schneider). O sujeito é uma fonte de bordões, mas é também bonitão e suave. Pelo menos até botar o olho num daqueles banheiros químicos. Aí bateu uma vontade irresistível de lá dos recônditos intestinais. Então, sem dar maiores explicações nem delongas, justamente quando ia beijá-la, o Quiropraxista resolve entrar no tal sanitário portátil para dar uma senhora evacuada. E, enquanto faz força lá dentro, continua a conversa romântica com Sandy, que, por sinal, tem mania de limpeza e horror a micróbios. Obviamente, o bom doutor sai do banheiro, não lava as mãos, e ainda acaricia o rosto da nossa heroína.

    Mas o suplício não termina por aí. O casal vai para um restaurante. O Quiropraxista cisma que Sandy está tensa e travada e resolve efetuar um (pasmem!) ajustamento cervical “de graça” ali mesmo em público. Então, ele introduz (estão preparados, caros colegas?) o dedo na boca dela e gira seu pescoço em quase 180° — ressalte-se, com a mesma mão que ainda não havia sido lavada… É ou não é o ponto mais baixo da nossa profissão no cinema? Claro, a intenção do diretor era provavelmente explorar o conflito entre a mania de limpeza e péssimos hábitos de higiene. Mas, para este que vos escreve, chocante mesmo foi assistir à barbárie que chamaram de “ajustamento cervical” feito por um Quiropraxista cagão. E o que é pior: as cenas nem são tão engraçadas assim.

    O restante é mais ou menos previsível. Sandy e Aram se apaixonam. Ela dá uma lição de moral no marido e começa a subir de carreira. Porém, os pombinhos ainda têm que vencer alguns percalços. Hollywood nunca vai deixar barato um cara mais novo ter um relacionamento estável com uma mulher mais velha. Aram, então, tem que correr o mundo para se encontrar e sentir-se pronto para encarar tamanho desafio. Parece até que manter um relacionamento com Catherine Zeta-Jones precisasse de qualquer sacrifício. Não haveria problema, é claro, se fosse o contrário.

    Lembram-se do filme Armadilha (Entrapment, 1999), em que a mesma atriz mais jovem fazia par com o saudoso (e bem mais velho) Sean Connery? ELE não precisou de “um tempo” para provar que estava pronto. O que se há de fazer? Coisas de Hollywood…

  • Um Jantar para Idiotas (Dinner for Schmucks, 2010) foi uma refilmagem bem menos inspirada da celebrada comédia francesa Le Dîner de Cons (1998) — que, por sua vez, foi adaptada de uma peça de teatro. Tim (Paul Rudd) é um mediano analista financeiro que almeja galgar os degraus do mundo corporativo. Tal oportunidade aparece quando consegue arrebatar um cobiçado cliente e assim ganhar a confiança de seu patrão (Bruce Greenwood). Este então convida Tim para um jantar.

    Não é qualquer funçãozinha à toa, não. É um banquete que um seleto grupo de executivos oferece a algumas pessoas notáveis — o chamado “jantar para vencedores”. O gancho do filme é a abrangência do termo “notável”. O propósito do jantar, na verdade, é tirar sarro de criaturas esquisitas e esdrúxulas. E o mais bizarro leva um troféu para casa. Claro que nenhuma destas almas desafortunadas está ciente que é alvo de gozação.

    No começo Tim reluta, mas um capricho do destino testa sua ambição. Ele tromba (com seu carro) em Barry, um funcionário da Receita Federal americana que também é taxidermista nas horas vagas. O hobby deste sujeito consiste em procurar ratinhos mortos pela cidade, para depois empalhá-los em poses imitando situações cotidianas, como pedalar, fazer piquenique, trabalhar ou se bronzear. Barry, claro, foi ainda mais além: resolveu fazer representações dos ratinhos em obras de arte como a Última Ceia e Mona Lisa de Da Vinci ou O Grito de Münch.

    Além desta peculiaridade, Berry é abobalhado, ingênuo, trapalhão e um absoluto desastre ambulante. Interpretado por Steven Carrell, é basicamente uma repetição do seu personagem Michael do extinto seriado The Office (2005-2013). Definitivamente não é um de seus melhores momentos. Só que Barry, debaixo desta demente cobertura, esconde uma alma sofrida e amargurada, que se recupera de uma perda traumática.

    Depois do encontro inicial, Berry cola em Tim. E basicamente vira sua vida de pernas pro ar. Num dos muitos momentos sem graça do filme, ele consegue machucar a coluna do analista financeiro. O que vemos depois é uma série de situações em que Tim tenta se levantar e andar, mas de uma maneira tão tosca que nota-se definitivamente não haver pesquisa nenhuma de como uma pessoa com dores de coluna realmente age. O colete que ele põe depois é ridículo. As cenas passam longe do engraçado. E o pior é que a lombalgia miraculosamente desaparece no decorrer do filme (a versão francesa também não é melhor, não).

    Para tentar arrancar algumas risadas da platéia, algumas comédias fazem troça de dores de coluna, como a cena em que o personagem principal de The Answer Man (2009) anda de quatro pela cidade em busca de socorro (ver Artigo 58). Na opinião deste humide escriba, seria até talvez mais engraçado imitar uma posição antálgica real do que recorrer a expedientes insípidos — apesar de que crises de coluna não tendem a ser lá muito engraçadas (exceto talvez em algumas raras situações, como nestas retratadas no Artigo 71). O único filme que se preocupou em pesquisar a linguagem corporal de uma pessoa com lombalgia foi Soul Kitchen (2009) — isto porque o próprio diretor sofria da coluna (ver Artigos 33, 143 e 184). Mas, enfim… Como argumentar com clichés e fórmulas?

    O filme só não foi uma perda total por causa de Zach Galifianakis (Se Beber não Case e Um Parto de Viagem). À época do seu lançamento, o ator era a sensação do momento da comédia americana, e rouba as poucas cenas em que aparece. Ele interpreta um afetado e aloprado colega rival de Barry. Alegando ser “leitor de mentes”, leva a platéia ao delírio com um simples olhar ou um mero arquear de sobrancelhas.

    Paul Rudd e Steven Carrell já trabalharam juntos na comédia O Virgem de 40 anos (2005), por sinal um filme bem mais engraçado. Talvez o erro de Um Jantar para Idiotas tenha sido mudar muito o roteiro do original francês. Entornou o caldo.

    Interessante é que seu diretor, Jay Roach, era bem prolífico na época e fez carreira dirigindo comédias americanas. Fez o sofrível 000 – Um Agente Nada Discreto (1997); sua excelente continuação Austin Powers – O Agente “Bond” Cama (1999); o competente Entrando numa Fria (2000) e sua razoável sequência Entrando numa Fria Maior Ainda (2004). Andou produzindo também alguns filmes, destacando-se aí dois veículos do comediante Sacha Baron Cohen: o hilariante Borat – O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América (2006) e o histericamente engraçado (e chocante) Brüno (2009). Mas realmente pisou na bola com Um Jantar para Idiotas.

    Depois disso, deixou de ser tão prolífico. Dirigiu poucos filmes desde então, mas dentre eles, obras de qualidade, como Trumbo (2015) e O Escândalo (Bombshell, 2019) — que renderam indicações ao Oscar™ para Brian Cranston (o eterno Walter White de Breaking Bad). Charlize Theron e Margot Robbie.

Em suma, são 2 filmes menos engraçados do que pretendem ser. Tirando o Quiropraxista sem-noção de um e a crise de lombalgia fajuta do outro, essas ditas obras viraram mesmo uma nota de rodapé no currículo dos que participaram delas — mas ainda assim dignas de alguma menção. Pelo menos por aqui..