Robert Crumb simbolizou os anos 60. Expoente do movimento underground dos quadrinhos americanos, contestador, sujo e com uma pitada de depravação, o ilustrador ganhou fama por desenhar Fritz the Cat, um gato boa vida e meio que chegado a orgias. Antes, idealizou a revista artesanal Zap Comics, a qual vendia nas ruas de San Francisco num carrinho de bebê. O sucesso de Fritz the Cat assustou Crumb. Após autorizar um filme baseado no personagem, odiou o resultado, encheu o saco e “matou” o tal gato em 1972.
O legendário cartunista esteve no Brasil em 2010. Foi um dos convidados da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP). Naquele ano seu público encostou na casa dos 30.000 mil. O evento foi um tremendo sucesso — fruto do árduo trabalho da Associação Casa Azul, mentora do projeto, que criou o evento em 2003. A cidade teve até dificuldades de abrigar tanta gente.
A editora Conrad, responsável pela publicação dos trabalhos de Crumb, aproveitou sua visita para lançar Meus Problemas com as Mulheres (estas sempre retratadas como voluptuosas, de pernas grossas e bem maiores do que o autor), e relançar Kafka de Crumb, bem como assinar a obra Gênesis (baseada no primeiro livro do Velho Testamento).
Os ingressos para sua mesa na FLIP se esgotaram no primeiro dia de vendas. Mas quem foi se decepcionou. O cartunista estava taciturno e macambúzio a maior parte do tempo. Respondia evasivamente e com monossílabos. Juntamente com o consagrado cartunista Gilbert Sheldon, autor dos “Freak Brothers”, não deram muita bola para o público, que, por sinal, começou a sair antes da hora.
Quando o jornalista Sérgio D´Ávila, mediador do encontro, o informou do encerramento, Crumb pulou da cadeira e caiu fora. Foi um anticlímax para quem esperava uma explosão de histórias do underground americano dos anos 60. Uma pena.
Crumb foi alvo de um documentário homônimo em 1994. A obra retratava sua família pra lá de disfuncional. Mas o foco era nele e nos seus dois irmãos. Um era completamente agorafóbico e não saía de seu quarto há anos. Exímio desenhista, suicidou-se logo após o término das filmagens. Foi a inspiração de Crumb, fato admitido por ele no filme. O outro irmão, natureba de carteirinha, engolia um barbante para poder segurá-lo simultaneamente perto da boca e do ânus. Justificava como um processo de limpeza. O pai, extremamente severo (já falecido) e a mãe, superprotetora completavam o quadro. As irmãs se recusavam a gravar entrevistas.
Não obstante, a película ganhou o Grand Jury Prize no festival de Sundance, e tornou-se, na época, o terceiro documentário de maior sucesso comercial nos Estados Unidos. Mas não foi nominado ao Oscar. Apesar da premissa depressiva, o filme é realmente muito bom.
Foi dirigido por Terry Zwigoff, que conhecia Crumb por mais de vinte anos. Na época, o diretor sofria de uma forte ciática que quase o enlouqueceu. É um mistério como uma pessoa tão atormentada pudesse fazer um documentário tão singelo. Há um boato, inadvertidamente espalhado pelo crítico de cinema Roger Ebert, que Zwigoff só conseguiu a autorização de Crumb após ameaçar matar-se com um tiro na cuca. Um homem com dor é capaz de tudo. O que uma radiculite violenta não faz…
Terry Zwigoff divide com Robert Crumb a paixão pelos blues. Chegaram até a gravar um disco juntos. O diretor realizou depois dois ótimos filmes: o curioso Ghost World (2001) e o anárquico Papai Noel Ás Avessas (Bad Santa, 2003). Não é lá muito prolífico, mas seus filmes são bons. É um diretor competente.