Nos filmes (isso já foi dito antes), exagera-se tudo. O zumbido de moscas, por exemplo, sempre é associado com alguma coisa morta. O médico legista é visto freqüentemente comendo um sanduíche enquanto disseca cadáveres. Há um monte de gente jogando pratos pela janela e comida pelo chão da casa num rompante de raiva. Rasgam a roupa quando fazem amor, explodem carros, ou dizem frases de efeito como “hasta la vista, baby”. Tudo é permitido em Hollywood. O senso de “realidade” é elevado à enésima potência. E, claro, não poderia ser diferente nas películas cujos enredos envolvam Quiropraxistas.

Manipulações vertebrais mostradas nos filmes hollywoodianos são, no mínimo, bizarras. As técnicas de Quiropraxia em filmes como Ed Wood (ver Artigo 33 e Artigo 83) ou Quem vai Ficar com Mary são mostradas de maneira exagerada e feitas toscamente (decerto para causar impacto, com belos e ensurdecedores efeitos sonoros — não muito diferentes destes Instagrams e Tik Toks aí da vida…). A realidade é distorcida e amplificada, tais quais os clichés descritos no primeiro parágrafo.

Mas existe um filme meio obscuro de 1990 que pelo menos fez alguma pesquisa sobre técnicas de Quiropraxia e se preocupou em mostrá-las com alguma autenticidade.

A bem dizer da verdade, pesquisa foi também feita por Jon Cryer para viver o Quiropraxista atabalhoado Alan Harper em Dois Homens e Meio. Mas por mais que as técnicas de ajustamento pareçam verossímeis, todo o trabalho se perde em meio da crescente ridicularidade do personagem… (Ver Artigo 98 )

Alucinações do Passado (Jacob’s Ladder), não. Este mostra um Quiropraxista como deveria ser — e talvez tenha sido o único filme até hoje que tenha retratado nossa profissão assim. Dirigido por Adrian Lyne (de Flashdance e Atração Fatal), trata da desintegração psicológica de um veterano da guerra do Vietnã chamado Jacob (Tim Robbins, antes do Oscar por Sobre Meninos e Lobos). Enquanto soldado, o protagonista foi traumatizado por um episódio não esclarecido até o final do filme. E não consegue superar isso. Seu casamento se esfacela após seu filhinho morrer num acidente. Apesar de ter estudado e obtido um doutorado, trabalha numa função subalterna nos correios, onde se envolve com uma colega (Elizabeth Peña). A pobre coitada vai ter uma tremenda barra para segurar, pois Jacob começa a ter (ou não) alucinações. Um metrô quase o atropela. Carros o perseguem. Demônios sem face não o deixam em paz. Amigos começam a morrer misteriosamente.

O filme é construído de tal maneira que coloca a gente na mesma situação do protagonista. Evoca um estado paranóico – esquizofrênico raramente visto no celulóide. Será verdade o que Jacob vê? Ele foi mesmo vítima de um experimento em Vietnã (o tal “episódio”)? Ou é tudo fruto de uma mente doentia acoplado à estresse pós-traumático?

O filme, escrito por Bruce Joel Rubin (logo antes do Oscar de Roteiro Original por o mesmo de Ghost – do Outro Lado da Vida), não fez muito sucesso e acabou meio que esquecido.

O título original, Jacob’s Ladder, remete ao livro do Gênesis em que Deus coloca uma escada para Jacó ascender ao céu. Só que o Jacob do filme parece ficar dividido entre duas escadas — a que vai pro céu (sanidade), ou a que o leva à um inferno de alucinações induzidas por drogas.

Pois bem. Vamos ao que interessa, então.

Jacob se trata com um Quiropraxista chamado Louis (o saudoso Danny Aiello, indicado ao Oscar de Melhor Ator Coadjuvante por Faça a Coisa Certa). O bate-papo entre eles proporciona raros momentos de paz para o nosso herói. Aiello fez o dever de casa e pesquisou extensamente o seu papel. As técnicas que ele usa ao ajustar Jacob são, sim, totalmente verossímeis. Portanto, Alucinações do Passado carvou seu nicho na história do cinema como um dos poucos filmes em que um ajustamento de Quiropraxia foi mostrado como realmente é (como em Soul Kitchen, que mostrou uma crise de coluna bem pautada na realidade — ver Artigo 143).

Mas, claro, Hollywood não perdoa facilmente tamanha exatidão. Para equilibrar a balança do absurdo, foi inserida uma cena no filme em que Jacob se acidenta e vai parar em tração num hospital. Louis invade o tal hospital gritando feito um alucinado “que este tipo de tratamento é medieval”, e resgata heroicamente Jacob de lá — para os confortantes braços (mãos?) da Quiropraxia (e do bate-papo).

Vêem a augmentação exagerada da “realidade”? Será preciso uma situação absurda como esta para manter o filme interessante e supostamente entreter o espectador? Só mesmo em Hollywood…

Mesmo com este pequeno tropeço, ainda assim vale a pena conferir esta pequena pérola.