Antoine-Laurent de Lavoisier (1743-1794) foi um célebre químico francês e é considerado o criador da Química moderna. É dele aquela famosa frase que define o princípio de conservação da matéria: “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Pena que o pobre coitado foi guilhotinado pela Revolução Francesa — mas isso já é outra história. Voltemos ao foco de nosso artigo.
Esta máxima de Lavoisier é praxe em Hollywood. Idéias são requentadas a torto e a direito, como sobras do jantar de ontem. E olha que não estamos falando de refilmagens. É repetição de enredo pura e simples. O Estranho Caso de Benjamin Button (2008), por exemplo, tem arremedos de Forrest Gump (1994). Até Army of the Dead (2021), lançado no Netflix, copia sem nenhuma cerimônia Aliens, O Resgate (1986). Isso sem falar nas muitas comédias românticas de, por exemplo, Meg Ryan, Katherine Heigl ou Matthew McConaughey (antes do Oscar, ressalte-se) — todas com aquela fórmula batida de farsa, conflito e resolução. E por aí vai… Nada se cria, tudo se copia.
Considerem então o roteiro do ótimo Melhor é Impossível (1997). Escritor consagrado de estórias melosas direcionadas ao público feminino, Melvin Udall (Jack Nicholson), é também um sujeito preconceituoso, grosseiro e sarcástico. E obsessivo-compulsivo de carteirinha. Apaixona-se por sua garçonete Carol (Helen Hunt), que tem um filho engraçadinho. Sua convivência com ela e com o cachorro do seu vizinho gay Simon (Greg Kinnear), faz de Melvin uma pessoa melhor.
Agora, diletos leitores, eis que foi lançado 12 anos depois um filme chamado The Answer Man, que nem chegou a ser distribuído direito no Brasil. Considerem o roteiro: escritor consagrado de um livro famosíssimo de autoajuda Arlen Faber (Jeff Daniels), é um sujeito misantropo, intratável e recluso. E beirando a agorafobia. Apaixona-se por sua Quiropraxista Elizabeth (Lauren Graham), que tem um filho engraçadinho. Sua convivência com ela e com um dono de livraria alcoólatra e recém-saído da reabilitação Kris (Lou Taylor Pucci) faz de Arlen uma pessoa melhor. Soa familiar? Quem disse que Lavoisier e Hollywood não combinam?
O título The Answer Man, nunca traduzido, é algo como O Homem das Respostas — um cara que tem (ou que deveria ter) todas as respostas (já que escreveu, não um, mas o livro de autoajuda).
Sacaram que o interesse amoroso do protagonista é uma Quiropraxista? Pois é. Faber dá um piripaque na coluna. Morrendo de dor, e sem ter ninguém que se prontifique a levá-lo no pronto-socorro, o escritor engatinha (isso mesmo!) pela cidade até encontrar uma pequena clínica. Morta de felicidade por ter atendido seu primeiro paciente, a Dra. Elizabeth, Quiropraxista, consegue colocá-lo na maca (o que chamamos de “mesa”), ajusta-o, e “tira a dor com a mão” (literalmente). Faber fica deslumbrado e eventualmente irá se apaixonar. O resto é cliché.
O filme não é lá estas coisas. Nada do que já não vimos antes. Interessante mesmo é o gancho da mocinha ser Quiropraxista. Até então a profissão era retratada apenas como uma coisa pitoresca. Os Quiropraxistas nos filmes eram exóticos, excêntricos, neuróticos ou milagreiros. Mirem-se nos exemplos desses filmes: o amigo cara-de-espinha de Ben Stiller em Quem Vai Ficar Com Mary? (1998); o dublê fajuto do legendário e decadente Bela Lugosi em Ed Wood (1994); e o único e inacreditavelmente competente amigo de Tim Robbins em Alucinações do Passado (1990).
O ingresso da Quiropraxia em um grande projeto de Hollywood se deu com Dois Homens e Meio (Two and a Half Men), série televisiva de sucesso que começou em 2003 e terminou em 2015. Mas nosso quiro de plantão na série, Alan Harper (Jon Cryer), não era exatamente uma pessoa bem adaptada, e sim um sujeito sem nenhum caráter, aproveitador, parasita e, não querendo fazer trocadilho, spineless — um autêntico invertebrado!
Esta expressão em inglês, spineless, aliás bem propícia, saborosa e apropriada para descrever este personagem em questão, pode ser traduzida como um sujeito sem um grama de fibra, bem sangue de barata mesmo!
The Answer Man, mesmo sendo uma comédia água-com-açúcar, pelo menos teve a decência de fazer alguma pesquisa. O local de trabalho da Dra. Elizabeth se parece realmente com um consultório de Quiropraxia. Até os pôsteres são os mesmos que os nossos. As manobras de manipulação articular também foram estudadas com algum afinco. Claro que nada é perfeito. A personagem realizou um ajustamento torácico na região lombar. Houve alguma massoterapia. Mas, no mais, até onde se sabe, foi provavelmente o filme que mais se deu ao trabalho de descrever com relativos detalhes uma consulta de Quiropraxia.
Assistam, se tiverem chance. Nem que seja para apreciar o consultório da heroína.