No filme Sobrou pra Você (The Next Best Thing, 2000), Madonna interpreta uma solitária professora de ioga. Para impressioná-la, um paquera resolve frequentar uma de suas aulas. Acostumado com musculação pesada, o mancebo pensava que ioga seria moleza. Ledo engano. No final da aula, o pobre coitado estava empapado de suor e mal podia andar.
Nesta época, Madonna andava difundindo e se entusiasmando com a ashtanga ioga (“power yoga” em inglês). Trata-se de um dos estilos mais modernosos da modalidade. Ela “prima pela movimentação absoluta, (e) é quase uma aula de aeróbica”. Por consequência, pode também machucar.
“Desde que se popularizou no Ocidente, a partir da década de 1920, a ioga se firmou pelo democrático potencial reabilitador. Parecia ideal para pessoas com dores crônicas ou que haviam se machucado em outras modalidades esportivas e procuravam uma atividade em que reinasse o bom-senso, em que os excessos e descuidos de academias de ginásticas não tivessem espaço” (Revista ÉPOCA, 13/02/2012).
Mas, aparentemente, ioga pode não ser tão inofensiva assim. A fim de realizar algumas de suas famosas posturas, articulações são, muitas vezes, forçadas além “dos limites físicos do praticante”.
“As evidências científicas sugerem que a ioga pode ser mais perigosa que outros esportes porque as lesões são extremas”, afirma o jornalista americano William Broad, autor do polêmico livro de 2012 The Science of Yoga (A ciência da ioga). Exagero? Talvez. Mas, na opinião do ortopedista Selene Parekh, então pesquisador da Universidade Duke, nos estados Unidos, o problema não é a ioga em si, e sim o fato de não existir uma disseminação cultural massificada desta prática fora do oriente. Os ocidentais “não têm o costume de ficar em posturas que promovem alongamento e flexibilidade, como sentar no chão com as pernas cruzadas”, teoriza.
Ainda assim, como qualquer modalidade que não seja feita corretamente, ioga pode machucar. Um estudo de 2009, realizada pela Escola de Médicos e Cirurgiões da Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos, mostrou que “a maior parte das lesões mais sérias se concentram na região lombar, nos ombros, nos joelhos e no pescoço”. E pode acontecer até nas pessoas mais experientes num momento de deslize. O “iogue uruguaio Pedro Kupfer, uma das principais referências da prática na América do Sul, sofreu uma lesão na coluna, na altura do cóccix, ao executar uma das posturas mais avançadas, a chakra bandhasana”.
Então, devemos então evitar fazer ioga? É óbvio que não. Apesar dos alertas no livro de William Broad, o número absoluto de lesões causadas pela ioga é estatisticamente muito pequeno. “Já atendi pacientes que se machucaram ao fazer ioga, mas a quantidade está longe de ser comparadas com a de lesões causadas por outros exercícios, como corrida, ciclismo, natação ou musculação”, afirma o ortopedista americano David Geier, porta-voz da Sociedade Americana de Ortopedia para Medicina Esportiva. “Nos últimos três anos, num universo de 3 mil pacientes, atendi menos de nove que se machucaram numa aula de ioga”, diz o ortopedista Rogério da Silva, diretor da Sociedade Brasileira de Artroscopia e Traumatologia do Esporte. “Qualquer atividade pode provocar lesões”, atesta. “Até caminhadas consideradas leves, podem prejudicar se não forem feitas com tênis adequado e na medida certa para cada pessoa”.
O fato é que há pessoas por aí que estão ensinando ioga sem aprofundamento adequado (parece familiar?). “A maior parte dos novos instrutores fez ‘cursos’ de alguns meses, nos quais o ensino das posturas é supervalorizado”, observa a instrutora da Universidade Federal do Rio de Janeiro Camila Ferreira-Vorkapic. É importante escolher bem seu professor. Quiropraxia pena também por ter gente sem formação adequada “estalando” colunas por aí.
Mas igualmente importante é respeitar o grau de flexibilidade do próprio corpo. “’Nossa coluna não é igual, assim como nossas articulações e a amplitude de movimentos que elas nos dão’, afirma o instrutor Marcos Rojo, pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. ‘Numa prática de ioga, a única coisa que tem que ser igual para todos é a sensação de bem-estar.’” Amém para isso.