Com todas as informações disponíveis hoje em dia, a expressão “hérnia de disco” ainda carrega um peso bastante negativo. As pessoas tremem de medo à menção de tão famigerado nome — e isto dá vazão a um sem-número de lendas urbanas (até mencionaremos uma ou outra neste artigo). Mas em realidade, hérnia de disco não é nenhum bicho de sete cabeças — e, de certa forma, é inerente a todos nós. Não é nada mais do que uma consequência “natural” de andarmos eretos.
Melhor conhecer a besta antes de combatê-la. O ser humano típicamente possui 23 discos intervertebrais. Não tão curiosamente, há 24 vértebras na nossa coluna.
Não existe disco entre a 1ª e a 2ª vértebra cervical. Disco não combina muito com rotação, e o processo odontóideo de C2 (e sua conseqüente função de rotação da cabeça) cumpre bem o seu papel de estabilizador do segmento C1/C2.
O disco exerce várias funções, entre elas:
O disco é uma estrutura mais ou menos redonda (alguns acham o formato parecido com um feijão). É composto de 02 partes:
Vale ressalvar que o disco praticamente não tem irrigação sanguínea. A enervação é limitada (só o nervo meningeal recurrente enerva a parte externa do anel fibroso). O disco consegue seus nutrientes por meio de difusão entre os corpos vertebrais. E esta difusão ocorre com movimento vertebral (quando andamos, corremos, sentamos, etc.).
Ao dormirmos, a musculatura deveria relaxar e permitir uma “expansão” do disco — expansão esta que sofre retração ao longo do dia. Este “efeito sanfona” promove bem a difusão.
Considere por um momento o que acontece quando um segmento vertebral “trava”, ou quando não há lordose apropriada e o centro de gravidade faz com que o disco carregue 2/3 de peso ao invés de 1/3 como deveria ser. Ou quando no decorrer de nossas vidas desenvolvemos vícios posturais que vão desviar nossa coluna daquilo do que é biomecanicamente ideal.
Bem, sem movimento adequado, difusão não ocorre como deveria. Sem difusão, o disco não absorve nutrientes. Sem nutrientes (e ainda por cima com carga excessiva), ele começa a desidratar. E desidratação é a base da discopatia degenerativa. Com isso, o disco perde altura, suas fibras de Sharpey perdem vigor (nas radiografias vemos que as vértebras não ficam mais “alinhadas”). E o mais importante: seu anel fibroso enfraquece, aparecendo rachaduras, por onde eventualmente o gel do núcleo pulposo vaza, causando uma espécie de calombo — ora que pressiona a raiz nervosa, ora que gera acúmulo de lixo metabólico causando inflamação local e radiculite química. Seja o que for, tende a gerar dor irradiada para o nervo que a raiz eventualmente se torna.
Às vezes, no afã de explicar para o paciente o que é discopatia degenerativa, alguns profissionais usam o termo “sua coluna está perdendo líquido”. Isso, considerando a experiência do leigo, faz com que o pobre coitado entre em pânico e imagine uma espécie de vazamento. Mesmo com boas intenções, o tiro acaba saindo pela culatra, gerando mais angústia e preocupações.
Entre todos os tipos de exames capazes de visualizar e fechar um diagnóstico de hérnia de disco destacamos aqui três: mielografia, tomografia computadorizada e principalmente ressonância magnética (este último costuma deixar muito pouca margem de erro no laudo). Mas é possível deduzir que há alguma coisa errada com o disco com uma simples radiografia. Basta analisar se há diminuição do espaço deixado pelo disco ou “desalinhamento” vertebral (stairstepping) causado por enfraquecimento das fibras de Sharpey pela discopatia degenerativa.
Só que as pessoas acometidas por algum tipo de envolvimento discal, antes mesmo de fazer os exames complementares, exibem certos sinais e sintomas facilmente reconhecíveis — do momento que entram na sala de consulta à realização da anamnese. Tipicamente há:
Vale frisar que a dor que a pessoa sente, por incrível que pareça, independe da magnitude ou quantidade das hérnias discais. A dor ou sintomatologia, nestes casos, depende muito da fisiologia, bagagem emocional ou herança cultural do indivíduo. E também, por incrível que pareça, que 40% da população convive com uma hérnia de disco sem sintomatologia.
Isso porque num segmento vertebral biomecanicamente são haverá mobilidade, e, portanto, adaptabilidade. Ameniza compressão e minimiza acúmulo de lixo metabólico.
Dito isso, a única maneira de eliminar a hérnia de disco totalmente e radicalmente é realmente com intervenção cirúrgica. Entretanto, a discopatia degenerativa permanece e mais cedo ou mais tarde ocorrem reincidências. Por isso, estima-se que somente 15% das cirurgias de hérnia de disco são bem-sucedidas a longo prazo. E só deveriam ser consideradas se houver algum comprometimento neurológico importante (tipo perda de algumas funções vegetativas, como controle de micção ou defecação).
Terapia medicamentosa, sob a devida supervisão de ortopedistas ou neurologistas, pode ser indicada com algum benefício em certos casos de crise aguda, mas por tempo predeterminado — pois o uso crônico acarreta uma miríade de outros problemas, entre eles estomacais.
Isso sem falar em certos medicamentos que foram retirados do mercado por causa de efeitos colaterais não previstos originalmente.
Com tratamento conservador, não há cura, mas gerenciamento (com percentual de resolução bem mais alto do que a cirurgia em si, ressalte-se). O tratamento da hérnia discal consiste em fortalecimento e alongamento muscular, manipulações específica da coluna (ajustamentos com Quiropraxia), crioterapia (aplicações de gelo), e, muito importante, reeducação dos hábitos posturais.
Da mesma forma que o disco leva anos para degenerar, é de se esperar que um tratamento não seja exatamente rápido. O processo de reeducação postural e reabsorção da hérnia discal podem levar meses para acontecer. Como a sintomatologia subside em poucas semanas, o paciente frequentemente não conclui o tratamento. Isso o leva, mais cedo ou mais tarde, a sofrer nova crise de coluna.
E mesmo os que cumprem o tratamento à risca, apesar de raramente acontecer, não estão totalmente livres de sofrer algum tipo de reincidência. Mas tende a ser de curta duração e de intensidade bem mais leve.
É de suma importante que a pessoa acometida de hérnia discal tenha acesso amplo a informações pertinentes ao seu caso para formar uma opinião balanceada sobre o problema e poder tomar as decisões adequadas sem precipitação ou pânico.
Afinal de contas, manter a coluna livre de dores requer eterna vigilância.