A partir do momento em que começamos a andar ereto, desenvolvendo assim a lordose lombar (tão exclusiva do homo sapiens), a quinta vértebra lombar foi alçada a uma condição até então inédita num vertebrado: assumiu a função de uma espécie de pivô no centro de gravidade do ser humano.

Pra quem está chegando agora: as 24 vértebras da coluna (07 cervicais, 12 torácicas, e 05 lombares) são numeradas de cima para baixo. Portanto, a primeira vértebra lombar está localizada acima da segunda, sucessivamente, até chegar a quinta (e última) vértebra lombar, doravante denominada de L5.

A localização de L5 a fez extremamente suscetível ao estresse em que é submetida. A quinta vértebra lombar tem uma aparência peculiar, mais troncuda e atarracada do que as demais, facilmente reconhecível quando vista separadamente. Nos evoca a imagem de um sujeito baixinho e troncudo, de enorme força — como o Wolverine dos quadrinhos. E é o que L5 foi criada e desenvolvida para ser: uma vértebra que suporta enorme carga, justificando assim sua aparência.

Em termos evolutivos, a aparência de L5 é justificada por sua função. Jules Wolff (1836–1902), famoso anatomista alemão de seu tempo, postulou o que chamamos de Lei de Wolff que diz:

“toda mudança na forma e na função de um osso ou SOMENTE NA SUA FUNÇÃO, é seguido por certas mudanças definidas na sua arquitetura interna e alterações secundárias na sua conformação externa.”

Contudo, da mesma maneira que a função (como reza a Lei de Wolff)  moldou L5 na sua aparência atual, também deixou-a vulnerável a certas variações e eventos. Comparada às suas outras colegas, a quinta vértebra lombar é sujeita a um percentual relativamente alto de anomalias, como: transicionalização (lombarização e sacralização), espinha bífida oculta, tropismo interfacetário, entre outros.

Observem que anomalias não são, necessariamente, patologias. São simplesmente defeitos de nascença e alguns podem estar embebidos no código genético do paciente. Isto significa que, se um pai ou uma mãe possuem certas anomalias na quinta vértebra, muito freqüentemente alguns de seus filhos também as herdarão.

Uma coisa interessante, é que alguns destes tipos de anomalias simplesmente não são mencionados num laudo radiológico, provavelmente por não terem cunho patológico. Mas estas anomalias nos dão informações importantíssimas sobre a CAUSA daquele tal  “probleminha” de coluna que aflige o paciente por tantos anos.

  • Transicionalização:

    É quando L5 assume contornos e características do sacro (sacralização) ou quando o 1º segmento sacral assume contornos e características lombares (lombarização). Por isso, ao invés de 26 segmentos móveis (24 vértebras, 01 sacro, 01 cóccix), o paciente pode ter “25” (com sacralização) ou “27” (com lombarização). Funcionalmente, seria como ter quatro ou seis vértebras lombares ao invés de cinco. Quando a transicionalização é parcial, observa-se freqüentemente a presença de megapófise, que é basicamente o processo transverso lombar adquirindo contornos da ala sacral, presente em muitos laudos radiográficos.

    O fenômeno da megapófise não é exclusivo da região lombar. Pode ocorrer na 7ª vértebra cervical por razões similares.

  • Espinha Bífida Oculta:

    Trata-se de uma falha num centro secundário de ossificação em que a apófise ou  processo espinhoso não se forma completamente, causando uma espécie de fenda. Contrario da Espinha Bífida Vera (versão neurologicamente mais complicada e até potencialmente fatal), na oculta, a medula espinhal e suas membranas (dura mater, aracnóide, e pia mater) são contidas no canal vertebral — o que faz Espinha Bífida Oculta ser praticamente inofensiva.

    Algumas fontes, porém, citam os portadores da Espinha Bífida Oculta propensos a ter instabilidade lombo-sacra, e conseqüente problemas de coluna. Mas não há consenso sobre isso.

  • Tropismo Interfacetário:

    Estranhamente ausente nos laudos radiográficos nacionais, tem importante influência na biomecânica correta de L5 (que, a bem dizer da verdade, interessa mais a Quiropraxistas). A direção das articulações zigapofiseais é, na maioria das vezes, ambas no sentido coronal ou no sentido sagital. Tropismo se dá quando UMA destas  articulações se desenvolvem no sentido coronal e a OUTRA no sentido sagital. Como conseqüência, L5 fica biomecanicamente limitada, podendo o disco degenerar-se prematuramente.

    O plano coronal ou sagital de cada uma dessas articulações zigapofiseais influencia na maneira em que o paciente pode ser ajustado — daí a relevância de um Quiropraxista saber prontamente identificar um tropismo.

  • Espondilólise e Espondilolístese:

    Esses não são bem anomalias congênitas, mas são também escravas do regimento imposto pela Lei de Wolff. Em algumas pessoas, o pars interarticular (que fica na região do arco da vértebra entre os processos articulares superiores e inferiores) sofre um estresse desmedido e simplesmente cede. Ou melhor, ocorre uma fratura por estresse — na sua vasta maioria durante a prepuberdade. O corpo vertebral fica então “separado” do resto do arco posterior — o que caracteriza a Espondilólise. Quando ocorre “deslizamento” do corpo vertebral, é chamado de Espondilolístese, e quanto maior for este “deslizamento” maior o grau de Espondilolístese (Graus I, II, III, IV — ou no caso de “deslizamento completo”, V). Apesar de algumas pessoas conseguirem viver com esta anomalia sem sintomatologia, ficam definitivamente predispostas a desenvolverem dores de coluna pelo desgaste prematuro do disco. E, ás vezes, quando a causa é degenerativa ou traumática, pode até precisar de intervenção cirúrgica!

    Um parêntese: na Espondilolístese Degenerativa (também chamada de Pseudoespondilolístese) não há separação do pars. Mas o estresse imposto pelo desgaste e degeneração nas articulações zigapofiseais pode causar um “remodelamento” ósseo (olha a Lei de Wolff aí de novo) e obtusar o ângulo entre o pedículo e o pars.

    Outro parêntese: o termo “Espondilolístese” está meio ultrapassado, sinceramente. Hoje em dia, seria mais correto usar a palavra Anterolístese. Porque há ocasiões em que a instabilidade causada pela degeneração discal faz com que a vértebra se projete posteriormente. Então, tecnicamente, Espondilolístese pode se referir a um deslizamente anterior ou posterior.

A importância clínica de cada uma destas anomalias citadas acima é a instabilidade que pode causar na região lombossacra. Esta instabilidade acaba por aumentar o estresse no disco intervertebral, contribuindo para um prematuro processo de discopatia degenerativa (desgaste do disco) que deveria ocorrer de maneira relativamente natural com o decorrer dos anos. Os discos mais afetados são, claro, os acima e abaixo de L5. Não é à toa que a maioria das hérnias discais estão localizadas entre os segmentos de L4/L5 e L5/S1.

Vejam só quantos excessos o corpo comete em cima da quinta vértebra lombar em nome da toda-poderosa Lei de Wolff! Localizada num ponto-chave do nosso centro de gravidade por sermos eretos, L5, além de se sujeitar à Lei de Wolff, é também refém da famigerada Lei de Murphy.