Sofrer uma fratura compressiva numa vértebra da coluna não é bolinho. O achatamento irremediavelmente altera a biomecânica, deixa o sujeito com dores crônicas e com a necessidade de manter sempre a musculatura paravertebral tonificada para melhor sustentar a fragilizada coluna vertebral. Tende a ser bastante dolorido. Mesmo que a fratura seja considerada estável e raramente ofereça algum risco neurológico, é realmente muita falta de sorte ter que passar por este suplício.
Entretanto, para Antonio Carlos Leite de Carvalho, um piloto de Sergipe de 42 anos, este tipo de lesão foi até uma bênção, considerando as alternativas. É que, por volta do meio-dia de 22 de fevereiro de 2011, a aeronave que pilotava caiu de nariz numa casa num bairro da zona sul de Recife.
Carvalho voava num monomotor modelo PU-HHC, fabricada em Caruaru e tida como “experimental”, segundo fontes do Aeroclube de Pernambuco. Ao tentar aterrissar no próprio Aeroclube, o aparelho obviamente deve ter sofrido algum tipo de pane, pois, mesmo tendo tocado no solo, arremeteu logo em seguida.
A aeronave, uma espécie de ultraleve (“leve” só no nome, porque pesa mais ou menos 400 quilos), caiu de bico no telhado da casa de uma simpática velhinha, que, no momento do impacto assistia televisão placidamente. “Nunca tive um susto desses em toda a minha vida”, afirmou Vanderci Nunes, a dona da casa. Bem provável que nunca de novo terá. Tomara.
O piloto, de acordo com a sua família, foi internado num hospital particular do Recife com um corte profundo perto do olho e “uma vértebra inferior fissurada”, que só pode significar fratura por compressão. Ainda assim, o homem nasceu de novo.
Sorte parecida teve Emerson Fittipaldi quase 14 anos antes. Em setembro de 1997, o bicampeão da Fórmula Um (1972 e 1974) “saiu para passear de ultraleve nas vizinhanças de sua fazenda de laranjas em Araraquara, interior de São Paulo, junto com o filho Lucca, de (então) 6 anos”. Perdeu o controle do aparelho e caiu de uma altura de 100 metros num pântano. O menino não sofreu nada. Fittipaldi, por outro lado, fraturou a segunda vértebra lombar “e não podia mover a perna esquerda” (VEJA, 17/09/1007).
Pai e filho ficaram mais de dez horas esperando por socorro. “Viram os urubus voando em círculo sobre o local, enfrentaram forte calor durante a tarde e tiritaram de frio à noite. Passaram fome e sede, temeram por cobras e bichos, que felizmente não apareceram, rezaram e conversaram”. O menino não se desesperou e permaneceu ao lado do pai. Resistiu bravamente às intempéries, mesmo com Fittipaldi ameaçando desmaiar a qualquer momento devido à perda de sangue por um corte na cabeça. Foram resgatados por volta das 23 horas. “Lucca foi um herói, agüentou firme e ainda cuidou de mim”, relatou Emerson na época. “Foi uma aventura única na minha vida.”
Emerson Fittipaldi, naquele período, tinha acabado de sofrer, em 1996, outro acidente no Grande Prêmio de Fórmula Indy, em Michigan. Sua sétima vértebra cervical foi esfacelada. Reconstruíram-na com enxerto ósseo e “uso de hastes de titânio”. Houve seqüelas. A força de seu braço direito foi sofreu redução de 30%. Com este último acidente, teve que abandonar de vez suas atividades radicais, como Jet-ski, esqui na neve e, obviamente, os vôos de ultraleve. Encerrou-se ali sua carreira automobilística.
Stephen Olvey, na época médico oficial da Fórmula Indy (e que havia anunciado que Fittipaldi estava “fora das corridas de carro para sempre”), receitou um colete de fibra de vidro para ser usado por seis meses. O prognóstico de Olvey era que seu paciente tinha tudo para ficar curado: começaria a andar e até correr de novo, mas evitando movimentos bruscos e violentos. Até onde sabemos, Fittipaldi teve boa recuperação. Pelo menos, não se ouviu mais nada que afirmasse o contrário.
Bem menos sorte teve Michael Schumacher, heptacampeão de Fórmula 1. Em dezembro de 2013, o ex-piloto, então com 44 anos, descia por uma pista de esqui nos Alpes franceses, teve que se desviar de algum incauto e aterrissou de cabeça numa pedra. Sofreu um traumatismo craniano severo, entrou em coma e nunca mais se recuperou. A família o isolou de olhares indiscretos e parece que até hoje vegeta.
Um paciente nosso, uns poucos anos atrás, caiu de cabeça de um barranco de dois metros enquanto fazia trilha de motocicleta (ver artigo 57). Sofreu uma fratura compressiva em T4, que doeu pra chuchu, mas não lhe causou absolutamentel nenhuma sequela neurológica. E já se encontra plenamente recuperado. Até fazendo trilha de novo está.
Sorte pra alguns, azar para outros.
Em tempo: os ultraleves “são classificados como aeronaves experimentais na linguagem da burocracia do Ministério da Aeronáutica”. Por não seguirem as rígidas normas da aviação comercial ou militar, são proibidos de decolar e pousar em aeroportos comerciais, não operam por instrumento e não têm o apoio logístico de controladores de vôo. A obtenção da licença de piloto é relativamente mais simples do que vôos normais. Quem pilota, sabe o risco que corre. Acidentes ocorrem em menor escala do que os de automóveis.
Carvalho e Fittipaldi que o digam.