02 de março de 2025 foi uma data histórica para o Brasil. Naquela noite, durante a 97ª cerimônia de entrega dos Oscars™, tivemos finalmente um filme puramente brasileiro (Ainda Estou Aqui) ganhar o prêmio de Melhor Filme Internacional.

O advérbio “puramente” é usado aqui porque houve, sim, um filme falado em português que ganhou a então estatueta de Melhor Filme Estrangeiro. A questão era que Orfeu do Carnaval (1959), um belíssimo filme de produção ítalo-franco-brasileira, baseado numa peça de Vinícius de Moraes, foi dirigido por um francês e a maior parte do seu financiamento veio da França — daí o Oscar™ não ter ficado com o Brasil. Uma questão meramente burocrática, mas…

Vamos ao que interessa, então.

O ator Harrison Ford, um dos apresentadores da premiação, teve que cancelar no último minuto sua participação porque havia sido acometido repentinamente por uma crise de herpes-zóster — que pode aparecer do nada e ter sintomas frequentemente confundidos com dores de coluna.

A palavra “herpes” vem do grego έρπης (herpēs). Sua forma verbal, έρπω (herpein) significa “rastejar” ou “mover-se furtivamente”. Isto ilustra perfeitamente a natureza da infecção de aparecer de repente e sem motivo aparente. Já a segunda palavra vem do grego ζωστήρ (zōstēr), que significa “cinto” — sem dúvida uma descrição da área dermatológica afetada.

Isto parece ter sido a etiologia do nome como a doença é conhecida popularmente nos Estados Unidos. Shingles deriva do latim “cingulus, uma variante de “cingulum”, que significa “cinto”. Nesta linha de raciocínio, alguém aqui no Brasil certamente deve ter achado que a aparência da área afetada estivesse mais parecida com uma cobra do que com um cinto — e resolveu assim batizar herpes-zóster de “cobreiro” (que, dependendo da região, é também conhecida como “zona”).

E já não é de hoje que as pessoas sofrem disso. Credita-se o grande enciclopedista romano Aulus Cornelius Celsus como o criador do termo “herpes-zóster”, entre os anos 26 a.C. e 50 d.C.. Mas durante séculos a doença era comumente confundida com varíola, ergotismo e erisipela. Foi somente no século XVIII que o médico inglês William Heberden conseguiu “estabelecer uma maneira de distinguir herpes-zóster de varíola”. E foi somente no final do século XIX que conseguiram distinguí-la da erisipela. Até que em 1831 o também médico inglês Richard Bright apareceu com uma hipótese que a doença se originava do gânglio da raiz dorsal — teoria esta que foi comprovada num estudo de 1861 pelo entomologista e dermatologista alemão Felix von Bärensprung.

Uma curiosidade: foi o pai do Dr. Heberden que entrou nos anais da medicina como o “descobridor” dos famosos Nódulos de Heberden (“proeminências de tecido duro (ósseo) das articulações interfalângicas distais”).

Sem dúvida o doutor Bright havia observado que uma grande parte dos casos envolvia o trajeto de algum nervo intercostal — daí a dedução de que o problema estaria na sua origem. Até que no começo do século XX, mais e mais médicos começaram a notar uma curiosidade: nos lares onde os adultos contraíam herpes-zóster havia uma quantidade maior de casos de crianças com catapora. A ideia de que um adulto com esta infecção induzia catapora na sua prole foi ganhando força e acabou sendo finalmente comprovada quando o médico virologista (e eventual ganhador do Nobel de Medicina) Thomas Huckle Weller supostamente conseguiu isolar o vírus varicela zóster (VVZ).

Mas se essas crianças acima contraíam catapora a partir do herpes-zóster dos adultos, como esses adultos, por suas vezes, acabavam contraindo herpes-zóster?

A resposta é que a catapora e o herpes-zóster são efetivamente provocados pelo mesmo vírus (também conhecido como herpes-vírus humano tipo 3). “(…) a catapora é a fase aguda e primária da infecção pelo vírus, e o herpes zóster (…) representa a reativação do vírus da fase latente“. Em suma: só que já teve catapora ou foi exposto ao VVZ pode efetivamente (e eventualmente) desenvolver herpes-zóster.

O vírus, extremamente contagioso, entra no corpo através da respiração ou pela conjuntiva do olho. Lá dentro, ele se multiplica e viaja pelo sangue até a pele, se manifestando em forma de erupções e bolhas no corpo todo. A catapora está formada. “O período de incubação até o surgimento das pústulas é de cerca de 21 dias.” Coça que é uma beleza, mas é geralmente inofensiva. E eventualmente eliminada pelo sistema imunológico.

Ocorre que, em algumas pessoas o vírus não vai embora de todo. Ao invés disso, escolhe algum gânglio da raiz nervosa dorsal (ou até o gânglio do nervo trigêmeo, na base do crânio), e fica lá quietinho, hibernando, dormente, latente. Pode ser que nem passe disso e o vírus nunca se manifeste. Pode ser também que um período de grande estresse venha a afetar de alguma forma o sistema imunológico da pessoa e o vírus se reativa. E aí pode causar “inflamação do gânglio da raiz sensorial; da pele do dermátomo associado; e, algumas vezes, dos cornos posteriores e anteriores da massa cinzenta, das meninges e das raízes dorsais e anteriores“. Então pode tecnicamente acontecer com qualquer um (o filho caçula deste escriba sofreu uma crise de herpes-zóster com apenas 13 anos. Foi exposto ao vírus pelos irmãos, mas nunca havia ele mesmo efetivamente contraído catapora).

Estatisticamente, porém ocorre com bem mais “frequência em idosos e pessoas convivendo com o HIV e é mais frequente e grave em pacientes que estão imunocomprometidos (transplantados, bem como portadores de doenças crônicas como hipertensão, diabetes e câncer) porque a imunidade mediada por células nesses pacientes é reduzida. Não há qualquer fator desencadeante evidente”.

Não é tão difícil assim identificar o herpes-zóster:

  • O sintoma mais comum é dor lancinante que não costuma se comportar como dor neuromusculoesquelética — na verdade, uma dor de natureza disestésica;

    Também conhecida como dor por deaferentação, trata-se de uma “sensação dolorosa, anormal ou inesperada que pode ser causada por lesões ou disfunções no sistema nervoso”.  

  • Este sintoma é tipicamente seguido de erupções cutâneas (exantemas) que costumam aparecer 2 a 3 dias depois — geralmente com formação de vesículas em uma base eritematosa;

    Para um paciente que porventura procure um Quiropraxista com estes sintomas pensando ser dores torácicas com irradiação para o nervo intercostal, uma rápida inspeção visual da área afetada pode ser de grande valia para detectar as tais vesículas e fechar rapidamente o diagnóstico.

    Um porém: há quem não tenha nenhuma manifestação cutânea, apesar de ter todos os sintomas característicos: zoster sine herpete (“zóster sem herpes”). Uma prima deste que vos escreve aparentemente sofreu deste mal. Aí o diagnóstico fica mais difícil e depende da experiência clínica de quem está examinando.

  • O local geralmente é adjacente a um ou mais dermátomos na região torácica ou lombar, embora poucas lesões satélites possam também aparecer;

    O zóster geniculado afeta um gânglio homônimo do nervo facial e com ele pode aparecer “dor na orelha, paralisia facial e, às vezes, vertigem. Vesículas rompem-se no meato auditivo externo e a gustação pode ser prejudicada nos dois terços anteriores da língua”.

    O herpes-zóster oftálmico afeta o gânglio de Gasser, “com dor e erupção vesicular ao redor dos olhos e na fronte, na distribuição da divisão oftálmica” do nervo trigêmeo.

    Já o “zóster intraoral é incomum, mas pode produzir uma distribuição unilateral nítida das lesões. Nenhum sintoma prodrômico intraoral ocorre.”

  • As lesões são tipicamente unilaterais e não cruzam a linha média do corpo;

  • Com frequência, o local é hiperestésico e a dor, como dito antes pode ser intensa e ser acompanhada de “queimação, formigamento, sensação de agulhadas, sensação de aperto” na faixa anterior do tórax;

Pacientes em plena crise de herpes-zóster muitas vezes interpretam os sintomas como dores de coluna. E de fato, a distribuição dermatológica dos sintomas contribuem para isso. De acordo com o Ministério da Saúde, as regiões mais afetadas são:

  • “Torácica (53% dos casos);

  • Cervical (20%);

  • Correspondente ao trajeto do nervo trigêmeo (15%);

  • Lombossacra (11%).”

Ajustamentos podem até proporcionar um certo alívio momentâneo, mas tendem a ser ineficazes na remissão dos sintomas. “Compressas úmidas amenizam, mas analgésicos sistêmicos são frequentemente necessários.” Apesar da prescrição frequente de corticóides, “antivirais (aciclovir, fanciclovir, valaciclovir)” são recomendados “especialmente para pacientes (…) imunocomprometidos”. Mas, no final das contas, as dores só se resolvem mesmo quando a doença terminar de correr seu curso…

Ainda assim, é de suma importância que a nossa profissão saiba prontamente reconhecer os sintomas e indicar o paciente a um médico. Porque, mais cedo ou mais tarde, alguém com herpes-zóster vai aparecer num consultório de algum Quiropraxista — já que os sintomas tendem a se confundir. Em quase 3 décadas de experiência clínica, o autor deste artigo já viu, examinou, detectou e diagnosticou dezenas de casos assim. Melhor ficar ligado.