O procedimento adequado para tratar uma apendicite supurativa aguda seria extirpar o órgão (apendicectomia). Nunca passaria pela cabeça de nenhum médico sério tratar tal afecção somente à base de analgésicos e anti-inflamatórios.
Pois é. Mas problemas de coluna são muitas vezes tratados somente com tais medicamentos — mesmo que faça mais sentido e seja mais eficaz tratar a CAUSA do que tão-somente o EFEITO, que é a dor. Claro, observe-se que uma lombalgia não oferece os riscos de uma apendicite supurativa. E que, no que diz respeito à coluna, o uso de analgésicos e anti-inflamatórios pode ser às vezes até justificado para pelo menos aliviar o sofrimento do paciente em crises mais severas. Mas sempre por tempo limitado. Ocorre, porém, que muita gente vem consumindo estes medicamentos indiscriminadamente e sem indicação médica. E o que é pior: volta e meia pipocam manchetes noticiando que analgésicos e anti-inflamatórios não são assim tão inofensivos quanto as pessoas pensam.
Já se vão quase 2 décadas desde que a hoje semi-extinta revista ÉPOCA (18/09/2006) publicou uma reportagem sobre alguns fatos interessantes dos medicamentos mais populares do período:
Claro, isto não quer dizer que todas estas medicações devam necessariamente ser banidas. “Mais de 800 milhões de pessoas já tomaram Cataflan e Voltarem. Estamos tranqüilos, porque nunca vimos aumento de risco cardiovascular QUANDO O PRODUTO É USADO EM DOSES RECOMENDADAS”, afirma Nelson Mussolini, ex-diretor corporativo da Novartis e atual principal executivo do Sindusfarma. “O problema é que muita gente toma esses remédios como se fossem água.” E num país em que a automedicação é mania nacional, adicionada ao fato de que “15% da população brasileira consome mais de 90% da produção farmacêutica” (dados da Organização Mundial de Saúde), e ainda que “50% dos pacientes, em média, tomam corretamente seus medicamentos,” a situação fica gritante.
Sim. Anti-inflamatório, como bem disse Mussolini, não é para ser ingerido como água com açúcar. “Este tipo de remédio só deve ser consumido em casos muitos específicos”, diz o reumatologista Daniel Feldman, da Universidade Federal de São Paulo”. (VEJA, 18/04/2007)
Necessita-se mais vigilância? Ari Timerman, ex-chefe da seção de Emergência do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia e atual Diretor Técnico de Serviço de Saúde – Serviço Médico Hospital e Diretor da Divisão de Pós-graduação lato sensu e stricto sensu do mesmo instituto, pensa que sim. “A venda de diclofenaco sem receita deve ser revista. Em caso de uso crônico, os remédios realmente aumentam a incidência de infarto”, afirma. Os problemas ocorrem em pessoas que tomam os remédios por meses a fio e em doses elevadas.
E aí, como consequência, a Organização Mundial de Saúde relata que:
Ainda tem mais: a Sociedade Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) “estima que 14 e 16 milhões de brasileiros têm alergia a algum tipo de medicamento (…) principalmente a antibióticos e anti-inflamatórios. (…) O número representa entre 6% a 7% da população (…). Outra pesquisa mais antiga desta mesma instituição relatou que “250.000 brasileiros estejam sob o risco de sofrer uma reação alérgica intensa, e a maioria desses episódios é deflagrada por remédios de uso corriqueiro (…). O dado é especialmente preocupante num país como o Brasil, onde a automedicação é um hábito cultivado por 60% da população. 50% das crises graves de alergia são causadas por medicamentos, sobretudo analgésicos e anti-inflamatórios.”
Remédios, quaisquer que sejam eles, devem ser consumidos com parcimônia. “Quando consumidos de forma adequada, num período controlado e com indicação médica, dificilmente provocam problemas”, diz o cardiologista Antonio Carlos Chagas, do Instituto do Coração, de São Paulo.
Esta declaração se torna ainda mais relevante ao considerarmos o hábito atual de receitar levianamente Paco e Pregabalina para dores crônicas ou não.
Por isso, repetimos: melhor procurar corrigir a causa de um problema do que perpetuá-lo tratando os sintomas com medicamentos que, cronicamente e indiscriminadamente usados, não são assim tão inofensivos (ver artigos 63, 103 e 161). Isso se aplica, não só na coluna, como em outras áreas também.
Afinal de contas, medicação não é água.