É interessante como alguns comediantes já nasceram com a cara engraçada. Veja Costinha, por exemplo. Tido como uma pessoa sisuda e séria, era só tirar a dentadura que a plateia vinha abaixo. O mesmo se aplica ao americano Don Rickles ou aos britânicos Marty Feldman e John Cleese.
Claro que toda regra tem sua exceção. O rosto do Campeão Mundial e ex-treinador Dunga faria o sonho de qualquer comediante. Mas de engraçado ele passava longe…
Por outro lado, Guilherme Karan não era mesmo para ser um cara engraçado. Filho de um ministro da Marinha do governo do último presidente militar João Figueiredo, tinha tudo para ser um economista ou um administrador. Mas não. Voltou-se para a comédia. E rir ele fazia bem. Muito bem. Apareceu em algumas novelas das sete de Sílvio de Abreu, mas brilhou mesmo no audacioso programa TV Pirata. Alguns de seus tipos são impagáveis, como o apresentador Zeca Bordoada do quadro TV Macho e o bizarro Agronopoulos da “novela” Fogo no Rabo. Sim, Guilherme Karan deixou sua marca na comédia brasileira.
Até que em 2012 veio a tona pelo jornal carioca Extra que este grande comediante estava confinado a cadeira de rodas devido a uma doença neurológica degenerativa. A notícia correu pela internet. Apareceu nos sites da UOL e MSN. As revistas semanais VEJA e Contigo, bem como o Jornal do Brasil fizeram na época matérias sobre o assunto.
Conhecida como Síndrome de Machado-Joseph, trata-se de um tipo de ataxia que afeta o trato espinocerebelar. Ataxia é um termo generalizado e caracteriza-se basicamente por perda de coordenação motora — neste caso, nas pernas e nos braços.
Para o neurologista Charles André, “integrante da Câmara Técnica de Neurologia e do Conselho Regional de Medicina (CREMERJ)“, a doença pode também afetar a fala, a deglutição e até mesmo o movimento dos olhos. “Ela começa na juventude ou na vida adulta e é progressiva. Não existe cura ainda”, observa.
Curiosamente, a Síndrome de Machado-Joseph não recebeu este nome devido às pessoas que a descobriu, e sim pelos patriarcas de duas famílias de origem portuguesa e açoriana.
Pois é justamente neste grupo étnico que a doença é mais prevalente — e a família de Karan foi a grande sorteada. “É um quadro triste (…). Ele teve um problema de coluna e depois essa doença degenerativa (…). Ele herdou da mãe. Perdi um filho com a mesma doença. Guilherme fica na cadeira de rodas o tempo todo. Tem horas que ele está lúcido e tem horas que não”, disse na época Alfredo, seu pai.
Compreensível e tristemente, o comediante se deprimiu e preferiu se isolar. Não aceitava visitas de seus antigos colegas. Vivia “sob os cuidados de dois enfermeiros, e (recebia), durante três vezes na semana, a visita de um fisioterapeuta”. Triste. Guilherme Karan morreu em 2016.
Alguns de nossos colegas já tiveram a experiência de tratar pacientes que ocorriam sofrer deste mal — como mostrado em diálogos em grupos de whatsapp que este escriba faz parte.
Há um ditado em inglês que diz que miséria ama companhia. Lenda viva do Cinema Novo, o ator Paulo José foi diagnosticado com mal de Parkinson desde 1992. A doença, neste caso, progrediu lentamente e o permitiu trabalhar até quase o fim da vida. E não o impedia de, depois de tantas décadas de carreira, ainda impressionar com atuações tocantes como n’O Palhaço (2011), dirigido por Selton Mello. Mesmo assim, sua dicção já não era muito fácil de compreender. Mas foi mais do que compensada, contudo, pela expressão de seu olhar. Este foi seu último trabalho como ator, apesar de ter narrado um filme e participado de alguns documentários posteriormente. Uma pneumonia o levou em 2021.
Uma das características do mal de Parkinson é uma dolorosa rigidez da musculatura paravertebral. Por isso, nos estágios iniciais, é frequentemente confundida com dor de coluna (ver Artigo 23). Não obstante, tratamento com Quiropraxia ajuda no alívio dessas dores — mas sempre sob acompanhamento de um médico neurologista.
Michael J. Fox, o eterno Marty Mcfly da trilogia De Volta para o Futuro, foi diagnosticado com Parkinson aos 30 anos de idade, em 1991. Ele veio a público revelar que tinha a doença em 1998, e “desde então, (…) tem sido um defensor proeminente e (…) arrecadado fundos para pesquisa em células-tronco, que acredita um dia ajudar vítimas da Doença de Parkinson e outras doenças debilitantes”. Segue firme e forte, apesar das limitações impostas pelo mal.
Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é outra terrível doença neurológica. Nela, a pessoa fica perfeitamente consciente enquanto seu corpo vai perdendo suas funções. Curiosamente, no físico inglês Stephen Hawking a doença estabilizou. Ele passou sua vida ensinando na Universidade de Cambridge; impressionou o mundo com o seu gênio e com as suas descobertas dos mistérios do universo; e só se comunicava através de seu dedo mindinho (eventualmente por músculos da bochecha). A doença acabou ceifando sua vida aos 76 anos em 2018. Mas que vida produtiva essa foi.
Um dos sintomas iniciais da ELA é a fraqueza nos membros superiores. E como ocorre muito comumente depois da meia-idade, uma ressonância magnética cervical irá acusar alguns transtornos discais — que acabam levando a culpa. É fácil, portanto, errar o diagnóstico inicial. O Quiropraxista deve prestar atenção na atrofia da musculatura tenar e na crescente inabilidade de segurar objetos. Dificuldade de pentear o cabelo, ou frequência ao derrubar copos podem ser boas pistas (ver Artigo 53).
O filme sobre a vida deste grande cientista, A Teoria de Tudo (The Theory of Everything, 2014) rendeu um Oscar ® de Melhor Ator para Eddie Redmayne.
Aliás, Hollywood adora premiar atuações de superação de pessoas com devastadores problemas neurológicos na vida real. Meu Pé Esquerdo (My left foot, 1989) é sobre a vida sofrida do irlandês Christy Brown. Com paralisia cerebral, só podia mover (adivinhem?) seu pé esquerdo. O homem tornou-se um pintor e escritor de renome. E rendeu ao ator Daniel Day-Lewis o primeiro de 3 Oscar ® da sua brilhante carreira.
Já n’O Escafandro e a Borboleta (2007) — indicado a 4 estatuetas douradas — Jean-Dominique Bauby (Mathieu Amalric), 43 anos, editor da revista Elle, sofre um severo derrame cerebral. Isso lhe acarretou uma doença neurológica extremamente rara, a Síndrome do Encarceramento. Nela, “todos os músculos do corpo ficam paralisados, exceto os que controlam o movimento dos olhos. O paciente fica, literalmente, preso dentro do próprio corpo, já que se mantém consciente, sendo capaz de compreender tudo ao seu redor”. Terrível, não? Mas Bauby, então, completamente paralisado, manteve a habilidade de piscar seu olho esquerdo. E com esta piscadela, escreveu um belo livro.
A atriz e comediante Cláudia Rodrigues, anunciou em 2006 que havia sido diagnosticada com esclerose múltipla. Ela teve que se afastar logo depois do término da quarta temporada do seriado A Diarista. Em 2009, tentaram retomar a quinta temporada, mas a doença da atriz não deixou. Após passar mais de um ano longe da telinha, Cláudia voltou completando o elenco do humorístico Zorra Total, onde permaneceu até 2014. Na época, a “assessoria da atriz revelou que a doença (estava) controlada e que surtos apenas (ocorriam) em épocas de muito estresse”. Mas no ano seguinte “a atriz (fez) um transplante de células-tronco. Em maio de 2016, cinco meses após o transplante, Cláudia se mostrou otimista com sua melhora e contou que estaria liberada pelo médico para voltar a atuar em dezembro” daquele ano. Desde então (pelo menos até 2020) ela tem participado de documentários e peças teatrais.
A atriz Guta Stresser (a Bebel de A Grande Família) foi também diagnosticada com esclerose múltipla em 2019. Mas relata sucesso com o tratamento: “O medicamento que uso fez efeito. As lesões que eu tinha não aumentaram e não apareceram novas”.
É difícil, mas enquanto houver um pé, um olho e um dedo mindinho funcionando, há ainda muito o que fazer e contribuir. Portanto, que nossas queridas comediantes mantenham a cabeça erguida e não percam a esperança ante tão devastadora doença. Força e fé.