Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) é uma doença degenerativa e progressiva que afeta os neurônios motores — as células do sistema nervoso que controlam os movimentos dos músculos. As funções cognitivas do cérebro ficam intactas. ELA não afeta a inteligência, o juízo e a memória. Já foi descrita por um paciente como “tendo cadeira cativa para assistir a própria destruição”. É, portanto, uma das afecções neurológicas mais terríveis e devastadoras que um ser humano pode sofrer.

A enfermidade é insidiosa e se manifesta de maneira aparentemente inofensiva. Os membros superiores são inicialmente afetados. A pessoa começa a sentir dificuldades para fazer pequenas tarefas do cotidiano, como lavar e pentear o cabelo, abrir frascos, girar chaves, costurar, usar ferramentas, escovar os dentes ou até abrir a porta do carro. Fica cada vez mais desastrada. Derruba copos, pratos, o que pegar. A perda de força no braço ou braços torna-se cada vez mais acentuada. ELA é uma doença primariamente da meia-idade (50 a 70 anos).

Como estes primeiros sintomas surgem, em média, aos 57 anos de idade, é relativamente natural nesta faixa etária que uma ressonância magnética da região cervical acuse degeneração discal, abaulamentos ou hérnias de disco, e até algum grau de estenose lombar — este último mimica os sintomas da ELA um pouco. O problema é diagnosticar este paciente precocemente baseado no resultado destes exames iniciais como um mero problema de coluna.

E pode até parecer um problema de coluna. Mas não é.

A morte continuada dos neurônios motores causa fraqueza muscular, primeiro nos braços e depois nas pernas. A atrofia chega a um ponto em que o paciente perde a capacidade de mover voluntariamente os músculos do corpo. Há uma certa predileção pelos Nervos Craniais da face (VII), laringe e faringe (IX) e língua (XII). Como resultado, a capacidade para falar (disalgia) ou engolir (disfalgia) eventualmente fica comprometida. Se o diafragma for afetado, a respiração é também. Tudo isso com as faculdades mentais intactas — a tal “cadeira cativa” que o paciente acima mencionou.

Quando o diafragma é atingido, acarreta insuficiência respiratória — a maior causa de morte dos pacientes de ELA. A revista ÉPOCA de 10/11/2008 noticiou que “uma portaria assinada pelo então ministro da Saúde, José Gomes Temporão, em julho daquele ano, (determinou) que o SUS (fornecesse) respiradores de graça a quem tem doenças neuromusculares”.

ELA é uma doença que afeta os neurônios motores superiores e inferiores. Nos primeiros, há aumento dos reflexos; nos segundos, diminuição. Além da distrofia muscular e de lesões dos nervos periféricos, esta ferramenta diagnóstica pode ser útil para diferenciar a Esclerose Lateral Amiotrófica de outras afecções do neurônio motor, como, por exemplo, da Esclerose Primária Lateral e da Atrofia Muscular Espinhal (ambas neurônios motores inferiores); da Amiotrofia Lateral Benigna (neurônio motor inferior de um só membro); e da Paralisia Bulbar Progressiva (neurônio motor inferior e os nervos craniais). Note que em nenhum destes o neurônio motor superior é afetado.

Observa-se severa degeneração das células do corno anterior da medula (parte responsável pelos impulsos motores), das células Betz do córtex encefálico motor, das células ganglionares craniais e dos núcleos dos nervos motores. Nos nervos periféricos, nota-se degeneração axonal e desmielinização secundária.

Difícil é encontrar um exame que comprove a ELA sem sombra de dúvida. Infelizmente, a certeza diagnóstica se concretiza no estágio mais avançado da doença.  Mas, há aumento substancial de CPK no exame de sangue em 50-75% dos pacientes com ELA. 400 IU/l, se comparado com níveis normais de 75 IU/l. Nota-se, num exame neurológico, sinal de Babinsky positivo. Mas este sinal pode significar muitas coisas.

A forma mais comum da doença, considerada esporádica (clássica), atinge nove de cada dez pacientes. Os demais tem a forma familiar, de origem genética. Os primeiros sintomas da ELA familiar aparecem de 10 a 15 anos antes da esporádica. Podem surgir, inclusive, na juventude.

Stephen Hawking, morto em 2018 (um dos cientistas mais brilhantes do nosso tempo) conviveu com a ELA por mais de 50 anos. É um caso raro de resistência.

A percepção à dor é normal. Por ser puramente motora, a ELA não afeta o tato, a audição, a visão, o paladar, nem o olfato. Em geral, funções como a sexual e a cardíaca, e os nervos que controlam os movimentos oculares (por serem mais resistentes do que os demais) ficam preservados. Os esfíncteres também. Impotência e perda de controle intestinal e urinário só ocorrerão num estágio bem mais avançado.

Em geral, a sobrevida do paciente é de três a cinco anos. Apenas 10% das pessoas com esta condição sobrevivem por mais de 10. Ironicamente, a ELA por si só não mata ninguém. O que mata é a insuficiência respiratória pela eventual paralisia do diafragma.

ELA é uma doença democrática. Mundialmente, não faz distinção de raça, nacionalidade e esfera social. Homens brancos são as vítimas mais frequentes. Mas os percentuais chegam a se equalizar com as mulheres ao atingirem a menopausa.

De acordo com a Associação Americana de Esclerose Lateral Amiotrófica (ALSA), há nos Estados Unidos de 5 a 7 casos por 100.000 pessoas. A incidência no mundo é de um a dois casos para cada 100 mil habitantes. 4.600 americanos são diagnosticados por ano, em média, e estima-se que 300.000 sucumbirão à doença num espaço de 3 a 5 anos. 20%, contudo, sobrevivem mais do que cinco anos, e alguns até por 10-20 anos. A Associação Brasileira de Esclerose Lateral Amiotrófica (ABrELA) estima que essa enfermidade atinge, pelo menos, 2.500 pessoas por ano no Brasil.

Descrita pela primeira vez no século XIX pelo neurologista Jean-Martin Charcot (1825-1943), a ELA também atende, nos meios acadêmicos, pela alcunha de Doença de Charcot. Apesar de ter aparecido com mais frequência nos noticiários, as causas desta enfermidade permanecem desconhecidas. Mas, suspeita-se que fatores como anomalias bioquímicas, intoxicação por metais pesados como chumbo ou mercúrio, água ou solo com deficiência de cálcio, processos inflamatórios, toxinas e agentes tóxicos, reações imunológicas alteradas, síndrome pós-pólio e até fatores virais podem ser precursoras desta enfermidade.

A ELA alcançou notoriedade na década de 40, quando Lou Gehrig, uma espécie de Pelé do beisebol na época, desenvolveu a doença e morreu dela em 1941. Um ano depois, o “cavalo de ferro” foi imortalizado no ótimo filme Ídolo, Amante e Herói (Pride of the Yankees, 1942), um estrondoso sucesso. A partir daí, a Esclerose Lateral Amiotrófica ficou popularmente conhecida nos Estados Unidos como Doença de Lou Gehrig.

A exemplo de Lou Gehrig, investiga-se correlações entre intensa atividade física e a ELA, especialmente o futebol e o beisebol. Dois estudos feitos na Itália nos idos de 2005 com 31 mil jogadores e ex-jogadores profissionais de futebol, mostraram que a incidência da doença estre estes atletas é de até 30 vezes maior do que a média registrada na Europa.

Suspeita-se que micronecroses criadas nos músculos durante atividades físicas intensas liberem uma substância que, levada até o cérebro, se transforma em um transmissor de impulsos cerebrais conhecido como glutamato (um neurotransmissor). Fundamental para que o organismo dê respostas rápidas aos estímulos que recebe, esta substância se torna tóxica quando liberada em excesso (ÉPOCA, 10/11/2008). Observa-se também diminuição do neurotransmissor GABA e aumento de norepinefrina.

Mas não desistam de jogar futebol ainda. As chances são ínfimas e ainda não foi provado o relacionamento entre a ELA e a prática intensa de exercícios. “Até agora não há respostas. Há apenas especulações”, atesta Acary Souza Bulle Oliveira, chefe do setor de doenças neuromusculares da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Para suspeitar Esclerose Lateral Amiotrófica, é preciso observar três sinais: primeiro, a fraqueza muscular nos braços tem que piorar cada vez mais, até espalhar para as pernas e outras partes do corpo; segundo, geralmente há presença de contrações rápidas e involuntárias — as fasciculações; e terceiro, nota-se perda de massa muscular na base do polegar e entre os dedos das mãos. As eminências interósseas se sobressaem, e a mão assume uma posição de “garra”.

Como o diagnóstico inicial é ambíguo, muitos procuram tratamento para a coluna. Quiropraxia proporciona um certo alívio ao desconforto muscular, mas oferece muito pouco à ELA. O profissional, não obstante, tem que saber diferenciá-la de outras afecções da coluna (que podem ocorrer concomitantemente), como espondilose cervical, radiculite, dores no ombro e pescoço e síndrome do desfiladeiro. Neste último, a presença de uma costela cervical pode provocar fraqueza no braço envolvido. Mas, mesmo se acaso ocorrer nos dois membros superiores, não se observa fasciculação. E na radiculite braquial, a fraqueza não piora progressivamente.

Embora não haja cura, problemas recorrentes como cãibra, depressão e salivação devem ser tratados. Acompanhamento psicológico e fisioterapia são fundamentais, inclusive para cuidadores e familiares. Quiropraxia alivia um pouco as dores. Mas não existem dados de que terapia manual possa oferecer um prognóstico favorável. E a nossa profissão costuma ter resultados limitados com problemas neurológicos degenerativos.

Nos seu longos anos de clínica, este que vos escreve teve a singular experiência de já ter atendido e diagnosticado mais de 50 pacientes com ELA — diagnósticos confirmados depois por neurologistas. Todos eles vieram achando que o problema era a coluna — muitos por indicação médica. Este Quiropraxista ficou tão familiarizado com esta afecção que é capaz de aventar uma suspeita diagnóstica nos primeiros cinco minutos de anamnese.

Alguns estudos sugerem que medicina ortomolecular pode ajudar pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica. Plaitakis, et. al., numa pesquisa de 1988 publicado no Lancet, separou 22 pacientes com ELA em dois grupos. O do tratamento foi submetido à terapia com aminoácidos de uso oral. Este grupo “mostrou benefícios significantes em termos de manutenção de força muscular nos membros e continuada habilidade para caminhar”. O grupo do placebo piorou.

Em 2008, cientistas da Universidade de Colômbia, nos EUA, conseguiram coletar e reprogramar as células da pele de dois pacientes para funcionarem como células nervosas. Chris Henderson, co-diretor do Centro Motor de Neurobiologia, afirma que as células em questão têm “a mesma ‘maquiagem’ genética do que pacientes com ELA”. Isto significa que, pela primeira vez, cientistas têm a chance de observar o desenvolvimento da doença nas células e, a partir daí, começar estudos e tratamento.

Uma esperança que pode tornar-se realidade para milhares de pessoas confinadas na prisão que seu próprio corpo se tornou.