Se a frase “homens fazem sexo para sentirem-se bem; mulheres fazem sexo quando sentem-se bem” tiver qualquer tipo de validade científica (que não tem), alguém esqueceu de combinar isso com a coluna vertebral. Porque dor arrefece o desejo como nada neste mundo. Seria como jogar um balde de água fria na libido — tanto na do homem, quanto na da mulher.
Quando se convive com dores de coluna, a libido é justamente uma das primeiras coisas que vai embora. E isto acaba tendo um efeito negativo no relacionamento do casal. Nem sempre quem está do outro lado consegue compreender a falta de interesse do parceiro. Isto pode gerar problemas que vão bem além das dores de coluna. Um proverbial efeito dominó.
Mais cedo ou mais tarde isso vai parar no consultório. Não ocorre com tanta frequência como deveria, mas algum paciente vai acabar perguntando sobre qual seria uma maneira “ergonômica” de fazer sexo. E o clínico deve estar preparado para falar o que geralmente não é lá muito abordado nas universidades — sem firulas, sem gracinhas, de uma maneira clara, objetiva, e, (por que não dizer) explícita.
E é uma daquelas proverbiais pontas do iceberg. Se um paciente chega ao ponto de criar coragem para finalmente discutir isso com o clínico, quantos pacientes nem cogitam sequer perguntar?
O site SpineUniverse, fundado por um cirurgião ortopédico, tem como objetivo informar, guiar e gerenciar assuntos relacionados a dores de coluna sob a perspectiva de diferentes tratamentos — inclusive da Quiropraxia. Algum tempo atrás, eles realizaram uma pesquisa sobre os efeitos de problemas de coluna nas atividades sexuais dos pacientes, e eis as estatísticas que coletaram:
Dores lombares crônicas causadas por hérnia de disco e seus efeitos na atividade sexual foram discutidas e publicadas num artigo clínico em que os autores estudaram um grupo de 43 pessoas com idade média de 41 anos. Deste grupo, 55% dos homens e 84% das mulheres relataram problemas sexuais após o início das dores lombares. As disfunções mais citadas entre os homens (18%) foram falta de desejo, ejaculação precoce e dificuldade para manter a ereção. Entre as mulheres, a falta de desejo foi ainda maior (47%). Quando a dor foi tirada da equação (nos pós-operatórios de sucesso), a frequência das relações aumentou em 78%.
Mas voltando a enquete do SpineUniverse — esta abaixo queria determinar o grau de ajuda dos profissionais de saúde. Os resultados foram igualmente preocupantes:
Então podemos admitir que essa questão é, sim, um problema. Só que por debaixo do pano (sem trocadilhos!). O que podemos fazer, então?
Pois bem. Primeiramente, como dito no segundo parágrafo, devemos abordar o assunto sem firulas, sem gracinhas, de uma maneira clara, objetiva, e, (por que não dizer) explícita. E um bom lugar para começar é com o que existe de literatura no mercado.
A má notícia é que, surpreendentemente, não existe muita coisa publicada sobre sexo & coluna, além de artigos na internet (como este), alguns estudos científicos (como este) e uns poucos livros — alguns fora de circulação.
Aqui no Brasil temos o hoje clássico VIVA BEM COM A COLUNA QUE VOCÊ TEM, do reumatologista José Knoplich (São Paulo: Ibrasa, 1979; 232 páginas). A obra, escrita há mais de 40 anos, se encontra na 32ª edição, e é uma pérolazinha. O livro, na época que foi publicado, estava à frente do seu tempo. O capítulo 7, sobre componentes psicológicos e sexuais da dor — é, no mínimo, interessante e pitoresco (mas talvez um pouco datado).
Publicado também no Brasil temos 50 COISAS QUE VOCÊ DEVE FAZER PARA EVITAR A DOR NAS COSTAS, do médico Keith South (Larousse, 2011). O livro de 176 páginas é parte de uma coleção chamada Bem-Estar. A dica de nº 38, “Desfrute de Sua Vida Sexual”, descreve “as melhores posições para desfrutar do êxtase e não prejudicar as costas”. Mas, como na obra anterior, o tópico é discutido em escassas páginas.
Agora, livros mesmo sobre sexo & coluna, só temos notícias de dois no mercado editorial. Ambos estão aparentemente fora de circulação. Este que vos escreve comprou-os usados no exterior. E até onde se sabe, não foram traduzidos para o português.
O mais famoso é SEX AND BACK PAIN: ADVICE ON RESTORING COMFORTABLE SEX LOST TO BACK PAIN (Sexo e Dores nas Costas: Conselhos para restaurar o conforto do sexo perdido para dores nas costas). Escrita por Lauren Andrew Hebert, fisioterapeuta e mãe de cinco filhos — de uma certa forma, uma especialista em ambas as áreas. O livro é um bestseller: já vendeu mais de 500.000 exemplares no mundo inteiro. O foco não é tão-somente restaurar o sexo, mas resgatar o relacionamento. Discute-se questões pessoais como os efeitos negativos das dores no ambiente familiar, perda da autoestima, culpa, timidez e medo. A autora afirma que “dores nas costas começam como um sintoma físico, mas quando a dor é severa ou prolongada, acaba muitas vezes causando complicações emocionais como depressão, raiva e frustração”. E defende que, com uma atitude mais relaxada, maior comunicação e um pouco de criatividade, é possível ter uma vida sexual até melhor do que antes.
THE JOY OF COMFORTABLE SEX: A GUIDE FOR COUPLES WITH BACK OR NECK PAIN (A alegria do sexo confortável: um guia para casais com dores lombares ou cervicais) parece ser mais abrangente e talvez até mais direto. O autor, Pierre Angier, é um osteopata com mais de 20 anos de experiência em lidar com dores crônicas. Além de traçar estratégias para gerenciar ou eliminar a dor, ensina técnicas sexuais viáveis, alternativas criativas para “substituir” o ato e maneiras de manter o sexo interessante e divertido. Tem também capítulos que lidam com fibromialgia, articulação temporomandibular (ATM), e tratamentos não-cirúrgicos para hérnia de disco. Tudo acompanhado com fotos de exercícios de estabilização e ilustrações de “posições sexuais confortáveis”.
Ambos os autores defendem o companheirismo para passar por cima deste obstáculo que é a dor. Um casal que se comunica não se estrumbica, parafraseando o saudoso Chacrinha. Hebert e Angier também defendem o emprego da sensualidade sobre a sexualidade. Ou seja, nada de sexo dinâmico e vigoroso para quem tem problemas de coluna. Melhor é ir devagar, despacito, curtir as preliminares e ter tempo de se conhecer um ao outro. Isto porque, dependendo do entusiasmo, o movimento pélvico durante o sexo pode tanto beneficiar quanto prejudicar a coluna. E, claro, sexo bom é aquele que faz bem, né?
Porque uma relação sexual saudável, livre de estresse e preocupações, é a manifestação física do carinho, da afeição e do amor entre duas pessoas. Tal atividade, quando ligada ao prazer (de preferência, sem culpa), libera diversos hormônios que proporcionam a sensação de bem-estar na mente e no corpo. Mas tem que ter sentimento. “Não adianta praticá-lo com alguém que você não gosta, que não traz orgasmos ou que o deixa frustrado”, explica o psicólogo Charles Rojtenberg, diretor do Instituto Brasileiro de Sexologia (Revista Mundo Estranho, maio 2011).
Uma curiosidade: a relação sexual, feita de frente, um olhando para o outro, olho no olho, é quase uma peculiaridade humana. E foi um diferencial enorme para aflorar sentimentos, tornar-se uma força motriz para formar o que chamamos família, e assim definir a espécie humana na escala evolutiva atual.
Então transar por transar talvez não seja a resposta. Sexo promove cumplicidade. Tem que ter qualidade. E os benefícios citados acima são maximizados se houver amor e carinho na equação. Todos estes estudos pecam por não conseguir “isolar o sexo de outros fatores, como a estabilidade da relação, o amor e o afeto”. Uma reportagem da ÉPOCA (03/05/2010) sobre os benefícios do sexo frisa que “pessoas com menos problemas de saúde é que fazem mais sexo, e não pessoas que fazem mais sexo têm saúde melhor”. É muito subjetivo. Mais pesquisas são necessárias.
Aliás, esta matéria da ÉPOCA foi publicada logo depois de uma surpreendente declaração do então ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que recomendou sexo (cinco vezes por semana) como um dos hábitos que ajudam a prevenir a hipertensão. Na época a frase viralizou. Mas a reportagem ressalta que “pesquisas científicas, embora incompletas, e observações de médicos, sugerem que o sexo afeta de forma positiva uma enorme variedade de funções orgânicas” e a estaria relacionado “a benefícios tão distintos quanto a melhoria da pele, o combate ao estresse e a redução da sensibilidade da dor (pela secreção de endorfinas e oxitocina durante o ato sexual. Estes hormônios causam sensação de bem-estar e o primeiro efetivamente diminui a sensação de dor)”.
Alguns estudos, de acordo com a matéria, sugerem que a atividade sexual reduz a ansiedade e contribui para a autoestima. “Pessoas sexualmente ativas parecem ter menos vulneráveis à depressão e ao suicídio”. Este sublime ato estimula a produção de endorfina. O maior analgésico natural do corpo humano “pode ajudar a aplacar dores crônicas nas articulações, dores de cabeça, cólicas…” A oxitocina é outro hormônio “que atua nas fibras nervosas e já foi relacionado, por um estudo de 1999, à redução da dor”. Ainda por cima, “o orgasmo favorece o relaxamento muscular. Provoca bem-estar e exaustão, que facilita o sono profundo. E o bom sono é crucial para a saúde”.
Já fazer sexo como atividade física para perder peso é mais difícil. Precisaríamos de seis ou sete “sessões” para queimar um Big Mac, por exemplo. “Uma relação sexual consome, em média, 100 calorias”. Mas, “dependendo das posições escolhidas, é possível trabalhar as coxas, o dorso e o abdome” — uma espontânea “aula de Pilates”.
A reportagem menciona “uma pesquisa realizada pelo neuropsicólogo David Weeks, do hospital escocês Royal Edinburgh, (que) mostrou que quem mantém a vida sexual ativa (três vezes por semana) pode rejuvenescer a aparência em até 12 anos”. Sexo aumenta os níveis de testosterona, que aguça ainda mais o desejo, além de ajudar a fortalecer os músculos e ossos. Estimula também a produção de serotonina e endorfina, que diminuem o estresse e ampliam a sensação de relaxamento e prazer (especialmente quando se aproxima o orgasmo), já que possuem funções analgésicas. Feito com regularidade e com certa frequência, o sexo produz também a oxitocina, que estimula a sensação de apego e mantém o casal unido. Por isso, este hormônio é considerado a manifestação química do amor. E faz com que um casal de velhinhos ande de mãos dadas após 60 anos casados.
Dito isso, um interessante paradoxo é observado numa pesquisa sobre satisfação sexual Global (Durex) mostrada na mesma reportagem. O Brasil fulgura em 2º lugar entre os países em que as pessoas dizem fazer mais sexo semanalmente (82%). Só perde para a Grécia. A Nigéria e os Estados Unidos ficaram em penúltimo lugar (53%) e só bateram o Japão. Mas os nigerianos ganham disparados no quesito satisfação sexual (67%). Isto num país onde ocorre mutilação genital. Mais curioso ainda é constatar que somente 42% dos brasileiros declaram estar sexualmente satisfeitos. Ocupamos o 7º lugar entre os piores. Quantidade não significa qualidade. Há espaço para melhorar.
Sexo, como os diletos leitores já sabem (ou desconfiam), é maravilhoso. Mas deveria ser ainda mais priorizado na vida do casal do que já é. Porque, muitas vezes, acaba sendo posto de lado devido ao estresse do dia-a-dia. A rotina obviamente atrapalha — o que não deixa de ser uma grande injustiça, pois promove no casal uma intimidade incomparável.
E tem mais: é extremamente saudável e fortalece o sistema urogenital e imunológico pela troca de fluidos; aumenta a atividade aeróbica (pode-se perder, dependendo do entusiasmo, pelo menos 100 calorias — o equivalente a 20 minutos de caminhada); reduz o risco de derrames, de ataque cardíaco e de incidências de câncer de próstata; garante um soninho tranquilo (pela liberação da vasopressina, liberada após o orgasmo, que causa relaxamento muscular e sonolência); e mobiliza a pelve (quando efetuado corretamente), o que pode até (pasmem!) aliviar dores de coluna! Ainda por cima, o ato sexual tem a vantagem de ajudar a perpetuar a espécie humana. Portanto, tudo de bom.
Mas, infelizmente, a vida não é perfeita. Tem muito homem por aí que sofre de ejaculação precoce ou algum tipo de disfunção erétil. E tem muita mulher que nunca chegou, e provavelmente nunca chegará a um orgasmo. Aí, nestes casos, a equação fica um pouco mais complicada…
Por fim, sexo pode até ser bom para a coluna. E sexo com amor, melhor ainda. Mas dor, com o perdão da palavra, é brochante para ambos os sexos. Livrar-se dela, seja com Quiropraxia, fisioterapia, Pilates, RPG (ou até, em último caso, cirurgia), é imperativo para que possamos continuar em busca de nossa felicidade (de preferência, com uma costelinha a nos aquecer nas noites de inverno).
E se as dores de coluna forem de fato um empecilho na alcova, é necessário discutir alternativas para contorná-las no consultório, se for este o caso. Sem receio de ter uma conversa franca, mas apropriada. Sem pudor de discutir posições, digamos assim, ergonômicas.
Sem firulas, sem gracinhas, de uma maneira clara, objetiva, e, (por que não dizer) explícita.