Esta incrível história de sobrevivência e superação me foi contada por um paciente alguns anos atrás. Seu nome foi obviamente trocado para protegê-lo e assim manter o sigilo Quiropraxista-paciente.

Henri* é um parisiense de 68 anos, pele curtida de sol. Aparenta a sua idade, exceto pela forma física — homens de 30 anos não fazem o que ele faz. Gosta de velejar. Não é chegado a médicos.

Mas, em 2009-2010, levou um escorregão. Começou a sentir fortes dores na bacia. Apareceu numa de nossas filiais, na época em Salvador. Ajustado uma única vez, sentiu-se melhor e sumiu. Foi tocar seus projetos. Rumo ao que seria a maior aventura da sua vida.

Em 2012, Henri preparava o que viria a ser a sua 14ª travessia pelo oceano Atlântico — mas a primeira que faria sozinho. Saiu com seu veleiro da Paraíba, e foi para a Guiana Francesa. De lá, em abril, zarpou rumo à Ibiza, uma ilha no Mar Mediterrâneo ao leste da Espanha.

Famosa por suas festas e boates badaladíssimas, destino certo das celebridades, Ibiza “também possui muitos sítios arqueológicos preservados desde a época Fenícia-Cartaginesa até exemplos de arquitetura da Renascença”. A UNESCO tombou-a como Patrimônio Mundial em 1999.

Pois é. A viagem corria às mil maravilhas. Mas, faltando 300 milhas náuticas para chegar ao arquipélago de Açores, uma tempestade (talvez uma tormenta) apareceu. Aquele pedaço de mar já era famoso por suas águas caudalosas. O mau tempo juntou a fome com a vontade de comer. E o pau realmente comeu solto.

Uma onda abalroou o barco e o virou de tal maneira que ficou de cabeça para baixo. Henri, naquele exato momento, se encontrava dentro da cabine tentando freneticamente tirar água do barco. De repente, viu-se no telhado da cabine assistindo impotente a água furiosamente entrar. O velho gaulês nem teve tempo de esboçar qualquer reação, porque o barco logo virou de volta — graças ao material do casco que impede que ele fique por muito tempo em qualquer posição que não seja a vertical.

Mas aí o estrago já estava feito. A luz elétrica pifou. O rádio, o radar e a antena também. A cruzeta, uma corda de estabilização do veleiro, se rompeu. Sem ela, era impossível navegar. O barco estava à deriva. E assim ficou por uma semana.

Neste ínterim, o parisiense tentava emendar uma das cordas para, pelo menos, o barco começar a se mover ao sabor do vento. O problema é que o vento, naqueles dias, não estava soprando em direção a Açores.

Um parêntese: para realizar uma empreitada desta magnitude, o sujeito tem que ter um plano A, outro B e outro C. Henri tinha como entrar em contato com alguma equipe de salvamento. Mas com o barco à deriva, o protocolo do alto-mar era afundar o barco ao invés de rebocá-lo. O francês era turrão, cabeça-dura e teimoso demais para deixar isso acontecer.

Por sorte, o vento deu uma guinada de 180°, e o barco começou, devagar, a se mover na direção certa. Dias depois, são e salvo, Henri chegou a Faial, uma das ilhas do arquipélago de Açores.

Esta ilha é de uma importância estratégica e geográfica enorme. Nela fica o Porto da Horta que tem se firmado como local de escala de iates nas travessias entre o continente americano e Europa. Foi também um importante entreposto nas ligações marítimas e aéreas (hidroaviões) e por cabo submarino no Atlântico Norte.

Incrivelmente, foi só depois de uma semana dessas tribulações que as dores pélvicas deram o ar de sua graça de novo. Mesmo assim, nosso herói passou um mês consertando o barco no Porto da Horta. E ainda teve pique para navegar sozinho até Faro, em Portugal. Um terapeuta das Ilhas Canárias lhe disse que estava com a bacia “deslocada” (travada, talvez?). Chegou bem em Ibiza.

Outro parêntese: se o leitor mais atento achar esta saga meio familiar, talvez seja porque tenha assistido ao ótimo Até o Fim (All Is Lost)  Eis a sinopse deste ótimo filme de 2013: “durante sua viagem pelo Oceano Pacífico, um navegador experiente tem seu veleiro parcialmente destruído após a colisão com um contêiner. Uma vez remendado o caso, ele terá a árdua tarefa de resistir às tormentas e à hostilidade da fauna marinha, munido apenas de mapas e de seu conhecimento das correntes marítimas”. O legendário Robert Redford carrega o filme todo com quase nada de diálogo. As filmagens devem ter sido realizadas no mesmo período das tribulações do gaulês. Fora isso, não parece haver ligação nenhuma com o seu ocorrido. Será a vida imitando a arte ou a arte imitando a vida?

Quando voltou para Salvador no final de 2012, consultou-se novamente na nossa clínica lá. A melhora foi imediata, e, mais uma vez, Henri sumiu. Foi tocar sua vida.

Ficou sem sentir nada até a primeira semana de novembro de 2013. Ao limpar o chão com um lava-a-jato, eletrocutou-se (!) com um fio descascado. O francês, duro na queda, conseguiu desvencilhar-se da corrente elétrica. Sua única sequela foi a tal da bendita dor pélvica que havia voltado mais uma vez.

E foi aí que este clínico o conheceu. Convenceu o parisiense a fazer um tratamento correto. Tratou-o algumas vezes. A dor, segundo Henri, estava desaparecendo. Exibia excelente recuperação. Mas aí nosso herói sumiu de novo. O mar o chamara mais uma vez rumo a novas aventuras. Volta e meia este que vos escreve lembra do seu incrível relato e tem curiosidade de saber por quais paragens este francês destemido anda.