Era uma vez uma princesa meio feiosinha, mas muito inteligente. Prometida para casar com um lindo, altivo e moreno príncipe de uma terra longínqua, ela apaixonou-se por ele de imediato. Foi viver então neste reino exótico. Mas, seus anos de felicidade foram arruinados por uma feiticeira com ambições usurpadoras pela qual seu estimado príncipe irremediavelmente se apaixonou. A princesinha então, infeliz, decepcionada e amargurada, ficou doente e morreu. O reino, de luto, execrou a feiticeira.

Os personagens deste triângulo amoroso inusitado são reais. E um deles é conhecido por qualquer aluno em idade escolar. Sim, caros leitores, o conto de fadas sem final feliz aconteceu de verdade no Brasil Imperial.

 “Maria Leopoldina Josefa Carolina Francisca Fernanda Beatriz da Áustria, princesa da Hungria e da Boêmia e princesa de Habsburgo-Lorena, filha do último imperador do Sacro-Império Romano-Germânico e imperador da Áustria, Francisco I (…), moça gorda de 20 anos, mãos rechonchudas, pele cor de creme, (…) não era feia nem bonita”. Tinha um beição inferior, próprio dos Habsburgo, que “não era visto como defeito, e sim com o signo de ascendência real de sua proprietária”. O casamento, arranjado como todo enlace real da época, foi com um jovem príncipe bonito, charmoso e moreno, cuja família fugiu de Portugal em 1808 para escapar de uma possível invasão de Napoleão Bonaparte.

Quando a futura Imperatriz Leopoldina botou os olhos pela primeira vez no garboso Dom Pedro I, apaixonou-se perdidamente. No começo, tudo eram flores. Tudo divino e maravilhoso. Cavalgavam juntos. Caçavam juntos. Interessada em botânica, trouxe naturalistas para aquele mundo novo.

Dom Pedro I, no entanto, era um quintessencial canalha. O sujeito era malandro, mulherengo, mal-educado, maroto e cafajeste. Vivia entre um rabo de saia e outro. Catapultado para o poder, após da abrupta volta de Dom João VI para Portugal, ficou com um país quebrado financeiramente e com uma infinidade de problemas. Em 1822, declarou a independência do Brasil e tornou-se o seu primeiro imperador.

Dom Pedro caiu-se de amores por Domitila de Castro Canto e Melo — uma senhora casada, diga-se de passagem. A paixão foi avassaladora. No início, até tentaram esconder, mas depois escancararam mesmo. A corte escandalizou-se. Além dos encontros carnais, correspondiam-se freneticamente por cartas de alto teor erótico. O Imperador a chamava de “Titília” e assinava com o sugestivo nome de “Demonão” e/ou “Fogo Foguinho”, juntamente com um desenho do pênis real ereto e ejaculando. Acabou conferindo-lhe o título de Marquesa de Santos e nomeando-a como Dama de Companhia da Imperatriz.

Esta suprema humilhação deprimiu Leopoldina profundamente. Passou a não se cuidar cada vez mais. Perdeu o gosto de viver. Casos crônicos de depressão, seguidos por insônia, comprometem frequentemente a produção de serotonina, um neurotransmissor que modula a dor. Começou, então, a sentir dores de coluna. “Tinha uma dor no ilíaco que parecia queimá-la por dentro”. Doía-lhe também “a virilha e os quadris”. Adoeceu de vez. No seu delírio, atribuía à amante do marido “poderes de feitiçaria negra. Reagia com gritos ao vê-la”. E assim, em meio deste sofrimento todo, morreu.

Dizem as más línguas que, numa de suas muitas discussões, “dom Pedro I, em um acesso de raiva, teria dado um pontapé na imperatriz grávida, jogando-a escada abaixo no palácio na Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, no Rio de Janeiro (o mesmo prédio que acabou abrigando o Museu Nacional — e que pegou fogo em setembro de 2018). O ataque teria quebrado o fêmur da imperatriz, causado seu último aborto e deflagrado a infecção generalizada que a matou em 1826.”

Se houve de fato um ataque de raiva ou uma agressão física a Imperatriz, isso ninguém nunca vai saber por certo. Mas o corpo de dom Pedro I e da Imperatriz Leopoldina foram exumados em fevereiro de 2012.  A exumação desbancou muitos mitos históricos tidos como fatos. “Uma das revelações importantes dos restos exumados de dona Leopoldina foi a de que não havia sinais de fratura em seu fêmur. Essa informação, em tese, desmentiria o episódio da Quinta da Boa Vista. ‘É uma história de origem pouco conhecida, mas que foi repetida infinitamente e acabou sendo tratada como verdade’, diz Isabel Lustosa, historiadora da Fundação Casa de Rui Barbosa e autora do livro ‘D. Pedro I: Um Herói Sem Nenhum Caráter‘.”

Depois da morte da Imperatriz, a Marquesa de Santos foi abertamente hostilizada. O caso, com todos os detalhes sórdidos, espalhou-se pela Europa. Por causa disso Dom Pedro teve uma dificuldade enorme para encontrar outra esposa. Nenhum nobre de juízo arriscava-se a entregar sua filha àquele homem. Domitila não se importou muito, pois acalentava o sonho de tornar-se Imperatriz.

Mas o destino não quis assim: Dom Pedro, depois de muitos altos e baixos, acabou casando-se com “a princesa Amélia Augusta Eugênia Napoleona, filha do duque Eugênio de Leuchtenberg, ex-vice-rei da Itália”. Mesmo sendo parte de uma realeza menor, agradou o Imperador, pois era neta adotada de Napoleão Bonaparte, que muito admirava (a própria Leopoldina era cunhada do homem). É irônico porque foi este mesmo Napoleão que causou Dom João VI a fugir de Portugal. E que acabou sendo ele mesmo o estopim inicial desta estranha corrente de eventos.

O caixão que repousava dona Amélia, por um capricho do destino, era o mais bem lacrado do que o do Imperador e da Imperatriz Leopoldina. Seu corpo, que tinha sido muito competentemente embalsamado, ficou em ótimo estado de preservação — uma autêntica múmia do Império. “Quando (o caixão) foi aberto, em 10 de agosto de 2012, o cheiro de cânfora dominou o ambiente, pois a substância era um dos principais ingredientes do embalsamamento.”

A futura Imperatriz Amélia não abriu mão. A Marquesa tinha que cair fora antes mesmo que ela chegasse ao Brasil. Dom Pedro, que não era besta nem nada, achou melhor obedecer.

E assim acabou o caso de amor mais tórrido, sórdido e caliente do Brasil Império.

(Fonte: A Carne e o Sangue, de Mary del Priore – Editora Rocco,2012)