Maimônides, célebre médico da Idade Média, dizia que “um médico deve fazer uma consulta de uma hora, em que durante dez minutos deve auscultar os órgãos do paciente e durante os 50 minutos restantes sondar-lhe a alma”.

Este relacionamento médico-paciente é tão importante que Ana Rosa Sancovski, psicóloga do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, defendeu-o numa tese de doutorado em 2002. Nela, descreve que, “em 70% dos casos, os pacientes apresentam fatores psíquicos que desempenham um papel importante, às vezes determinante no contexto da doença”. E constata que “uma boa conversa com o médico altera positivamente o quadro de um paciente, reduzindo o estado de ansiedade e depressão”. E o que é isso a não ser um bom e velho efeito placebo?

Antes de darmos vazão a discussões e controvérsias, convém definir a palavra Placebo. Sua origem remonta do verbo latino placere  — que, mais especificamente, corresponde à primeira pessoa do singular do futuro do indicativo. Pois bem: placere significa “agradar”. Placebo literalmente, portanto, equivale a frase “eu agradarei”. O placebo era “qualquer substância ou preparação inativa (…) administrada para agradar ou gratificar um paciente”. Nos tempos de hoje, convencionou-se a dizer que placebo seja qualquer substância sem nenhuma propriedade farmacológica que é “usada em estudos controlados pra determinar a eficácia de substâncias medicinais” (Dorlando Medical Dictionary, 1951).

Ocorre que placebo não é limitado a somente a substâncias ineficazes, por assim dizer. O efeito placebo pode se estender a basicamente qualquer procedimento médico, incluindo aí anestesias, cirurgias e os chamados “efeitos não-específicos do tratamento“.

O efeito placebo tem sido freqüentemente subestimado ou até execrado em certos círculos médicos — principalmente no que diz respeito a procedimentos tidos como alternativos. Homeopatia, acupuntura, e até Quiropraxia volta e meia são acusadas de serem nada mais que placebos. Mas no exercício da profissão, o clínico tem que possuir um bom domínio de ciência e arte de seu ofício, que combina efeitos específicos e não-específicos de tratamento.

  • Os efeitos específicos englobam resultados de eficácia comprovada, como receitar um antibiótico para curar pneumonia, por exemplo.

  • Os efeitos não-específicos são a confiança que o paciente deposita no médico, uma palavra amiga, saber escutar e ter empatia, os efeitos terapêuticos do toque, a “mágica” das pílulas ou o “drama” da cirurgia. A proverbial fé que remove montanhas.

Isto não seria placebo no seu estado mais puro?

Em 1994, a revista científica The Lancet publicou uma série de 07 artigos escritos pelas melhores mentes da medicina da Europa e América do Norte, com o objetivo de restaurar o bom nome do efeito placebo, e reconhecer os benefícios específicos que ele contribui em qualquer tipo de tratamento.

Este próprio artigo foi escrito em resposta a um editorial publicado num jornal local que alertava para os excesso da chamada medicina alternativa e relatava um estudo sobre cefaleia em que “quiroprática” e placebo apresentaram reduções idênticas e equivalentes dos sintomas. Apesar de não ter sido mencionada a origem do estudo, este “empate técnico” do tratamento X placebo tem se repetido, não só com Quiropraxia, mas em várias outras áreas da saúde.

Saca só essa: em uma pesquisa publicada no New England Journal of Medicine em 2002, foram divididos aleatoriamente em 03 grupos 180 pacientes de menos de 75 anos, todos com dores no joelho por pelo menos 06 meses, mas sem histórico de cirurgia.

  • No primeiro e segundo grupo, foram feito lavagens no joelho com raspagem mínima e completa, respectivamente.

  • No terceiro grupo, foi simulado a artroscopia somente com 03 incisões superficiais de 01 centímetro cada – o grupo do placebo.

    O cirurgião ortopedista que realizou todas as operações era membro do comitê olímpico dos Estados Unidos e com 10 anos de experiência num centro médico acadêmico.

  • Todos os paciente foram re-avaliados com 02 e 06 semanas, 03, 06, 12, 18, e 24 meses, ou seja, passaram-se 02 anos.

O resultado surpreendeu a todos: “em nenhuma das avaliações os grupos que se submeteram à cirurgia relataram menos dores ou melhores funções do que o grupo de placebo”. De fato, “função objetiva foi significantemente pior no grupo em que houve raspagem completa do que no grupo de placebo”. Pensem bem: o grupo de placebo não saiu devendo nada ao grupos que fizeram a artroscopia.

Pensando um pouco melhor, este estudo, até mais do que placebo, é um grande proponente de quão imperativo é a necessidade de uma boa reabilitação.

Dito isso, este artigo em momento algum advoga a extinção das artroscopias do joelho. Meramente relata uma pesquisa que obteve resultados surpreendentes na época em que foi publicada num jornal científico altamente respeitável. E é o que é: somente uma pesquisa científica dentre tantas outras que certamente tiveram conclusões mais positivas sobre tal procedimento cirúrgico. E o mesmo pode ser dito sobre as centenas de pesquisa de comprovam a eficácia da Quiropraxia, como, por exemplo, esta sobre cefaleia da JMPT.

Só não subestimem o efeito placebo. Ele é importante para nossa profissão, bem como todas as outras da área de saúde — sejam elas quais forem!