13 de maio de 2025, uma terça-feira.

Foi-se Divaldo Franco.

“Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre.”                                                                                                                                                                Ariano Suassuna, O Auto da Compadecida

Mas será que a morte é mesmo aquele “mal irremediável”? E se for somente uma passagem?

Para Divaldo Pereira Franco, morte não passava de uma mera transição. Provavelmente muitos colegas nunca ouviram falar dele, que além de professor, escritor, orador, e filantropo, era também um internacionalmente famoso médium espírita — um dos maiores divulgadores desta doutrina e considerado por muitos como o sucessor de Chico Xavier. Muito conhecido, portanto — sobretudo aqui na Bahia.

Um parêntese: o Espiritismo — “uma doutrina religiosa de cunho filosófico e científico”, surgiu na França em meados do século XIX. “Iniciou-se a partir dos estudos e observações realizadas pelo renomado pedagogo e educador francês Hippolyte Léon Denizard Rivail, também conhecido pelo pseudônimo de Allan Kardec (1804–1869)” — daí ser conhecida também como Kardecismo.

Os espíritas acreditam que a morte não é o fim, mas uma passagem. O ser humano estaria em constante evolução espiritual, atingida através de sucessivas reencarnações. De acordo com o próprio Kardec, seria uma tentativa de buscar “uma melhor compreensão não apenas do universo tangível, mas também do universo a esse transcendente”. Com isso, a doutrina “pretende explicar, a partir de uma perspectiva cristã, o ciclo pelo qual um espírito supostamente retorna à existência material após a morte do antigo corpo em que habitava, além da evolução pela qual ele passa durante este processo. O conceito também interage com concepções filosóficas e científicas sobre a relação entre o físico e a moral”.

O objetivo filosófico das reencarnações é se aprimorar sempre, corrigir distorções, até atingir um estágio de “espírito de luz” — não muito diferente do “nirvana” descrito pelos budistas. Aliás, o espiritismo é bastante tolerante aos “preceitos de diferentes religiões, como a cristã e a umbanda, por exemplo, sendo que existem particularidades específicas em comparação a cada uma delas.” E além desta tolerância (sempre muito positiva, diga-se), a doutrina baseia-se também nos princípios da caridade.

Outro parêntese: Esta questão de qualificar o espiritismo como ciência tem sido alvo de críticas — e já não é de hoje. A comunidade científica, como não poderia deixar de ser, tende a rejeitar as alegações de fenômenos paranormais que fundamentam o espiritismo, como mediunidade, reencarnação, psicografia e parapsicologia. Empiricamente falando, tem lá a sua razão.

Seja como for, o espiritismo segue forte no Brasil, que “é considerado o país com a maior nação espírita do mundo. Existem aproximadamente 3,8 milhões de brasileiros que seguem oficialmente o espiritismo como doutrina, segundo o censo brasileiro de 2010”.

“Divaldo foi responsável por mais de 20 mil conferências, realizadas em mais de 2.500 cidades e 71 países ao redor do mundo. Com mais de 260 obras publicadas e mais de 10 milhões de exemplares vendidos, ele deixou um legado literário espírita que abrange mais de 200 autores espirituais nos mais diversos temas e gêneros textuais.” E ressaltando que nem todo caridoso é necessariamente espírita, mas que todo espírita necessita ser caridoso, foi justamente nos projetos sociais que ele se sobressaiu.

O maior deles foi a Mansão do Caminho. Fundada em 1952 e localizada hoje no bairro periférico do Pau da Lima, em Salvador, “acolhe e educa milhares de crianças que antes viviam em condições de miséria extrema. Apesar de não deixar filhos biológicos, ele era reconhecido como pai de cerca de 685 pessoas que acolheu e instruiu ao longo dos anos (…)”. “Construída numa área de 78 mil metros quadrados e com 44 edificações, beneficia “mais de 5 mil pessoas que procuram ajuda material, educacional e espiritual” através de “escolas, oficinas profissionalizantes e atendimento médico, transformando a entidade em um grande complexo educacional. Até hoje, o espaço atende crianças, jovens e famílias inteiras de baixa renda, com atividades diversas, ensino fundamental e médio, cursos profissionalizantes e atendimento de saúde”. Sobrevive à base de doações e renda da venda dos livros.

A mediunidade de Divaldo Franco, manifestada desde a tenra infância, não veio sem sua quota de problemas. A famíia não entendia. “Tanto seus irmãos mais velhos, (…), quanto seu pai o recriminavam pelas visões e até lhe aplicavam surras, considerando que se tratava de algo demoníaco.”  Aos 17 anos, durante o velório do irmão, “sentiu que suas pernas haviam ‘sumido’ e acabou sofrendo com uma paralisia que o deixaria de cama por cerca de seis meses”. Eventualmente se recuperou.

Não se sabe se este ocorrido teve alguma influência quando, 76 anos depois, o professor Divaldo, aos 93 anos, foi submetido a uma cirurgia de hérnia discal (muita coragem da equipe que realizou a cirurgia). Não se sabe exatamente que tipo de procedimento foi usado, mas a imprensa divulgou que corrigiram “três hérnias de disco”(!). Após 4 dias internado, teve alta e começou a fazer “caminhadas e exercícios com apoio da fisioterapia. Ele ainda sente um pouco de dormência na perna e no pé, o que é considerado normal pelos médicos, mas a fisioterapia está auxiliando na melhora do quadro. Também está bem disposto e começou a trabalhar um pouco (…)”.

Durante a elaboração deste artigo, foi feita uma enquete com 6 Quiropraxistas que atuam em Salvador se haviam ouvido falar algo a respeito de alguma tentativa de tratamento conservador antes da tal cirurgia. 5 não sabiam nada a respeito do assunto. 1 havia conversado com um médico amigo dele e do professor Divaldo. Mas até onde vai seu conhecimento, nenhum tratamento conservador foi feito antes da cirurgia.

Por outro lado, considerando que o homem fez a cirurgia aos 93 e morreu aos 98, não houve, nestes últimos 5 anos, nenhuma notícia que o procedimento não tivesse obtido êxito.

Houve, dentre os meus, um episódio pessoal que envolveu Divaldo Franco. Ante uma tragédia que acometeu minha família em 2023, quando minha prima caçula veio a óbito após uma queda de cavalo (ver Artigo 149), sua mãe (minha tia), poucos dias depois da morte da filha, foi visitá-lo.

“‘Estava num período de muita raiva (e questionava) por que aconteceu? Por que ela foi tirada de mim? Por que a espiritualidade fez isso? Eu não vou mais acreditar em nada’. (Tinha comprado alguns livros e estava na fila para ele autografar, mas só pensava em uma coisa). Quando cheguei junto dele, perguntei ‘Divaldo, por que a espiritualidade me tinha tirado (minha filha) tão nova?’ Aí ele, naquele jeito só dele, de muita luz, baixou a caneta e respondeu: ‘Porque era o tempo dela. Ela tinha este período para estar aqui nessa encarnação. Mas sua filha está bem e já está trabalhando num plano espiritual’. Eu tinha uma segunda pergunta para fazer a ele, mas eu achei que não era pertinente. (Então) fiquei calada.”

“Aí ele começou a falar comigo sobre um livro de Chico Xavier. (…) (Sugeriu) que eu lesse este livro, que contava a história de um pai que perdeu uma filha. (…) Concluímos o atendimento. Eu fiquei muito chorosa. Uma amiga (que me acompanhava) me disse: ‘Para Divaldo falar isso que ela está trabalhando, sua filha deve ser um espírito de muita luz’. Comprei o livro lá na Mansão, vim para casa e comecei a ler (…). Me peguei sorrindo. Era exatamente a resposta da pergunta que não fiz a ele. O livro realmente me respondia o que precisava saber sobre a questão do desencarne dela.”

“E Divaldo, naquele momento, foi uma pessoa muito importante no meu luto. Foi muito importante ter ido a ele naquele luto. E eu hoje estou de luto pela perda dele. Mas sabendo que ele está feliz de ter retornado à casa espiritual.”

Sim, foi um alento para ela. E para ele, o dia 13 de maio de 2025 foi um descanso — ou uma passagem.