Pode-se dizer que a 1ª Guerra Mundial (1914-1918) foi um conflito entre trincheiras. Os avanços tecnológicos em termos de armamentos tornou os avanços da infantaria em terreno aberto uma tarefa inglória, letal e extremamente difícil. O jeito era avançar metro por metro e se proteger no ínterim — daí a função das trincheiras. E colocar um grande número de soldados em verdadeiros buracos de condições insalubres chafurdando na própria imundicie seria inevitavelmente um terreno fértil para doenças, surtos e epidemias.

Foi justamente em meio a esta sopa de patógenos que dois médicos neurologistas parisienses que serviam num destes centros de socorro do exército identificaram uma dita nova doença observadas em dois soldados franceses. A afeccção era caracterizada por “distúrbio motor, supressão do reflexo do tendão e parestesia (…)”.

Na verdade, a tal doença já havia sido descrita antes, em 1859, pelo também médico francês Jean Baptiste Octave Landry como “um distúrbio dos nervos periféricos que paralisava os membros, o pescoço e os músculos respiratórios, caracterizando-a como uma paralisa ascendente aguda”. Mas havia uma diferença básica para completar o diagnóstico: necessitava-se uma punção lombar para a coleta do líquido cefalorraquidiano. E isso só começaria a ser feito a partir de 1891. O trabalho de Landry estava, portanto, incompleto.

Pois bem: intrigados com os sinais neurológicos, os médicos parisienses foram atrás do colega André Strohl, um então jovem médico eletrofisiologista. Constatou-se “leve mudança na reação elétrica de nervos e músculos”. Não satisfeitos, partiram para a punção lombar que mostrou “hiperalbuminose do líquido cefalorraquidiano com ausência de reação citológica”. Era o pedaço do quebra-cabeça que faltava do trabalho de Landry.

Apesar da severidade dos sintomas, os soldados eventualmente e surpreendentemente se recuperaram. Isso é um ponto importante.

De posse desses resultados, em 1916, André Strohl, Georges Charles Guillain e Jean Alexandre Barré descreveram esta nova síndrome no periódico Bulletins et Mémoires de la Société Médicale des Hôpitaux de Paris — que acabou levando uma geração inteira para ser finalmente cunhada como síndrome de Guillain-Barré pela primeira vez em 1927 pelos também neurologistas franceses H. Draganesco e J. Claudion.

Não se sabe se houve um pouquinho de corporativismo entre neurologistas, mas o nome de Strohl foi meio que esquecido — talvez pela sua então pouca idade, ou talvez pela sua participação ter se restringido somente a eletrofisiologia. Landry foi também jogado para escanteio. Mas, sem os resultados da punção lombar, sua descrição meio século antes carecia de especificidade e  “provavelmente incluía todos os tipos de paralisa ascendente aguda e subaguda, como alguns casos de poliomielite ou mielite ascendente”.

Com o passar das décadas, foram descobrindo mais informações sobre a síndrome de Guillain Barré:

  • Que se trata de “um distúrbio autoimune, ou seja, o sistema imunológico do próprio corpo ataca parte do sistema nervoso, que são os nervos que conectam o cérebro com outras partes do corpo”;

  • Que “embora (…) seja difícil comprovar a verdadeira causalidade da doença”, este distúrbio autoimune pode ser (…) “geralmente provocado por um processo infeccioso anterior e manifesta fraqueza muscular, com redução ou ausência de reflexos”;

    Isto significa que síndrome de Guillain-Barré pode se desenvolver secundária a alguma infecção bacteriana e/ou viral — que pode incluir “Zika, dengue, chikungunya, citomegalovírus, vírus Epstein-Barr, sarampo, vírus de influenza A, Mycoplasma pneumoniae, enterovirus D68, hepatite A, B, C, HIV, entre outros”. Houve inclusive muitos casos durante a Pandemia, pelo vírus do Covid-19. Mas de longe a causa mais comum é infecção por Campylobacter (uma bactéria encontrada em galináceos que causa diarréia).

  • Que os sintomas começam entre 5 dias e 3 semanas “após uma infecção leve, cirurgia ou após uma imunização”, pioram em 3 ou 4 semanas — e aí ou estabilizam ou retornam ao normal (muito importante para caracterizar o caráter transiente da doença).

    Se houver uma piora por mais de 8 semanas, a nomenclatura muda. Aí já não é mais considerada síndrome de Guillain-Barré (GBS) e sim polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica (PDIC).

Como dito acima, a tal reação autoimune (que, presume-se, seja a causa da síndrome de Guillain-Barré) atacaria a bainha de mielina (“que envolve o nervo e permite que os impulsos se desloquem rapidamente”) e/ou o axônio (“parte do nervo que envia mensagens”). É justamente por isso que “a maioria dos pacientes percebe inicialmente a doença pela sensação de dormência ou queimação nas extremidades membros inferiores (pés e pernas) e, em seguida, superiores (mãos e braços)”. Há também o que se chama de fraqueza muscular ascendente: começa “pelas pernas, podendo, em seguida, progredir ou afetar o tronco, braços e face, com redução ou ausência de reflexos”. Esta fraqueza progressiva é o sinal mais perceptível ao paciente.

Na Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA), a fraqueza muscular tende a ser descendente: começaria nos membros inferiores e depois desceria para o tronco e pernas — além de, claro, eventualmente afetar a deglutição e respiração (ver Artigo 53). Mas o que pode confundir o diagnóstico é que estes últimos também às vezes ocorrem com SGB: “em 5% a 10% (dos pacientes), os músculos que controlam a respiração ficam tão enfraquecidos que é necessário recorrer à ventilação mecânica”; (…) “quando a doença é grave, os músculos da face e da deglutição se tornam fracos em mais da metade das pessoas afetadas (que) podem engasgar ao se alimentar ou se tornam desidratadas e desnutridas”.

“Dor neuropática lombar (nervos, medula da coluna ou no cérebro) ou nas pernas pode ser vista em pelo menos 50% dos casos”. Isto pode ser confundido com problemas de coluna e levar a pessoa eventualmente a um consultório de Quiropraxia — daí a importância de estarmos sempre atentos. Até porque a doença não é exatamente fácil de diagnosticar. Seus sinais e sintomas cobrem um amplo espectro e podem incluir: “sonolência; confusão mental; coma; crise epiléptica; alteração do nível de consciência; perda da coordenação muscular; visão dupla; fraqueza facial; tremores; redução ou perda do tono muscular”.

Um paciente antigo deste que vos escreve certa vez relatou suas desventuras procurando um diagnóstico de um mal repentino que tinha muitos dos sinais e sintomas descritos acima — que, de acordo com ele, começaram após uma “vacina de gripe”. Assustado, gastou mundos e fundos com exames e consultas. Alguns exames desnecessários e diagnósticos errados depois, constatou-se, após punção lombar com análise do líquido cefalorraquidiano, eletroneuromiografia e estudos de condução nervosa, que o problema era mesmo síndrome de Guillain-Barré — exames estes, aliás, mais simples e menos complicados do que os anteriores, mas que foram primordiais para alcançar o diagnóstico correto. O paciente eventualmente recuperou-se sem sequelas. Sobreviveu para contar.

Mas, então, Quiropraxia pode ajudar? No alívio das dores tende a ser bastante eficaz. Talvez até ajude na estabilização e na recuperação do paciente — mas isso ainda é um grande “talvez”. Não há consenso nem pesquisas. Numa busca rápida pela internet, encontrou-se somente um estudo de caso que afirmava que “tratamento com Quiropraxia, que inclui terapia de manipulação vertebral em áreas de queixas subjetivas, foi paliativa.” Neste caso específico, o déficit sensorial do paciente depois de 05 meses voltou quase totalmente ao normal “e sua força da perna melhorou”. Mas paira a dúvida se esta melhora teria ocorrido independentemente do tratamento com Quiropraxia.

Aqui na clínica, após alguns anos tratando um paciente com suspeita de síndrome de Guillain-Barré (a doença nunca foi diagnosticada apropriadamente porque nunca ninguém se animou a fazer uma punção lombar, somente ressonâncias — e o paciente tem parcos recursos para procurar respostas fora do sistema público de saúde), tudo o que foi alcançado foram somente alívio das dores e estabilidade dos sinais. Diferentemente do caso descrito anteriormente, este paciente em particular apresenta sequelas até hoje (que, como também dito acima, talvez mereça uma reclassificação). Ou seja, a doença, mesmo tendo começado como SGB, hoje talvez esteja mais para PDIC.

Em janeiro de 2020, houve uma ambiciosa iniciativa em “fazer uma revisão sistemática e meta-análise para avaliar a eficácia e segurança da acupuntura no tratamento da SGB” — já que, “de acordo com a última revisão e pesquisa clínica, como terapia da medicina tradicional chinesa, a acupuntura pode reduzir a dor, aumentar a força muscular, melhorar a função neurológica e melhorar o estado psicológico dos pacientes”. Mas o próprio estudo reconhecia não haver “uma avaliação completa do estado psicológico dos pacientes. evidência clínica de tratamento com acupuntura para SGB até agora” (ver mais sobre acupuntura no Artigo 145). O trabalho aparentemente continua em andamento.

Sabendo então não haver um caminho exatamente fácil, “o tratamento consiste em acompanhamento clínico, fisioterápico, fonoaudiológico, psicoterápico, entre outros, com o objetivo de aliviar os sintomas ou (pelo menos estabilizar)”. Ou, em “casos mais graves, o tratamento imediato com imunoglobulina por via intravenosa ou plasmaferese, juntamente com cuidados de apoio, permite uma boa recuperação na maioria das pessoas”.

Em casos ainda mais severos, “as funções internas controladas pelo sistema nervoso autônomo podem ser prejudicadas. Por exemplo, a pressão arterial pode flutuar amplamente, o ritmo cardíaco pode ficar anormal, a pessoa pode reter urina e pode ocorrer obstipação grave”.

Então não se enganem: apesar de rara e de muitas vezes rápida recuperação, a síndrome de Guillain Barré pode, sim, ser bastante agressiva e até letal. “Aproximadamente 5% a 15% dos casos podem evoluir para óbito, geralmente resultante de insuficiência respiratória, pneumonia aspirativa, embolia pulmonar, arritimias cardíacas e sepse hospitalar.” E ressalte-se: a doença por si só não é contagiosa — “mas os vírus e bactérias que a causam, sim.”

Por isso, como Quiropraxistas, precisamos não só reconhecer e indicar, mas também ser capazes de proporcionar algum alívio ao paciente no seu penoso processo de recuperação.