Nas primeiras décadas do século XX, quando a Quiropraxia como profissão apenas engatinhava, um aparelhozinho chamado neurocalorímetro foi inventado. A idéia era medir a diferença de temperatura por toda a extensão da coluna vertebral — do pescoço ao sacro. Cada leitura teria que ser diferente da outra numa pessoa saudável. Se houvesse uma repetição nos padrões, configurava-se aí um problema na coluna.

Entretanto, é difícil ser empírico com o neurocalorímetro. Aparentemente não há evidências científicas que corrobore esta teoria. Alguns Quiropraxistas nem o usam mais — inclusive este que vos escreve. Mesmo assim, a teoria por trás dele continua sendo muito interessante.

Talvez sem querer, os pioneiros da profissão esbarraram num conceito oriental milenar — o tao (“caminho”, em chinês). Para esta filosofia, a natureza, apesar de harmônica e organizada, está sempre em constante estado de mutação. Exatamente como a leitura do neurocalorímetro numa pessoa saudável, não deveria existir um padrão. Tal qual a música de Lulu Santos, “nada do que foi será de novo do jeito que já foi um dia”. O surgimento do padrão denota desequilíbrio — e doenças originam-se daí.

O tao “influenciou fortemente o budismo e o confucionismo”. Para os orientais, tudo no Universo é feito de energia, inclusive o ser humano. A saúde física e mental depende que a energia flua e circule “pelo corpo em equilíbrio e harmonia — os dois estados responsáveis pela ordem das coisas na natureza”. Esta energia, sempre presente e sempre mutante, é chamada de qi (pronuncia-se tchí). No século II, o filósofo Zhang Zai dizia que “um nascimento é a condensação do qi; a morte, sua dispersão”.

Mesmo argumentando que qi é um mito e tao apenas uma crença, isto tudo faz a gente pensar. O sistema nervoso central, ramificando-se no periférico, é energia elétrica pura e simples. Gerada por ação potencial, e transmitida por neurônios, esta energia rege todas as funções do corpo humano. Qualquer problema na coluna vertebral interfere com seu fluxo. Um sujeito com dores nas costas tende a se sentir desmotivado, desanimado e impaciente. Pergunte isso a qualquer pessoa que sofre da coluna e a resposta muitas vezes confirmará a frase anterior.

A Medicina Tradicional Chinesa é baseada neste conceito de que a saúde do homem é fruto do equilíbrio da energia vital — e antecede a ocidental por, pelo menos, uns dois milênios.

E pensem nisso por um instante: enquanto vivíamos assolados por pragas, pestes, ignorância e superstições, os chineses já haviam evoluído “para um embasamento filosófico que estabelece a influência sobre a saúde de fatores como dieta, estilo de vida, emoções e ambiente”. (Revista AVENTURAS NA HISTÓRIA, Edição 89, dezembro de 2010). Foi um grande passo além das crenças primitivas baseadas na tradição xamânica que atribui as doenças à ação de demônios.

Na Idade Média, quando os ocidentais estreitaram mais ainda o contato com o oriente, descobriram que os chineses, particularmente, estavam a anos-luz na frente da nossa medicina. Alguns não quiseram admitir tal disparate. Afinal de contas, vivíamos num período em que o banho era visto como um perigo a saúde porque “abria os poros às doenças”. E o que sabiam estes bárbaros pagãos?

No entanto, os padres jesuítas portugueses que se dedicavam à catequese no Japão tiveram esta grande sacada e trouxeram a novidade para a Europa por volta do século XIII. A moda pegou e o resto é história.

Há vários ramos da Medicina Tradicional Chinesa (MTC):

  • A fitoterapia envolve o uso de plantas medicinais em forma de chás, extratos e cápsulas. Estourou na Europa, principalmente durante os séculos XVI e XVII;

    Curiosamente a origem da palavra é grega (θεραπεία (therapeia) = tratamento + φυτόν (phyton) = vegetal). O estudo das plantas medicinais e suas aplicações na cura das doenças surgiu independentemente na maioria dos povos —  na China por volta de 3000 a.C..

  • A dietoterapia combina cores e sabores dos alimentos;

  • Massagens (como o tui na e o shiatsu) e os exercícios físicos, (como o tai chi chuan e o lian gong);

    A bem dizer da verdade, shiatsu é de origem japonesa — mas com filosofia semelhante à da MTC.

  • E finalmente, temos a acupuntura.

Esta última, mais conhecida e a que goza de maior respaldo na comunidade científica, merece uma explanação mais detalhada.

Acupuntura deriva do latim acus (agulha) e punctum (picada ou punção). Aparentemente, um jesuíta europeu fez uma tradução livre das palavras chinesas “zhen” e “jiu”, que significam algo como “longo tempo de aplicação”. O nome ocidental pegou. E dá uma falsa impressão que o terapeuta só trabalha com agulhas. Na verdade, podem ser usados os dedos (acupressão), ventosas, ou calor (como moxa ou até laser).

Acupuntura é uma arte milenar. Reza a lenda que tudo começou nas observações de um médico no campo de batalha. O pé de um dos soldados foi transpassado por uma lança. E durante o período de convalescência, notou-se que uma persistente cefaléia que o acompanhava havia anos tinha simplesmente sumido. O médico então raciocinou que havia algum tipo de correlação entre aquele ponto no pé do soldado com sua dor de cabeça.

Verdadeira ou falsa, esta estória estabeleceu os rudimentos dos meridianos. São 12 linhas principais por onde flui a energia vital no corpo. “Para os chineses, a energia circula no homem pelos meridianos, caminhos distribuídos no corpo inteiro”, diz a médica Helena Campiglia, professora da Associação Médica Brasileira de Acupuntura e da Universidade de McMaster, em Toronto, Canadá. A idéia dos meridianos, contudo, não é exclusiva da acupuntura. Outras terapias chinesas, como a dietoterapia e massagens (tui na, por exemplo), também seguem o mesmo preceito.

Segundo Campiglia, a acupuntura utiliza entre 400 a 800 pontos identificados ao longo desses meridianos. Estes pontos específicos podem ser acionados tanto para favorecer quanto para reter a circulação de energia. “Quando há bloqueio ou estagnação de energia no organismo, surgem as doenças”, diz o médico Ysao Yamamura, chefe do setor de medicina chinesa e acupuntura da Unifesp (Revista AVENTURAS NA HISTÓRIA, Edição 89, dezembro de 2010). Soa familiar?

Os pontos de acupuntura, portanto, estimulam a normalização deste fluxo energético. E, em tese, restaurariam a saúde.

Ainda paira sobre a comunidade científica controvérsias sobre a real eficácia desta especialidade. Como um todo, a Medicina Tradicional Chinesa padece por falta de comprovação científica de resultados obtidos pelos tratamentos ou de seus mecanismos de funcionamento. “Mas há um avanço nesta aceitação”, diz Yamamura. Talvez o erro esteja em procurar respostas com olhos ocidentais. Os meridianos, até onde sabe este escriba, não seguem preceitos anatômicos.

Mesmo assim, de todos os ramos da Medicina Tradicional Chinesa, a acupuntura é a mais bem documentada, com uma série de pesquisas amplamente favoráveis. Volta e meia aparece algum novo estudo comprovando a eficácia da acupuntura. Afinal de contas, milhões de pacientes satisfeitos não são apenas placebos.

Mesmo tendo florescido no oriente por milênios, a acupuntura sofreu um revés em 1912, quando a pressão inglesa fez com que a China banisse suas tradições médicas. Foi reabilitada durante a Revolução Cultural de Mao Tse Tung. O salto definitivo para o ocidente se deu quando Georges Soulié de Morant, um diplomata que viveu muitos anos na China, traduziu livros importantes, entre eles a Acupuntura Chinesa, de 1941. O jornalista James Reston, do The New York Times, fez uma série de reportagens sobre o tema, na década de 70. O movimento hippie aderiu.

E hoje em dia, aqui mesmo no Brasil, pode-se fazer graduação na área. A acupuntura é reconhecida como especialidade médica pelo Ministério da Educação e Cultura, pelo Ministério da Saúde e pelo Conselho Federal de Medicina. Não é, no entanto, exclusividade médica.