Al Swearengen é um sujeito vil, desprezível e peçonhento. É também o dono do Saloon mais popular de um acampamento na região de Black Hills, localizada hoje no estado americano de Dakota do Sul. Swearengen é também o principal cafetão daquele fim de mundo sujo e enlameado, onde a vida não vale um tostão furado.

Prostituta não fatura o suficiente? Al Swearengen enche-a de porrada. Gosta de roubar almofadinhas recém-chegados. Trafica ópio. Mata quem se mete nos seus planos — às vezes, até com requintes de crueldade. Joga os restos mortais para os porcos.

Deadwood é uma série de televisão americana. Um faroeste que foi exibido pelo canal de televisão a cabo HBO entre 2004 a 2006. Durou somente três temporadas.

Deadwood é também o nome da cidade que aquele acampamento ilegal de Black Hills mais tarde se tornaria. Ilegal porque foi um território legado aos índios americanos pelo Tratado de Laramie, em 1868. Não poderia haver nenhum homem branco por lá.

Mas o General George Armstrong Custer andou violando o tratado e anunciou a descoberta de um veio de ouro naquela região, em 1874. Foi o suficiente para a corrida começar. Logo aquela cidade sem lei já contava com mais de cinco mil habitantes. Uma oportunidade de ouro (sem trocadilhos) para Al Swearengen enriquecer.

Como aquela área não havia ainda sido anexada ao Território de Dakota, não era tecnicamente parte dos Estados Unidos. A lei não chegava até lá. O seriado mostra o crescimento de Deadwood — de acampamento a cidade. Os princípios do capitalismo ocidental bem como a formação das comunidades e a necessidade de leis para reger a sociedade estão nas entrelinhas deste excelente seriado. A crítica adorou.

Deadwood foi nominado a 28 Emmys (o Oscar da televisão) e ganhou oito.  A interpretação furiosa e visceral do britânico Ian McShane como Al Swearengen fez com que ele ganhasse o Globo de Ouro de Melhor Ator de Seriado de Televisão em 2005.

O produtor e escritor do programa, David Milch, tentou ser realista. Usou diários e anotações da época, bem como notícias de jornais para desenvolver personagens e até criar uma certa atmosfera de novidade e decadência. Personagens famosos do faroeste americano da época passaram por Deadwood, como Wyatt Earp, Calamity Jane e Wild Bill Hickok — este último até foi assassinado por lá. Alguns aparecem no seriado.

Al Swearengen também existiu. E parece que ele foi até pior do que retratado na TV. Foi encontrado morto numa rua de Denver com a cabeça estourada em 1904.

Pois é. Além da miséria e agonia daquela existência cruel, o acampamento ainda teve que aguentar uma violenta epidemia de varíola na primeira temporada.

Ninguém hoje em dia se preocupa com varíola (apesar do risco de ressurgimento neste mundo pós-pandemia). O último caso foi na Somália em 1977 (nos Estados Unidos, em 1949). Como resultado direto de campanhas eficazes de vacinação, o mundo varreu a varíola da face do mapa. Mas era diferente em 1870.

Por mais de 10.000 anos a varíola vinha assolando a humanidade. Matou mais do que a peste negra. Múmias do Egito apresentam sinais típicos da varíola, como a de Ramsés V. Desde o Descobrimento, era a doença que mais matava no Brasil.

O vírus, transmitido por secreção ou saliva, permanece em silêncio durante o período de incubação (12-14 dias). Espalha-se então pela corrente sanguínea e se instala provocando febre alta e repentina, delírios, mal estar e dores no corpo.

Por envolver o aparelho digestivo, é comum o paciente ter náusea e vomitar muito. E sentir uma violentíssima dor na coluna lombar. Este sintoma, num dos episódios, fez com que um personagem com excesso de peso e dores de coluna estivesse temeroso de ter contraído varíola. O médico tranquilizou-o e prescreveu o tratamento: comer menos.

Na terceira temporada, o vilão da vez George Hearst (Gerald McRaney) estava sofrendo de dores lombares crônicas. Mas acabou também não sendo varíola. Um dos personagens aplicou-lhe uma “massagem turca”. O alívio, ainda que temporário, foi imediato.

Interessante mesmo é como a linguagem muda ao longo dos anos, décadas, séculos. Os escritores de Deadwood fizeram um esforço danado de criar diálogos mais próximos do período. Claro que, se fossem absolutamente fidedignos, não entenderíamos patavina do que estavam falando. Veja a palavra lumbago por exemplo.

Hoje em dia é mais comum usarmos o termo lombalgia para descrever dores na coluna lombar — que é basicamente a palavra lombar adicionada ao sufixo -algia, que significa dor. Mas lumbago tem resistido o teste do tempo. Estima-se que a palavra surgiu em 1685–95. Veio diretamente do latim lumbus (que em inglês se tornou loin — uma região muito usada, por exemplo, em cortes de carne — mas que também foi apropriada para descrever a região da coluna). E o sufixo -ago veio do latin tardio. Como sua versão posterior, -algia, significa dor.

Pois bem. Lumbago era uma palavra muito usada no Velho Oeste, inclusive no seriado Deadwood. Volta e meia era também usada no seriado dos anos 60 A Família Buscapé (The Beverly Hillbillies)  —  basicamente para chamar a atenção da maneira caipira que falavam os protagonistas. Nunca deixou de ser empregada, ainda que meio fora de moda.

Quem já foi na Disneylândia ou Disneyworld com certeza deve ter ido no Carousel of Progress. Trata-se de uma apresentação audioanimatrônica que relata a evolução da tecnologia de uma mesma família em quatro gerações diferentes. Acompanhado pela clássica (e grudenta) canção “There’s a Great Big Beautiful Tomorrow” (interpretada pelos irmãos Richard e Robert Sherman, vencedores do Oscar®), o show é uma das atrações mais antigas do parque. Mas adivinha qual a palavra que o patriarca usa para queixar-se de dor no finalzinho da parte do Velho Oeste? Lumbago!

Voltando a Deadwood, houve até um filme lançado no HBO em 2019, que tentou amarrar as pontas soltas deixadas pelo cancelamento prematuro do seriado. Teve algum êxito.

Em tempo: o médico britânico Edward Jenner observou que as mulheres que ordenhavam vacas, expostas a varíola bovina, eram imunes à humana. A vacina, inventada em 1789, salvou a fictícia Deadwood — ironicamente por iniciativa do próprio Al Swearengen (o personagem, não o real).