O Prêmio Nobel de Química de 2003 foi para dois cientistas que trabalharam separadamente por anos a fio para desvendar o exato mecanismo de como água e sais (íons) são transportados para dentro e para fora das células dos seres vivos.
Peter Agre foi agraciado com metade do prêmio pela descoberta de canais de água: as aquaporinas. Roderick Mackinnon foi laureado com a outra metade pelo seu trabalho sobre os mecanismos estruturais e operacionais dos canais de íons.
Seus estudos sobre canais em membranas celulares foram fundamentais para entender o exato funcionamento de como os rins recuperam água da urina primária, e mais importante, de como são gerados e propagados os sinais elétricos dos neurônios (células nervosas). Esta informação é de grande valia para compreender melhor, não só doenças renais, cardíacas e musculares, mas também disfunções do sistema nervoso central e periférico — inclusive para tentar entender um pouco mais a fisiologia da dor.
Os canais das membranas celulares ficaram famosos com o Nobel. Não demorou muito para alguém capitalizar em cima disso. Em tese, já que o exato mecanismo dos canais foi desvendado, saberíamos agora como torna-los mais permeáveis. Em tese.
A Eletroporação ganhou novo fôlego. Este procedimento “consiste na aplicação de pulsos elétricos (…) que aumentam o (…) transporte de membrana, (“abrindo”) os poros aquosos (“aquaporinas”) na bicamada lipídica, permitindo que macromoléculas migrem através desses poros”. Era para ser utilizada em “transferência genética para plantas, bactérias, (…) até transporte de quimioterápicos”. Mas acabou popularizada pela medicina estética. (Revista Fisioterapia Ser, ano II, no. 2 – abril/maio/junho de 2007)
Se os canais e poros se alargam (a tal “poração”), o poder de captação da célula aumenta e facilita a passagem de substâncias através de sua membrana. É ótimo para “gordura localizada, estrias, flacidez, celulite, queda de cabelo, mancha, acne, pré e pós-operatório de cirurgias plásticas faciais e corporais (…), sem dor ou injeções”. Será?
O método, apesar de ser supostamente reconhecido pela FDA (Food and Drug Administration) nos Estados Unidos, carece de mais estudos para comprovar eficácia.
Henrique da Mota, médico ortopedista formado na França, possui algumas ideias acerca das hérnias de disco são até interessantes. Para ele, se problemas de coluna são supostamente causadas por questões químicas, então “a solução deveria ser química”. Dr. Mota veio há anos desenvolvendo uma técnica que aumenta a permeabilidade da membrana celular de um nervo inflamado a medicamentos com o objetivo de controlar, “de forma rápida, eficaz e segura as inflamações regionais e a sintomatologia das hérnias de disco. a inflamação e a dor”: a Neuroporação®. Guiados por “imagens de tomografia computadorizada ou radioscopia, medicamentos especiais são introduzidos com precisão milimétrica, com auxílio de um indutor químico ou magnético (…).” Aparentemente, este procedimento é realizado “em uma única sessão, onde (…), posiciona-se, com precisão milimétrica, uma fina agulha especial (…) sobre o nervo-alvo, (…) e introduzindo uma concentração ideal de medicamentos (…)”.
Investiu pesado em publicidade. Seus anúncios de página inteira foram veiculados durante um período em revistas semanais por todo o país promovendo sua clínica, localizada em Fortaleza, Ceará. Alega que seus “resultados positivos chegam a mais de 90% (…)”. Infeliz mesmo têm sido suas opiniões. Frases de efeito como fisioterapia ser “inútil” e de não servir “para dores e inflamações da coluna vertebral” fez com que o CREFITO-6 lavrasse em cartório uma advertência pública contra seu site.
O bom doutor não parou por aí. Ele acredita que o tal procedimento significa “o fim da era das grandes cirurgias que visavam retirar a hérnia, e o fim de métodos arcaicos de quiropraxia, osteopatia (além da fisioterapia) que manipulavam e esticavam as pessoas em mesas de tração”.
De acordo com sua apresentação durante o 11° Congresso de Cirurgia Espinhal em 2011, são estas as então vantagens da Neuroporação®:
Bom demais, né?
Esta questão química da hérnia de disco, cuja principal causa “não é a compressão produzida sobre os nervos”, mas sim “a presença de uma reação imunológica e inflamatória regional”, é basicamente uma descrição detalhada do quinto componente do Complexo de Subluxação Vertebral (CSV): o aspecto patofisiológico — mudanças biomecânicas sofridas pela coluna incluem agentes bioquímicos (substância P, histamina, calcitonina e peptídeo intestinal vasoativo) que produzem inflamação e lixo metabólico (além de outras “cositas más“). Soa familiar? Apesar da malhação em torno da Quiropraxia, volta e meia, voltam a ela para explicar dores de coluna…
E, claro, o assunto é bem mais complexo do que parece. Ainda sobram quatro componentes do CSV: a cinesiopatologia (desalinhamento e “travamento” vertebral); a miopatologia, (problemas musculares decorrentes do mal posicionamento); a neuropatologia (pinçamento, distensão, ou irritação química das raízes nervosas; e a histopatologia (bicos-de-papagaio, fibroses e discopatias).
Neuroporação® causou um certo frisson no começo dos anos 2010, mas parece que diminuiu-se o entusiasmo — uma vez que, no site oficial do Doutor Henrique da Mota, nem sequer é mais mencionado. Lá, o procedimento da vez é a (hoje) mais tradicional Neuroplastia Epidural Percutânea (PEN), que consiste usar um catéter Racz, “usado para dissolver algum tecido cicatricial ao redor dos nervos aprisionados no espaço epidural da coluna vertebral” e “manipulado para quebrar mecanicamente as aderências, enquanto vários agentes, como anestésicos, corticosteroides, hialuronidase e solução salina hipertônica são injetados” (ver Artigo 153).
Modifica-se o procedimento, mas o fato de ser não-invasivo ainda prevalece. E isso é bom. Mas é por essas e por outras que convém clinicar com uma visão completa do problema. Sem usar viseiras.
Porque alguns procedimentos podem até sair de moda, mas Quiropraxia persiste, perdura e prevalece.