Seu nome muda dependendo da região do Brasil: Lombada, Ondulação Transversal, Redutor de Velocidade, Lomba, Ladeira, Tartaruga, Goiano-deitado ou Quebra-Molas (como é conhecido aqui na Bahia e doravante chamada assim para deixar este artigo mais pitoresco). Sua função é clara: reduzir a velocidade dos veículos em ruas e rodovias. O problema, principalmente por aqui, é o claro exagero na quantidade, no tamanho e na regularidade dessas lombadas — em algumas, questiona-se até a própria legalidade!

Voltemos nossas atenções para o “novo” Código Brasileiro de Trânsito (CBT), adotado em 1997, que, na época, representou uma lufada de ar fresco na até então combalida e ultrapassada legislação. Num exemplo em particular, redefiniu as regras de instalação dos quebra-molas. As ruas e rodovias brasileiras andavam salpicadas destas rampas toscas de asfalto ou concreto.

O parágrafo único do artigo 94 da resolução 39/98 do Contran foi taxativo. “A utilização de ondulações transversais e de sonorizadores  como redutores de velocidade” foi expressamente proibida, exceto “em casos especiais definidos pelo órgão ou pela entidade competente, nos padrões e critérios estabelecidos pelo Contran”.

Padrões estes que definiram dois tipos de quebra-molas:

  • O Tipo I teria que ter 1,50m de comprimento e oito centímetros de altura, no máximo. Só poderia ser instalado “quando houver necessidade de serem desenvolvidas velocidades até um máximo de 20 km/h, em vias locais, onde não circulem linhas regulares de transporte coletivo”.

  • O Tipo II, com 3,7 metros de comprimento e dez centímetros de altura, deve ser colocado nas rodovias “em segmentos que atravessam aglomerados urbanos com edificações lindeiras (á beira da pista); nas vias coletoras (avenidas e ruas de menor capacidade); e nas vias locais, “quando houver necessidade de serem desenvolvidas velocidades até um máximo de 30km/h”.

Ressalte-se que nenhum dos dois tipos pode ser instalado em vias que recebem tráfego superior a “600 veículos por hora em períodos de pico” (Art. 8º, inciso V).

Ainda mais importante, as lombadas somente podem ser implantadas “após estudo de outras alternativas de engenharia de tráfego, quando estas possibilidades se mostrarem ineficazes para a redução de velocidade e acidentes” — e não como primeira alternativa.

Perceberam aí onde mora o problema? Estão obedecendo a legislação? Cada vez mais vemos uma epidemia desvairada de quebra-molas que vão sendo feitas sem estudo preliminar e até pela própria população. Duvidam? A rodovia que liga Ilhéus a Itabuna tinha quatro destas aberrações. Hoje são pra mais de 24 — diga-se, número vastamente superior do que antes do Código de Trânsito de 1997. Estima-se que Linha Verde, a que liga Ilhéus a Salvador pelo litoral, tenha mais de 135 quebra-molas. E os de uma das cidades por onde passa essa rodovia são tão altos que carros resvalam neles, mesmo na primeira marcha. Sim, hoje qualquer um constrói um quebra-molas. Qualquer um.

Porque por aqui virou moda protestar nas estradas queimando pneus para bloqueá-la, e impedir o direito constitucional de ir e vir de cada cidadão que fica preso no congestionamento. E o governo quase sempre bota o rabo entre as pernas. Sem punir nenhum vândalo.

E se o tal protesto então for para colocar um quebra-molas, as ditas autoridades instalam o bendito sem estudo prévio e o impõe goela abaixo da gente. País desenvolvido nenhum faz isso. Aliás, no Canadá e Estados Unidos só existem quebra-molas em áreas residenciais. — em dimensões bem menores do que os daqui — mas mais que suficientes de fazer valer seu propósito: diminuir velocidade.

O quebra-molas “é considerado pelos especialistas em engenharia de trânsito como um monumento em homenagem ao político que determinou a sua instalação na via pública sem qualquer estudo prévio”, afirma o engenheiro e especialista em trânsito Mauri Panitz, ex-diretor-técnico da Secretaria de Infraestrutura e Logística de Porto Alegre. “É (…) antitécnico e ilegal (e ainda) força o motorista a diminuir a velocidade de forma insegura. Seu uso (…) é uma agressão, uma violência contra a cidadania”.

Um ex-secretário municipal da minha cidade, ao ser entrevistado anos atrás num programa de rádio, reconheceu que um veículo perde dois minutos cada vez que reduz para passar em cada um destes quebra-molas. Se isso for verdade, o trajeto de 36 kms até Itabuna estaria levando 40 minutos a mais. Quem dirige por lá hoje em dia tem bem ideia do tráfego que é.

O fato é que quebra-molas são um atestado  do nosso subdesenvolvimento — como região e como país. Atrasam ambulâncias e bombeiros em situação de emergência, geram congestionamentos nos horários de pico, aumentam o consumo de combustível, e ainda podem, sim, causar acidentes. E até sérios problemas de coluna.

Tratamos de um caso assim alguns anos atrás (ver artigo 57). Dona Júlia (nome fictício) e seu sobrinho estavam a caminho de Salvador. Aproximando de uma cidade ladeira abaixo, ele se distraiu, não pisou no freio, e passou direto por um desses quebra-molas. O carro voou e aterrissou num duro baque. Dona Júlia sentiu então imediatamente dores intensas na coluna. Uma radiografia da região toracolombar constatou uma fratura compressiva. Sim, o quebra-molas quebrou a coluna de dona Júlia. Claro, esse tipo de ocorrência pode até ser relativamente rara. Mas acontece. Não aconteceria se lá tivesse um radar ao invés do dito-cujo.

Porque controladores de velocidade, mesmo tendo virado uma indústria de multa, fazem um melhor trabalho. Geram dinheiro e pesam no bolso do motorista, que vai pensar duas vezes na próxima vez que passar lá. Chamados na Bahia de “pardais”, uma cacetada deles têm sido cada vez mais instalados nas rodovias federais e estaduais — bem como nas zonas urbanas. Alguns com bom motivo, outros para simplesmente sacanear com o motorista. Mas ainda assim são preferíveis ao quebra-molas.

Aqui na Bahia, ainda vemos o curioso hábito de instalar radares no mesmo lugar de um quebra-molas. Sim, por incrível que pareça, alguns coexistem com quebra-molas no mesmo exato local. É só passar por cidades da BR 101 como Tancredo Neves e Wenceslau Guimarães para testemunhar tal proeza… E os portugueses ainda são vítimas das nossas piadas.

Caranguejo, apesar da fama, não anda para trás. Mas a impressão que dá é que a gente dá um passo a frente e dois na direção oposta — tal qual a fama do pobre crustáceo. A coluna de dona Júlia que o diga.