O saudoso pai deste que vos escreve postulava, como médico, que o crescimento dos casos de fibromialgia e incidências de dores de coluna nas últimas décadas talvez estivessem relacionados a algum tipo de microorganismo (ver Artigo 78). Fosse este o caso, as incidências estariam se espalhando, portanto, como uma pandemia. Estivesse ele vivo hoje, teria um sorriso de “eu não disse?” nos lábios por causa de alguns estudos que têm pipocado na comunidade científica nas últimas décadas.

O periódico European Spine Journal (abril de 2013, Vol. 22, nº 4, p. 697-707) publicou uma pesquisa conduzida pela University of Southern Denmark (Universidade do Sul da Dinamarca), cujos resultados são, no mínimo, interessantes.

Os pesquisadores acompanharam 162 pacientes com dores lombares por mais de seis meses e que foram diagnosticados com hérnia de disco. Uma parte foi tratada à base de antibióticos, e a outra parte recebeu placebo. Reavaliaram um ano depois. O grupo que tomou antibiótico teve menos dores lombares, menos dores ciáticas e faltou menos ao trabalho do que o grupo de placebo.

Como isto pode ser possível? Os pesquisadores isolaram, de acordo com um estudo anterior, uma bactéria que causa espinhas no rosto. Às vezes e de alguma forma, ela consegue invadir o disco intervertebral danificado e causar ainda mais danos, como edema vertebral e dor. E tem mais: ressonâncias magnéticas supostamente revelariam que ela pode prejudicar “outras áreas das vértebras”. Isso não parece com Mudanças Modic?

Poucos anos mais tarde, outro estudo, desta vez uma revisão sistemática de nove estudos anteriores sobre “o papel da bactérias em dores lombares baixas e o relacionamento entre bactéria e Mudanças Modic” (tipo I), descobriu que “Propionibacterium acnes foi a bactéria mais prevalente, (…) presente em 7 dos 9 estudos com (..) 45% das amostras positivas”.

E que bactéria é essa, Propionibacterium acnes? Ela, que se alimenta da secreção produzida pelas glândulas sebáceas, quando entra em contato com os poros epiteliais, causa inflamação — as famosas espinhas (ou acne). É encontrada em abundância na pele, e também vive no trato gastrointestinal. A bactéria tem este nome comprido devido a sua capacidade de produzir ácido propiônico (ou propanoico). Por ser um ácido, possui um fator de acidez (pKa) que, mesmo não sendo muito forte, é considerado corrosivo — e, portanto, um potencial causador de irritação e/ou inflamação.

O estudo dinamarquês afirma que até 40% das dores lombares podem ser causadas pela tal bactéria. Na época a novidade foi recebida com entusiasmo. A Revista ISTOÉ (10/05/2013) raciocinou que, como parte dos pacientes com hérnia de disco (“entre 7% e 53%”) teria este tipo de bactéria (…), as dores crônicas (seriam) passíveis de serem tratadas com antibióticos e não mais necessariamente com cirurgias”. O neurocirurgião Peter Hamlyn, da University College London (UCL) foi mais além. Disse que esta descoberta iria “reescrever os livros” de medicina. “Provavelmente metade de toda a cirurgia da coluna vertebral para a dor nas costas (será) substituída por antibióticos… (…) É para ganhar o Nobel”, se empolgou.

Outros estudos ocorreram. Alguns deles tiveram resultados significativos, em que pacientes tiveram até 80% de redução de dor “ou foram completamente curados de sua condição. E o custo de (tratá-los) com estes antibióticos foi uma mera fração do que custaria (…) métodos mais tradicionais de tratamento, como a cirurgia invasiva”. Mas muita gente recebeu a notícia com cautela.

John O´Dowd, neurocirurgião, consultor e Presidente da Sociedade Britânica para a Investigação da Dor recomenda prudência. Para ele, a descoberta pode ser um fator, “mas eu não acho que é a cura ou a resposta à dor nas costas”, avisa.

E, como dizia o ditado, prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Porque outro estudo mais recente propôs que talvez a presença de Propionibacterium acnes encontrada nos discos e nas vértebras durante cirurgia possa estar lá como contaminação — já que os resultados deste grupo foram basicamente os mesmo nos grupos de pacientes com escoliose ou com discos sem degeneração. “Não houve associação entre Mudanças Modic pré-cirúrgicas e o aparecimento da bactéria. Tratamento à base de antibióticos para hérnia de disco lombar com ciática e/ou dores lombares baixa sem sinais de discite/espondilite clínica deve ser seriamente questionado”.

Ainda assim, com todas essas implausibilidades, lembramos aos diletos leitores que, no começo da década de 90, um gastroenterologista e um patologista anunciaram que uma bactéria (o Helicobacter pylori) era responsável por boa parte de gastrite e úlceras estomacais. Tal teoria foi recebida com chacotas. A comunidade científica considerava inaceitável a ideia que bactérias pudessem viver no ambiente ácido do estômago. Virou hoje lugar-comum.

Contudo, quando a esmola é muita o pobre desconfia. Pois é.

E de fato, passado todos esses anos, o bom e velho gelo, mudanças de hábito, Quiropraxia e/ou outras terapias manuais, bem como exercícios físicos supervisionados, ainda são a melhor maneira de lidar com dores nas costas. Não há tratamentos miraculosos. E talvez nunca haverá.

O problema maior é sensacionalizar tais estudos. É correr para tomar antibióticos ao invés de viver com mais saúde, com uma postura melhor e com menos sedentarismo. Pior: automedicar-se ou exagerar no uso e arriscar a criar superbactérias. Já pensou?