Michael Phelps fez história nas Olimpíadas. Ninguém jamais ganhou tantas medalhas assim.  Entre a de Atenas (2004), a de Pequim (2008), a de Londres (2012) e a do Rio (2016), o sujeito amealhou nada menos que 28 medalhas — 23 de ouro. Em Pequim, então, reinou campeão absoluto e conquistou 08 medalhas de ouro, desbancando o recorde anterior das 07 medalhas de Mark Spitz, conquistadas em Munique (1972).

Phelps fora da piscina é um sujeito desajeitado. A envergadura dos seus braços quando estendidos são de impressionantes 2.01 metros — mais do que os seus 1,93 de altura. Nosso recordista é também um autêntico “pé-de-pato”: calça 46. Em suma, o homem é uma máquina perfeita de nadar.

Mas seu fôlego também impressiona. Em Pequim, na sexta-feira, 15 de agosto de 2008, após conquistar a medalha de ouro pelos 200 metros 04 estilos, Michael Phelps ainda conseguiu se classificar para as semifinais dos 100 metros borboleta APENAS 30 MINUTOS DEPOIS. Chegou a nadar 17 vezes em oito horas — um total de 3,3 quilômetros. Como isto é possível? Mágica? Bruxaria? Dádiva divina? Doping?

Existe uma óbvia vantagem genética. Entretanto, Whitney, sua própria irmã mais velha, perdeu por um triz a classificação para as Olimpíadas de 1996 em Atlanta e acabou sucumbindo a uma hérnia de disco (ÉPOCA, 18/08/2008). Genética ajuda, mas não explica tudo. Michael Phelps é extremamente dedicado e focado. Ele vive e respira natação. O incrível é que o atleta quando criança foi diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção. Era hiperativo à enésima potência. Passou um período tomando medicação sem muito sucesso. Sua mãe então achou melhor colocá-lo em algum tipo de esporte para ajudar a se concentrar mais. Após algumas tentativas, ele acabou se identificando com a natação.

Apesar da genética, do acaso, da disciplina e da dedicação, o sucesso de Phelps está também na sua incrível recuperação muscular. Isto tem a ver com a rapidez ímpar com que sua fisiologia dissipa as taxas de ácido lático nos músculos após esforço físico. O mesmo processo é observado nos quenianos que ganham sucessivas maratonas. Phelps se cansa, mas logo se recupera. E ganhou competição após competição até decidir se aposentar praticamente no auge.

Durante sua brilhante carreira andou se metendo em algumas encrencas e confusões. Após a aposentadoria, seu maior desafio é debelar as periódicas crises de depressão — que se intensificaram depois da pandemia. Mas aí já é outra estória…

Nosso sistema digestivo extrai nutrientes como proteínas, lipídeos e carboidratos dos alimentos que consumimos. Os dois últimos são eventualmente convertidos em glicose (os carboidratos são separados em açúcares: sucrose, frutose e galactose — que eventualmente tornam-se glicose). Produzimos energia a partir deste simples açúcar, que fica armazenado no fígado, músculos cardíacos e esqueléticos na forma de glicogênio polissacarídeo. E para alcançar tal objetivo, há um processo bioquímico e fisiológico à nível celular no nosso corpo chamado de glicólise. Mas, e o ácido lático? Como é produzido?

Por meio de enzimas e catalistas, a glicose sofre algumas transformações até se transformar em ácido pirúvico (CH3-CO-COOH). Na presença de oxigênio (aeróbico), a glicólise continua através de um longo processo de oxidação para produzir energia — que, afinal de contas, é o seu objetivo final. Porém, quando o ambiente fica deficiente em O2 (anaeróbico), esta bioquímica sofre uma espécie de atalho. Ao invés de oxidação, ocorre redução: boa parte do ácido pirúvico ganha duas moléculas de hidrogênio ao invés de oxigênio, e se transforma no ácido láctico (CH3-CHOH-COOH).

O objetivo é também a obtenção de energia — de maneira bem mais rápida e potente, mas de curta duração. O ácido lático, além de servir como fonte imediata de energia, é também de suma importância para o processo de hibernação de certos animais em países frios, como o urso ou a tartaruga.

Trocando em miúdos: a ausência de um ambiente aeróbico (com oxigênio) propicia a produção de ácido lático. Por ser cáustico em formato concentrado, causa fadiga muscular, e é, portanto, auto-limitado para obtenção de energia. Apesar de ser extremamente eficaz para atividades que exigem força e resultados rápidos, o ácido lático tem que ser eliminado logo. Michael Phelps usou esta vantagem fisiológica e ganhou com ela suas 28 medalhas olímpicas.

A produção de ácido lático beneficia as fibras musculares de contração rápida. Estas são responsáveis por esportes de curta duração, como, por exemplo, uma corrida de 400 metros, ou uma prova de natação de 100 metros. Mas também beneficiam esportes que envolvem movimentos bruscos de contração muscular rápida, como o futebol e o tênis. Isto depende, claro, da rapidez com que o atleta possa eliminar o ácido lático de suas fibras musculares. Um bom tempo é de 20 a 30 minutos. Se demorar demais, causa fadiga muscular. E pode atrapalhar sua performance.

O ácido lático pode trazer tanto problemas quanto benefícios. Por sua natureza cáustica, provoca “queimação”, fadiga e dores musculares. Não se compara à resistência produzida pela presença de oxigênio. De fato, mesmo que um ambiente anaeróbico produza ácido lático suficiente para sustentar uma contração rápida por 30 a 40 segundos, não há limite de tempo num ambiente aeróbico. Isto é bastante propício para atividades atléticas prolongadas, como a maratona, em que 82% das fibras musculares usadas são de contração lenta. Nos nadadores, este número alcança 74%. Mas Michael Phelps conseguiu seu nicho atuando nos outros 26% de fibras de contração rápida.

Infelizmente, nem todo mundo é como o Campeão. Em nós, reles mortais, o ácido lático pode causar problemas como trigger points e dores miofasciais.

O ácido lático pode, sim, provocar dores ao exagerarmos em algum exercício. A contração muscular diminui o fluxo sanguíneo, causa uma espécie de “isquemia”, e propicia um ambiente relativamente anaeróbico. A nossa fisiologia tenta escoar dos músculos o ácido lático resultante o quanto antes. Deveria haver rápida difusão através dos flúidos interstitiais, extracelulares e intracelulares até que o ácido lático seja liberado no sangue. O problema é quando a tensão persiste, se torna crônica, e contribui para a formação das dores miofasciais. O ácido lático não é liberado com rapidez, causa dor e mais tensão, que, por sua vez, comprime e pinça os nervos, causando ainda mais dor e espasmo.

O acúmulo de ácido lático nos músculos com outros lixos metabólicos que deveriam ser liberados no sistema sanguíneo (íons de potássio, prostaglandina E, histamina e certos polipeptídeos) causam áreas hiper irritáveis no músculo com dores localizadas e referidas — os famosos trigger points (Kirkaldy-Willis, Managing Low Back Pain). O ciclo vicioso (dor — guarda muscular — diminuição de movimento — estase circulatória — retenção de lixo metabólico — miosite — espasmo muscular — dor) é mais concentrado no trapézio, glúteo máximo e médio, piriforme e quadrado lombar.

Em junho de 2019, o IDQUIRO realizou um curso sobre o tratamento de trigger points com Nimmo. Teve uma excelente repercussão na época.

Mudança de vícios posturais, estado emocional e nutrição (com atenção especial para ingestão de magnésio, zinco, cálcio, e vitaminas B3 e B6 — sob a supervisão de um nutricionista, claro) pode ser extremamente benéfica. Mas a tensão muscular deve que ser trabalhada com massoterapia, alongamentos e exercícios aeróbicos. Quiropraxia ajuda muito.

A melhora será uma consequência natural deste processo — mesmo sem a extraordinária fisiologia de Michael Phelps.