A natureza quase explícita deste artigo possa talvez ofender algumas pessoas. Mesmo sendo a intenção meramente educativa, desaconselhamos os mais sensíveis a continuar lendo…
Até que ponto seria possível um problema de coluna afetar fisiologicamente, não só a capacidade, mas também a qualidade do orgasmo feminino?
De acordo com a escritora, consultora política e antropóloga americana Naomi Wolf, é possível, sim. Aconteceu com ela. E serviu como inspiração e ponto de partida para seu livro Vagina: A New Biography, lançado nos Estados Unidos e Inglaterra em setembro de 2012 e traduzida para o português em 2013. Na época, a obra causou um certo frisson (veja resenha do livro aqui).
O acontecimento, no mínimo peculiar, é relatado no primeiro capítulo. A autora, na flor dos seus 46 anos, estava feliz com a sua vida sexual até então. Seus orgasmos, mais do que uma reação física, deixavam-na numa espécie de estado de graça. Via cores de forma mais nítida, melhorava o humor e ficava “mais energizada”. Mas, aos poucos, notou uma mudança. Mesmo tendo orgasmos, não conseguia sentir mais aquela leveza de antes. A sensação limitava-se a um plano físico e não espiritual, por assim dizer.
Esta “dormência interna” levou Wolf a uma consulta com a sua ginecologista. O diagnóstico foi “problemas no nervo pélvico” causados por “compressão”. A autora foi então indicada para outro médico, reputadamente uma autoridade em nervo pélvico lá em Nova Iorque (talvez, quem sabe, um ortopedista? — o livro não especifica). Ele examinou raios-x iniciais e passou com urgência uma cinta lombar. O resultado da ressonância magnética revelou osteoartrose. Suas vértebras estavam “achatando e se comprimindo uma contra a outra”. As radiografias adicionais revelaram que entre “L6 e S1”, cada vértebra da sua coluna lombar “estava em contato com a outra, mas a metade de cada terminava num espaço vazio”. Mais radiografias foram pedidas. E um “teste desconfortável” em que “impulsos elétricos através de agulhas inseridas na rede de nervos para ver o que ‘iluminava’ e o que ficava escuro”.
O diagnóstico foi uma “versão moderada de espinha bífida” que sofreu fratura numa queda antiga. Com o tempo, a coluna “desnivelou” e “pinçou” a ramificação do nervo pélvico. A autora foi indicada para um neurocirurgião. Após de uma “cirurgia de quatro horas”, Naomi Wolf saiu com uma “barra de metal que segurava a vértebra com quatro parafusos”. Sua capacidade de atingir aquele orgasmo voltou com o tempo. A empreitada, portanto, teve sucesso.
Um parêntese: o livro despertou meu interesse e curiosidade clínica quando li uma resenha que mencionava justamente esse relato, digamos assim, peculiar. Na época, a obra ainda era inédita no Brasil. Pedi a um dos meus irmãos que me comprasse o livro no Canadá. Ele foi para a livraria morrendo de vergonha comprar o livro que ele julgava ser de cunho pornográfico. Rimos muito dessa estória depois de explicado o mal-entendido.
Curiosamente, a autora, em momento algum, relatou dores na região lombar. Sequer sequelas neurológicas. Sua única queixa foi de não ter mais a sensação pós-orgásmica de antes.
Então, vamos tentar dissecar o que se passou:
E, de fato, a autora foi indicada uma cirurgia invasiva que para sempre comprometeria a biomecânica da coluna lombar de uma paciente assintomática. Mas que, felizmente, neste caso, aparentemente teve um final feliz.
O “nervo pélvico” provavelmente se refere ao nervo esplâncnico pélvico, que se origina das fibras que saem no osso sacro (S2, S3 e S4). Estas, por sua vez, são parte do plexo sacral (de L4 a S4). Sendo um nervo com fibras parassimpáticas, se encarrega do estímulo sexual na vagina, no colo do útero e no reto. Em contrapartida, o nervo pudendo transmite estímulos sexuais do clitóris, escroto e pênis.
Este emaranhado de nervos numa mulher é muito mais complexo e muito mais rico em terminações nervosas do que num homem. E muda muito de uma para outra. As diferenças de “fiação”, de acordo com a autora, determinariam se uma mulher teria mais facilidade de obter um orgasmo vaginal, clitoriano, ou até anal — independente da “cultura, criação, patriarcalismo, feminismo ou Freud”. Esta sacada levou-a a escrever o livro focando exclusivamente nesta parte da anatomia feminina, num contexto social e histórico (ver artigos relacionados 76 e 38).
O livro foi massacrada pela crítica da época. O título, foi então censurado pela Apple. No entanto, vale a pena conferir a obra. Vagina: Uma Biografia é um líbelo de empoderamento feminino e ainda se mantém relevante — principalmente nos dias de hoje.
Mas daí a afirmar que um “desalinhamento” na coluna ou um “pinçamento” de um nervo pudesse especificamente afetar a qualidade do orgasmo de alguém já adentra numa área beeeeem acinzalada — principalmente se a autora tivesse chegado num consultório de Quiropraxia com esta queixa.
Mas será que um tratamento conservador não teria sido melhor? Quem vai saber agora, diante dos eventos já ocorridos?