A medicina dos séculos d’antanho claudicava a trancos e barrancos. No jogo de tentativa-e-erro, a quantidade de equívocos era enorme. Por exemplo, quase não existia assepsia — que, ainda por cima, era execrada pela comunidade médica. A quantidade de sangue no avental era prova inconteste da competência de um clínico. Quanto mais sujo, melhor. Volta e meia o médico recorria à sangria, que era o tratamento preferencial da época  — feita com a singela ajuda de sanguessugas. A ideia que pudesse existir seres microscópicos causadores de doenças era recebida com desdém por boa parte dos médicos. Sorte nossa que tudo isso mudou.

Na Inglaterra vitoriana do século XIX isso não era exceção. No olhar atual, a medicina do período era um poço de falácias, achismos, esquisitices e pseudociência. Claro, houve descobertas importantes. Mas também muita coisa foi descartada, caiu em desuso ou simplesmente ficou datada.

Naquele ambiente puritano, qualquer mulher que não se adequasse, digamos assim, às normas vigentes, era taxada de histérica. Se uma respeitável senhora ou senhorita andasse por aí nervosa, irritável, melancólica, ansiosa ou depressiva — o problema era histeria. Insônia era histeria. Humor instável e crises emocionais? Histeria! Qualquer fagulha de espírito independente era também rapidamente batizada de histeria.

A palavra histeria vem do grego hystera (ὑστέρα), que literalmente significa “útero”. E “faz referência a uma hipotética condição neurótica e psicopatológica, predominante essencialmente nas mulheres”.

O tratamento? Receitava-se casamento, andar a cavalo e até “massagens pélvicas”. Pois é. No século XIX, não era incomum o médico realizar esta “massagem medicinal”. O procedimento aparentemente consistia em inserir o dedo vagina adentro e gentilmente alisar a área genital — incluindo aí o clítoris. Claro que, hoje em dia, isto responde por outro nome. E dá processo e cadeia. Naquela época repressora, no entanto, masturbação era vista como uma atividade doente e anormal. Inaceitável para os homens e simplesmente impensável para as mulheres. Porque supostamente o sexo feminino era completamente desprovido de qualquer desejo sexual — pelo menos de acordo com as crenças e achismos da Inglaterra vitoriana.

Então, vejam a lógica torta da época: se as mulheres eram incapazes de sentir prazer, a massagem pélvica não seria masturbação, e sim um procedimento clínico para combater a histeria. Para isso, o médico teria que induzir “paroxismos” — uma série rítmica de contrações e espasmos seguidos de gritos e gemidos com subsequente estado de completo relaxamento. Como o prazer feminino supostamente não existia, era inconcebível que uma mulher experimentasse um orgasmo. Supostamente. Esta série rítmica de contrações e espasmos seguidos de gritos e gemidos com subsequente estado de completo relaxamento ao final da tal massagem pélvica era tida como paroxismo mesmo e ponto final! E, de acordo com a rígida moral vitoriana, sem nenhuma ligação com o prazer sexual. Mas diminuía a “histeria” que era uma beleza, ah isto diminuía.

Por incrível que pareça, esta especialidade médica era levada a sério (!) e até conduzida com certo profissionalismo. Fez um retumbante sucesso. Era socialmente aceitável, completamente sancionada pela sociedade da época e a satisfação da paciente (quase) garantida. A mulherada da classe média e alta acotovelava-se para fazer massagens até alcançar o tal paroxismo (as das classes menos favorecidas, que não tinham como pagar a consulta, não ligaram muito para a novidade, pois muitas já sabiam como induzir paroxismos de uma forma, digamos assim, mais em conta).

Entra em cena o médico inglês Joseph Mortimer Granville. Não é consenso se o bom doutor de fato administrava as tais massagens pélvicas, mas o excesso de trabalho lhe causou uma lesão por esforço repetitivo na sua mão direita. Este tipo de problema frequentemente leva a pessoa a sentir dor, dormência, formigamento, inchaço, fraqueza e perda de função.

Estima-se que quase 30 milhões de pessoas mundialmente já se trataram de lesão por esforço repetitivo nas mãos. E que há outros 40 milhões que nem sequer procuraram tratamento. As faltas no trabalho custam bilhões às empresas — e vêm aumentando ano após ano. Lesão por Esforço Repetitivo (LER), mais conhecida hoje como Doença Ocupacional Relacionada ao Trabalho (DORT), não deixa de ser um termo genérico. Especificamente nas mãos, ela é mais conhecida como tenossinovite, tendinite, ou como a famigerada Síndrome do Túnel do Carpo.

E eis aí o problema de Granville, que acabou por conta disso bolando um aparelho para aliviar dores e incômodos musculares — mas na população masculina. Era chamado de percussor ou de “Martelo de Granville”. Só que o tal aparelhinho vibrava que era uma maravilha. Não demorou muito para que os médicos “massageadores pélvicos” entendessem que a maquininha iria facilitar muito a vida deles. E começaram a empregá-lo na, digamos assim, prática clínica. Foi um tremendo passo no campo das “massagens pélvicas”. O tratamento, que antes levava quase uma hora e nem sempre funcionava, agora causava paroxismos em questão de minutos, com uma taxa de sucesso bem mais alta.

Estava então inventado o vibrador. Granville o havia idealizado para ser usado num contexto, vamos dizer assim, “clínico” — que ele levava muito a sério. O massageador elétrico pode ter feito a felicidade das mulheres vitorianas, mas nosso bom doutor passou o resto da vida tentando afastar seu nome da sua criação. “Eu ainda não percussei (sic) uma paciente do sexo feminino… Evitei e continuarei a evitar o tratamento de mulheres por percussão, simplesmente porque não desejo ser enganado e ajudar a enganar os outros, pelos caprichos do estado histérico…”, escreveu no seu livro Nerve-Vibration and Excitation as Agents in the Treatment of Functional Disorder and Organic Disease.

Esta história é contada de uma maneira bem mais divertida em Histeria (2011). No filme, Granville começa a trabalhar numa badalada clínica de um colega que atua justamente na especialidade de massagem pélvica. A clínica, que já era um sucesso, cresce ainda mais com os talentos do novo doutor. Só que ele desenvolve L.E.R. e gradualmente vai perdendo a habilidade que outrora possuía em sua mão. Seu trabalho e seu sustento ficaram ameaçados. As clientes começavam a reclamar. O bom doutor estava mesmo com um grande pepino nas mãos — figurativamente falando, claro. E ainda por cima, incapacitado de botar a mão na massa (sem trocadilhos).

Ocorre que Granville tinha um amigo meio excêntrico e muito rico que gostava de mexer com uma novidade para a época: aparelhos elétricos. De posse de um enorme gerador, Edmund St. John-Smythe gostava de bolar inúmeras geringonças, incluindo um protótipo de espanador que fazia movimentos circulares. Desesperado para voltar ao batente, Granville enxerga um paralelo entre o movimento do espanador e aquele tal movimento manual que gerou suas dores crônicas. Adaptou o aparelho e chamou-o de “massageador elétrico” em 1883. Os paroxismos aumentaram e seu sucesso profissional também. A clínica virou uma coqueluche. Eram filas de dobrar a esquina.

O filme é muito divertido. Altamente recomendável para um dia chuvoso.

Seja lá como for, não tardou para que o aparelhozinho ganhasse as ruas além do consultório e começasse a ser vendido em catálogos até finalmente adentrar de vez no sacrossanto lar das vitorianas para ser usado para fins, digamos assim, recreacionais — sob veementes protestos do seu criador. Vendido, claro, com o pudico e comportado nome de “massageador elétrico”, fez um sucesso danado até a década de 20. Mas aí veio Freud, que corretamente identificou paroxismos como algo sexual. A realização mais ampla sobre a real finalidade da maquininha fez com que houvesse uma consequente inibição das vendas pelo puritanismo vigente.

O conceito de histeria foi aos poucos caindo em desuso e sepultado de vez, quando, em 1952, a Associação Americana de Psiquiatria removeu-a da sua lista de disfunções reconhecidas. Já o vibrador foi patenteado pra valer em 1968 (desta vez com pilhas).

E tudo por causa de uma dificuldade laborativa causada por uma mera Lesão por Esforço Repetitivo!

Como já dizia o velho ditado, a ocasião faz o ladrão.