NOTA: O texto abaixo é a compilação atualizada de três artigos escritos em épocas diferentes (2007, 2010 e 2013), na época que eram ainda publicados n’O DIÁRIO DE ILHÉUS. Algumas coisas mudaram, claro, como o advento das aulas online, streaming e whatsapp. Mas muita coisa, infelizmente, se mantém atual…

Neste arremedo de volta a normalidade, e no início de mais um ano letivo com a volta das aulas presenciais, mais livros e material escolar compramos e mais as mochilas dos nossos filhos abarrotamos. Os pais devem prestar bastante atenção no peso que seus filhos carregam nas costas porque cresce exponencialmente o número de crianças com problemas de coluna — e isto está se tornando endêmico. O excesso de peso nas mochilas, exacerbado pelo sedentarismo (principalmente nestes últimos dois anos de aulas online), contribuem para este quadro.

Dores de coluna podem estar por trás de sintomas outrora inexplicáveis nos pequenos como dores de cabeça, mal-estar constante, fadiga permanente, e comportamento agressivo.

O estudante não deve carregar mais do que 10% do seu peso na mochila. Mas carrega. Estudos feitos na Europa, Austrália e Estados Unidos concluíram “que um alto percentual de crianças em idade escolar carrega mochilas que excedem o máximo recomendado de 10% do peso do corpo”. E fazem campanha para tentar mudar isso. Mais especificamente, um estudo americano feito com crianças constatou que a maioria leva mochilas que ultrapassam 15% do seu peso. E que, um terço delas tem freqüentado consultório médico, ou faltado às aulas de atividade física com dores nas costas.

No estado do Rio de Janeiro, existe a lei de nº 2.772/1997 que prevê multas para a escola (pública ou privada) que desobedecer o critério de 5% do peso em idade pré-escolar e 10% do peso dos estudantes do ensino fundamental. Há também leis em vigor em Santa Catarina, São Paulo, e na cidade de Vitória-ES — até no âmbito federal há. Só não se sabe qual a eficácia real dessas leis. Mas elas existem.

Outro estudo realizado em colégios particulares em São Paulo com 833 alunos de 10 a 18 anos mostrou que TODOS, sem exceção, apresentaram má postura. Destes alunos, “76% forçam a parte baixa das costas, 77% entortam a cabeça, 85% mantém os punhos em posição imprópria, 92% apóiam mal as pernas, e 98% usam os braços de forma errada” (ÉPOCA, 18/04/2005). Esta mesma pesquisa revelou que 5% dos estudantes já se queixam de dor crônica nos ombros (músculo trapézio). O chefe de Reumatologia Pediátrica da Faculdade de Medicina da USP, Clóvis Artur Almeida da Silva, autor do trabalho, vai mais além. Ele afirma que “pode ser formada uma futura geração de adultos com problemas graves de escoliose, lordose e lesões por esforço repetitivo (LER), com um impacto decisivo no mercado de trabalho” (ÉPOCA, 17/07/2006). Estarão desvios de coluna como a escoliose se tornando corriqueiros por conta das tais mochilas pesadas?

Apesar do número alarmante de profissionais que traçam um paralelo entre o peso de mochilas escolares e escoliose, não há absolutamente nenhum estudo que comprove isso. Lembre-se que escoliose “é uma deformidade tridimensional da coluna, com rotação e desvio em vários planos“. Uma curva lateral funcional de menos de 10° no ângulo de Cobb que pode ser causada possivelmente por “um desnível entre a altura dos ombros” é melhor definida como “alteração postural adaptativa ao hábito de vida”, como explica Dr. Douglas Hora, Quiropraxista diretor e proprietário da Clínica Larmonie.

Agora, já em relação as dores e vícios posturais, aí já são outros quinhentos. Observem:

  • Em 2005, Korovessis et al realizou um estudo publicado na revista Spine com 1.263 estudantes gregos de 12 a 18 anos de idade oriundos de 07 escolas diferentes. Todos faziam uso diário de mochilas escolares. Foram coletados dados extensivos de cada estudante, tanto quanto ao uso da mochila (peso dela ao chegar na escola, como é carregada, tipo de transporte que o estudante utiliza, duração da viagem, centro teorético de dor nas costas, e áreas de contato), como o histórico geral (dados antropométricos, atividades esportivas, e relatos de dores nas costas).

    55% dos estudantes carregavam mochilas assimetricamente (em um ombro só).  Isto aumentava em 2.9 vezes a possibilidade de dores torácicas e em 5 vezes as dores lombares, quando comparado à estudantes que carregavam as mochilas simetricamente (em ambos os ombros). Os “assimétricos” estavam predispostos 4 vezes mais a sofrer dores de alta intensidade do que os “simétricos”. Meninas eram 5.6 vezes mais predispostas do que meninos de sofrerem dores nas costas no período escolar, e 4 vezes mais de sofrerem dores de alta intensidade.

    Os autores concluíram que carregar mochilas, principalmente de maneira assimétrica, “resulta numa mudança do ombro e tronco superior, e lordose cervical”. Para pior, obviamente.

  • Hestbaek e Leboueuf publicaram outro importante estudo com 9.569 crianças dinamarquesas na revista Spine em 2006 e concluíram que há “claramente correlações entre dores lombares na infância / adolescência e dores lombares na idade adulta”.

    A pesquisa foi feita em 1994 e de novo em 2002 com as mesmas crianças nascidas entre 1972 e 1982 (de 12 a 22 anos na primeira pesquisa e de 20 a 30 anos na segunda pesquisa). Pela grande quantidade de pessoas abrangidas, o trabalho cobre muito bem a transição entre infância e maioridade.

    As crianças com queixas de dores lombares persistentes em 1994 tinham 26% de possibilidade de desenvolver as mesmas dores quando adultos (somente 9% de chance para quem não tinha estas dores). Por outro lado, somente 33% das que relatavam dores lombares permaneciam assintomáticas em 2002 (versus 63% das que não tinham dores persistentes). Constatou-se que aqueles que sentem dores lombares quando jovens têm 4 vezes mais chance de sentir dores lombares ao se tornarem adultos.

A primeira pesquisa prova a existência de um correlacionamento entre dores de coluna e o ato de carregar mochilas escolares assimetricamente e com peso excessivo. A segunda pesquisa atesta que dor de coluna com tão pouca idade é um fator de risco importante para sentir dores similares quando adulto. E isso merece uma consideração especial.

A questão é que, seguindo neste rítmo, e com a disseminação da chamada “postura de celular”, estaremos nós formando uma nova geração de sofredores de coluna que passará facilmente dos 80% da população? É imperativo, portanto, que tentemos reduzir o peso das mochilas escolares a níveis razoáveis. Porque, se não o fizermos, não haverá coluna que aguente!

E é aí onde entra a pergunta de um milhão de reais: o que fazer?

Foi justamente pensando neste problema crônico do excesso de peso das mochilas escolares (“Má postura, problemas de locomoção e dores são os perigos se exceder este limite.”) que a PROTESTE (“uma entidade civil sem fins lucrativos, apartidária, independente de governos e empresas, que atua na defesa e no fortalecimento dos direitos dos consumidores brasileiros”), juntamente com a SBOT (Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia), uniram forças alguns anos atrás para publicar um panfleto muito bem elaborado e assim tentar conscientizar a escola, os pais, os professores e os alunos.

Um envolvimento maior entre os pais, as escolas, e as crianças para combater este problema deve sempre ser estimulado. Comunicação é a chave.

O panfleto diz que “é importante escolher (uma mochila) confortável.” Deve-se “experimentar diversos modelos. Mas, além das cores e estampas dos seus heróis favoritos, (deve-se também levar) em conta outros aspectos no momento da compra”:

  • “Escolha uma mochila leve. Vazia, não deve pesar mais do que meio quilo;

  • Escolha mochilas com duas tiras, pois as de tira única para o ombro não distribuem o peso uniformemente;

  • Observe se as alças são acolchoadas, regulares e com largura mínima de quatro centímetros de altura dos ombros. Tiras estreitas causam compressão nos ombros, podendo causar dor e restringir a circulação;

  • Prefiras as mochilas rígidas e acolchoadas nas costas — o forro acolchoado ajuda a evitar ferimentos com objetos pontiagudos;

  • Verifique se há um cinto regulável na altura da barriga para evitar que a mochila balance e ajuda a repartir o peso entre os ombros e a zona lombar;

  • Confira se a alça da mão é acolchoada, com no mínimo oito centímetros de comprimento;

  • Verifique a quantidade de bolsos nas mochilas. Quanto mais espaçado o material, maior a distribuição de peso, diminuindo os danos a região da coluna;

  • Mochilas com rodinhas são opções para crianças que carregam muito peso. Porém, estudos comprovam que este modelo pode ser mais prejudicial à postura do que as carregadas nas costas. Em geral mais pesadas, elas são puxadas com apenas um braço, o que causa uma assimetria na postura e fica ainda pior se a criança tiver de subir e descer escadas. Só tem sentido usar mochilas de rodinhas se as escolas adotarem rampas ou elevadores para evitar que a criança tenha que levantar a mochila nas escadas.”

Vencida a etapa da compra da mochila, é hora de pesquisar e negociar com a escola sobre sua política de ergonomia (se é que alguma há). A instituição de ensino:

  • Disponibiliza “armários para os estudantes guardarem (seus livros e bugingangas e) os materiais mais pesados sem ter que levá-los diariamente para casa”?

  • Disponibiliza também pelo menos parte do conteúdo das aulas, dos livros e apostilas online, “em rede ou no site da escola, acessível aos alunos”?

    Hoje em dia, é meio lugar-comum, né? Mas na época que este artigo foi escrito isso era grande novidade. Tanto é que eu suprimi a parte de “substituir por CDs interativos”. 😉

  • Adota módulos mais leves e incentivam a consulta de livros (ou internet, hoje em dia) nas bibliotecas e residências?

  • Institui aulas de postura (Escolas de Coluna?), ministradas pelos seus próprios professores de Educação Física? Elaboram atividades para criar consciência corporal entre as crianças? Dedicam um período para ensiná-las como sentar para estudar, ver televisão, ou ficar no computador?

    Claro que neste ponto tem que haver também um envolvimento dos pais. A escola também não opera milagres…

  • Convida profissionais da área para falar com os pequenos?

    Quiropraxistas são ótimos pra isso!

Mas sabemos também que uma mochila verdadeiramente leve é meio que utópica, né? O que podemos fazer para minimizar seus efeitos deletérios na coluna das nossas proles?

  • “Organize o material escolar do seu filho. Coloque as coisas mais pesadas no fundo e junto às costas da criança, ou seja, na parte de trás da mochila;

  • Disponha os livros e outros materiais de uma maneira que não fiquem soltos lá dentro, provocando movimentos de desequilíbrio;

  • Olhe o que seu filho leva na escola e certifique-se de que é o material necessário para atividades rotineiras, mas nada de supérfluos;

    Por experiência própria, é muito mais fácil falar do que fazer! 🙂

  • Nas mochilas com rodas é preciso cuidado com a alça do carrinho, que deve estar a uma altura apropriada. As costas da criança devem estar retas ao puxá-la.”

Melhor seria também se o problema fosse resolvido pela raiz. Os pais devem ficar atentos aos hábitos posturais dos filhos. E assim:

  • “Ensinar a criança a manter-se com a postura correta nas aulas, com a coluna vertebral bem encostada às costas do assento;

  • Quando a criança estiver estudando em casa, também não se deve inclinar para ler. Por isso, é necessário ter cuidado com a distância entre a mesa e a cadeira;

  • Para prevenir posturas incorretas e eventuais dores nas costas, o ideal é colocar o livro sobre um suporte, para que fique na vertical;

  • (Estimular) a prática de exercícios físicos que, além de contribuir para o desenvolvimento harmonioso, previne eventuais efeitos negativos da má utilização da mochila.”

    E seria tão bom para inibir o sedentarismo que voltássemos a estimular brincadeiras como jogar bola, pular amarelinha, galopar e correr… E quem sabe até passar menos tempo na frente da TV ou das redes sociais? Será que teríamos êxito nesta empreitada?

Quanto mais cedo evitar o vício da postura errada, menores as chances de problemas no futuro. A melhor maneira de combater um mal é prevení-lo. Mesmo um tanto quanto trabalhosas, essas dicas são soluções viáveis e ao alcance de todos. A nova geração agradece.

Uma feliz (e ergonômica) volta às aulas!