Ao andar ereto, a irrigação sanguínea do cérebro do ser humano, pela ação da gravidade, teve que ser aumentada. Isto, argumentam alguns estudiosos, foi um ponto chave para o desenvolvimento do nosso raciocínio. Desmond Morris descreve este fenômeno no seu livro O Macaco Nu (Ed. Record, 188 pgs). Em outras palavras, a coluna vertebral, tal qual ela é hoje, foi determinante para o desenvolvimento da função cognitiva avançada da nossa espécie.

Estima-se que o processo de andar ereto deve ter levado milhares de anos para ocorrer. Não obstante, o famoso paleontologista Stephen Jay Gould (1941-2002) era um dos defensores da tese do “salto evolucionário”. Para ele, a evolução, a cada milhares de anos, sofre uma espécie de aceleração. É uma interessante teoria.

Mas é ela que nos leva a comentar Caveman, um pequeno e meio esquecido filme cult de 1981. Produzido por um Beatle (George Harrison) e estrelado por outro (Ringo Starr), é um besteirol do começo ao fim. Garante boas e despretensiosas risadas.

O filme tem como palco a Idade da Pedra, “um zilhão” de anos atrás, no dia 9 de outubro (coincidência ou não, no dia que outro Beatle, John Lennon, nasceu). Atouk (Starr) interpreta uma espécie de bobo da corte de um bando de homens da caverna. Apaixonado por Lana (Barbara Bach – futura esposa de Ringo), companheira do líder saradão e opressivo Tonda (John Matuszak), é expulso da tribo após tentar chegar atrapalhadamente às vias de fato com a moça.

John Matuszak foi um jogador de futebol americano que tinha um tino pra comédia. Foi ele que deu a vida ao personagem Sloth do filme Os Goonies (1985) – uma gema dos anos 80 repetida à exaustão na Sessão da Tarde. Matuszak morreu cedo, aos 39 anos, vítima de ataque cardíaco.

Andando triste e desconsolado, ele reencontra Lar (Dennis Quaid – em início de carreira), que foi também expulso da tribo simplesmente por ter machucado a perna. A felicidade extrema de rever um antigo conhecido faz com que eles corram em direção ao outro um tanto rápido demais. Ao abraçarem-se, ocorre um gigante “estalo” na coluna e tornam-se eretos.

Seria o primeiro ajustamento de Quiropraxia de um filme fuleiro?

Por uma série de acontecimentos aleatórios, Atouk forma sua própria tribo. Os excluídos incluem um ancião cego, um anão, um negro, um asiático, um casal gay e por aí vai. Como um Forrest Gump rupestre, Atouk, e este grupo de desajustados descobre o fogo, inventa a música, a roda e ovos cozidos.

Os efeitos especiais são toscos, mas bonitinhos e divertidos. Invoca Ray Harryhausen, com sua técnica quadro-a-quadro de movimento. Detalhes para um “teiússauro” aloprado, um Tiranossauro Rex senil (que roubam o filme) e outros dinossauros que uivam para a lua de noite, piam como coruja e cacarejam pela manhã.

Um detalhe interessante é que o filme todo é falado em “cavernês”. O asiático, por algum motivo, fala inglês, mas ninguém o entende. “Ool” (comida), “zug zug” (sexo), “haraka” (fogo), “bobo” (amigo) e “alunda” (amor) são algumas das palavras mencionadas. O filme foi dirigido por Carl Gottlieb, que co-escreveu Tubarão.

A lição de moral é um clichê visto em todos os filmes hollywoodianos. O mocinho tem valorizar o que tem e não idealizar uma fantasia. Neste caso, o amor verdadeiro de Atouk vem na forma de Tala (Shelley Long – também em início de carreira), a filha do velho cego.

O que tem a ver este filme com a teoria do salto evolutivo dos primeiros parágrafos? Esta “manipulação vertebral” que Atouk e Lar aprenderam foi aplicada em cada um dos membros de sua nova tribo. E todos ficaram automaticamente eretos. Coincidência ou não, a cena final mostra os desajustados construindo catapultas, estilingues e armas para combater a tribo original (que também teve as vértebras manipuladas pelo grandalhão Tonda). Sinais de inteligência?

Se o filme foi inspirado na teoria do “salto evolutivo”, não sabemos dizer. Mas é bem provável que não. Afinal de contas, Caveman foi mais feito para entreter do que servir de fonte para estudos antropológicos.

Ainda assim, vale a pena assistir.