Este artigo foi escrito originalmente há mais de uma década. Compete, porém, dar mais uma olhadinha nele e analisar, mesmo com números e estatísticas diferentes, como pouca coisa realmente mudou…
Com apenas duas faculdades reconhecidas oferecendo o curso no Brasil, é mais provável que o dileto leitor encontre um Quiropraxista fajuto do que formado. Isso é triste, mas não é um fenômeno isolado da nossa profissão.
Evoluímos desde então. Hoje são 5 cursos de graduação reconhecidos pela Associação Brasileira de Quiropraxia (ABQ) em São Paulo-SP, Novo Hamburgo-RS, Rio de Janeiro-RJ, Santa Catarina-SC e Manaus-AM. Estamos na expectativa de mais 2 cursos — um deles em Belo Horizonte-MG pela PUC. Mas a fagocitose desenfreada da nossa profissão segue de vento em popa, com gente que faz cursinhos de fim-de-semana se achando no direito de se autoproclamar Quiropraxista. Uma lástima…
“Entre 2005 e 2009, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) registrou 129 denúncias de falsos médicos, com um pico de 48 casos em 2007.” Com a crônica falta de médicos nos grotões do Brasil, esta desafortunada atividade está se tornando um tanto quanto corriqueira. “Temos informações de casos desse tipo em todo o Brasil”, afirma Roberto D’Ávila, presidente do Conselho Federal de Medicina. “Prefeitos e secretários contratam estudantes pensando que já são médicos, sem pedir inscrição no CRM. Às vezes é mais grave: contratam o estudante porque o serviço é mais barato.” Luís Eduardo Barbalho de Mello, presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Norte, vai mais além: “A carência de médicos para atender em cidades afastadas é tamanha que os prefeitos contratam estudantes por menos de R$ 1.000 para trabalhar em plantões”. (Revista ÉPOCA, 10/03/2011)
Em 2023, “171 denúncias de exercício ilegal da medicina foram apuradas pelo Conselho“. Só o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul (Cremers) recebeu “51 denúncias de procedimentos invasivos realizados por pessoas sem formação em medicina” entre janeiro e julho de 2024. Ou seja, até no lado de lá eles estão penando desta anomalia.
Um parêntese: horrível também quando um médico, se passando por Quiropraxista, é indiciado por “abusar sexualmente de uma mulher durante uma sessão de quiropraxia” no interior da Bahia em julho de 2024. “A vítima, uma policial do estado do Paraná, denunciou que o profissional tocou suas partes íntimas e direcionou a mão dela ao órgão genital dele durante o procedimento, segundo informações da Polícia Militar.” Pior é que alguns sites noticiou esta aberração com o singelo título: “Quiropraxista é preso por suspeita de assédio sexual em Serrinha” (ver Artigo 214). Além do problema de falsos médicos, temos aqui a figura do médico que é falso Quiropraxista e que ainda por cima se mete em enrascada. Sim, é mesmo de lascar o cano!
Enfim, voltando ao assunto em questão, a situação das cidade interioranas continua complicada, mesmo depois de criado o Programa Mais Médicos em 2013. Por incrível que pareça, ainda hoje em dia “quase 80% dos municípios não possuem sequer dois profissionais para cada mil habitantes“.
Então, existe carência? Pesquisa encomendada pelo CFM (Conselho Federal de Medicina) revela que o Brasil conta com “1,95 médico por mil habitantes, número semelhante ao de países desenvolvidos como o Japão, com 2,06”. Se não há carência, seria um caso de má distribuição? É o que acha a professora e conselheira Sumaia Boaventura, do Conselho Regional de Medicina (Cremeb). “(…) as cidades do interior (ficam) carentes desses profissionais por não possuírem uma rede básica de assistência à saúde, o que sobrecarrega o médico de responsabilidades”. A falta de aparelhagem é gritante. “O que adianta (…) ir para o interior e não ter uma rede de ambulatórios especializados, para não dar suporte ao atendimento do paciente, e não ter número de leitos suficiente para internar esse paciente?”, indaga Boaventura.
“O Brasil registra, atualmente, 575.930 médicos ativos — uma proporção de 2,81 profissionais por mil habitantes, a maior já registrada no país.” É um aumento significativo dos 1,95 mencionados acima.
Já Lorene Louise Silva Pinto, diretora de Medicina da Universidade Federal da Bahia (Ufba) discorda. Para ela, há falta real de profissionais. A Organização Mundial da Saúde recomenda que o ideal seria ter um médico por mil habitantes. “Esse número não cobriria a atenção primária à saúde, considerando o perfil de adoecimento da população e o modelo do sistema de saúde que o País escolheu para o povo”, afirma.
De qualquer maneira, o governo, aparentemente sensível à esta necessidade, fez com que o Ministério da Educação (MEC) recentemente anunciasse “a abertura de 360 vagas de medicina na Bahia, 2.415 no Brasil até o final de 2013.” Algumas facções da classe médica não deixaram que isto passasse barato. “De acordo com Luiz Américo Câmara, diretor do Sindmed, o objetivo, não declarado, em expandir as vagas dos cursos de medicina é baratear o custo de contratação de médicos através do aumento da oferta de profissionais.” (Luta Médica, março/maio de 2012)
“Não adianta ampliar vagas se não houver profissionais bem formados, políticas públicas de distribuição, condições mínimas de trabalho e recursos financeiros pra remunerar dignamente estes profissionais”.
Passado todo este tempo, a situação insiste em persistir. O conselheiro federal do CFM, Julio Braga aponta que “apenas 20% das faculdades de medicina brasileiras estão em municípios que atendem os critérios considerados ideais pelas entidades médicas”.
Na Bahia, há sete faculdades de medicina. Elas formam cerca de 450 médicos por ano. O MEC avalia 141 faculdades de medicina no Brasil inteiro através do Conceito Preliminar de Curso (CPC). “(…) em 2011, 23 tiraram notas baixas (de 1 a 2) e nenhuma conseguiu ser classificada na faixa máxima (nota 5).” (vida & ética – Revista do Cremeb, ano 3 – nº 9/2012)
“Dados da Demografia Médica mostram que, atualmente, há 389 escolas médicas espalhadas pelo país — o segundo maior número no mundo, atrás apenas da Índia. A quantidade de faculdades de medicina no Brasil quase quintuplicou desde 1990, quando o total chegava a 78. Nos últimos dez anos, a quantidade de escolas médicas criadas (190) superou o total de todo o século passado.”
“’O CFM vê com muita preocupação a velocidade de abertura de novas escolas médicas e do aumento das vagas em escolas já existentes. A abertura de vagas em escolas médicas é algo de interesse público e deve acontecer por necessidade social. (…) Mas um dos principais problemas ainda é a distribuição desses médicos no país continental que é o Brasil’”, destacou o supervisor do estudo e conselheiro Donizetti Giamberardino.”
Incidentalmente, hoje na Bahia, há “29 cursos de medicina, sendo 18 deles em faculdades privadas. Enquanto as públicas oferecem, juntas, 694 vagas, as particulares disponibilizam 2.424. (…) Para Otávio Marambaia, presidente do Conselho Regional de Medicina da Bahia (Cremeb), a maior oferta não significa melhor qualidade dos profissionais. ‘Esse número [de médicos] é fora de qualquer razoabilidade e é resultado da abertura indiscriminada de novos cursos de medicina, com perdas sensíveis de qualidade e qualificação dos médicos’, analisa o presidente do Cremeb.”
Ou seja, aumenta os números e as ressalvas também…
Então, temos aí então uma grande charada: depois de todos esses anos, ainda há carência de profissionais ou carência de profissionais qualificados? E como atrair bons médicos para o interior?
Os números falam por si. “Na Bahia, a média de 4,02 registrada em Salvador contrasta com a de 0,10 no município de Buritirama, distante 764 km da cidade” — onde, ressalte-se, foi o berço da primeira faculdade do Brasil mais de 200 anos atrás.
E não tem dinheiro que faça este pessoal ir para o interior. “No documento de propostas Caminhos Para Fortalecer a Saúde Pública no Brasil, a Agenda Mais SUS, iniciativa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e da Umane, adverte que a oferta de salários atrativos, por si, não é garantia de sucesso. Fatores como identificação ou proximidade com o local de trabalho, nível de infraestrutura e contexto sociocultural podem pesar mais no momento de um médico escolher onde quer trabalhar.”
O Conselheiro do Cremeb Jecé Brandão, representante da Bahia no CFM e membro da Comissão Nacional de Ensino Médico defende que, mais do que a falta de médicos, os problemas são a falta de incentivos para atendimento no sistema público de saúde; a falta de um plano de carreira; e a falta de financiamento adequado para a saúde pública. Sem boa formação, “(…) é melhor não ter médico do que ter um médico mal formado, que representa um risco para a sociedade”, afirma.
Palavras fortes ditas então, que ressoam ainda hoje…
Razão tinha o escritor francês Jean-Baptiste Alphonse Karr que escreveu em 1849 “plus ça change, plus c’est la même chose” (quanto mais as coisas mudam, mais permanecem as mesmas). Pois é.